quinta-feira, 30 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (XXIII)

                    

       As despedidas do grande presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira  foram completadas na mesma memorável jornada de suas exéquias, celebradas pelo Povo brasiliense, a 23 de agosto de 1976.
       Depois de passar pelo Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro, os restos mortais de Juscelino ficariam expostos à visitação pública na manhã e princípios da tarde no saguão do edifício da Manchete, na Praia do Russell. A longa jornada a caminho do descanso final na cidade que concebera, construíra e fundara, começa no Rio, na sede da revista de seu grande amigo.
       Após alguma hesitação, o presidente Ernesto Geisel decreta luto oficial pelo óbito do grande brasileiro.  Será o primeiro ato público  que homenageia adversário do regime militar.
       O caixão com os restos mortais do Presidente chega a Brasília com considerável atraso, e para dizê-lo prescindo das fontes habituais, porque lá estava, como devera, para receber este grande brasileiro, de quem só tenho boas lembranças.
        Colegas do Itamaraty lá também se encontram, como Paulo Tarso Flecha de Lima. O féretro segue para a Catedral, já acompanhado por multidão, aonde lhe foram prestadas as comovidas homenagens já citadas.
        No último trecho da sua viagem terrestre, ao sair da Catedral, ao cabo de preito multitudinário que só é reservado a verdadeiro herói do Povo brasileiro - e por isso, de culto similar só posso recordar-me daquele de 24 de agosto de 1954, rendido a Getúlio Dornelles Vargas - depois de dúvidas sobre como levar os restos mortais para deposição no Campo da Esperança, houve consenso de que, no caminho de sua inumação, o mais apropriado é que seja transportado através do Eixo, na  direção Sul.
          A gente humilde não quer separar-se tão pronto de quem ela se sente muito próxima. A pressa do chofer da viatura do Corpo de Bombeiros, naquela hora sombria do regime militar, desperta suspicácias no povo que anseia por honrar-lhe a memória, e para tanto, desdenha o afogadilho que é do agrado do regime militar. Como no dia do suicídio de Getúlio, outra coisa não querem os paus-mandados do poder imperante, que por natureza temem dos grandes ajuntamentos a raiva ingente e, por conseguinte, a intrínseca força. Por isso, a cólera está bem presente no povão. Diante da inelutável separação desse Herói do Povo, a sensação por todos partilhada é que se deve ir muito devagar com o féretro. Não carece, pois, brincar com a ira do Povo brasileiro, diante do irreparável trauma que tem de arrostar.
         Dos muitos que ali estão, para honrar àquele que sempre sentiram como um defensor, todos sentem como indispensável que se faça devagar o que é feito sob o plangente rumor dos tambores. Que nada nem de longe passe  a impressão de qualquer cousa feita de afogadilho.
         A todos sobrepaira o trauma comum que golpeou a  gente  brasileira no prá lá de estranho acidente na estrada federal de São Paulo.
          São surdas e grandes tanto a raiva, quanto a revolta. Perpassa toda a gente a dor e o vazio da brutal separação.
          Juscelino não merecia isto.
          É um ódio surdo, e que paira no ar.
          Vamos devagar, gente nossa. Ele cumpriu a promessa de realizar cinquenta anos em cinco.
          Como o trajeto é longo, chegamos assim às portas do Campo da Esperança, o cemitério de Brasília, na hora do crepúsculo.
          Eis que, se me depara estacionado, lá junto aos portões da necrópole, o carrão de Bloch Editores.
          Dele me acerco, em meio à gente que aguarda a passagem do caixão.

          E, para surpresa minha, além do chofer, aí estão acotovelados Adolpho, Lucy e dois jornalistas da sucursal da revista.

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