terça-feira, 7 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (VII)

                         

         Por vezes, eu encontrava Adolpho na praia, se me levantasse mais cedo.  Ele nunca foi grande madrugador, pois apreciava a vida noturna. Nos tempos áureos da boîte Vogue, ele a frequentara com grande assiduidade, a ponto que um jornalista que não morria de amores por ele o cognominasse de Adolpho Vogue.
         Naquele tempo - anos cinquenta - essa boîte era um fanal na noite carioca. Na minha primeira adolescência, meus tios ainda viviam na Antônio Vieira, 5, no Leme. Nessa época, nessa rua e na Gustavo Sampaio, havia locais bastante movimentados, e a alta boemia lá comparecia.
          Houve então o incêndio do hotel Vogue - que abrigava também a boîte - e a tragédia que o cercou, inclusive com a morte de hóspede, se não me engano, americano, que pelas deficiências dos bombeiros de então, não pôde ser salvo - o seu quarto estava no terraço do prédio - e, por isso, não mais suportando o calor das chamas, ele, com bastante vagar, se foi  acercando da mureta, a despeito dos gritos da gente que presencia a progressão do incêndio. Para tal público que acorre a esses espetáculos, muitos guardaram a impressão de que o estrangeiro preferira deslizar lentamente para o abismo, do que ser queimado vivo.  
           Um pouco mais tarde, o casal Bloch trocaria o Leme pelo edifício Chopin, sexto andar. Naquela época, era um dos melhores endereços do Rio, junto da piscina do Hotel Copacabana Palace, e da sua pérgula. Várias vezes, acompanharia minha tia em suas visitas de inspeção às obras de construção do prédio e do apartamento, que tinham escolhido.  Com seu dom de decoração, Lucy dividiu à própria feição o amplo apartamento, onde o casal iria morar por um bom tempo.
           Na praia, quando o avistava,  tratava de cumprimentá-lo, e nós dois caminhávamos pelas areias, àquela hora, em geral desertas, ou com pouquíssimos banhistas.
           Perguntava-me dos respectivos projetos, e quando lhe dizia  que estava escrevendo um livro, ele costumava encorajar-me, inclusive prometendo publicá-lo quando estivesse pronto.
           A princípio acreditei nas promessas, mas mesmo com a editora já montada, de alguma forma ele se esquecia. Como nunca tive o vezo de pedinchar, guardava para mim a circunstância de que a obra estivesse pronta ou não.
              De toda forma, quando publiquei afinal um romance  - apesar da advertência de Castelinho de que não escolhesse aquele editor -  foi minha Tia Lucy quem compareceu à noite de autógrafos em Brasília, a que, para minha surpresa, muita gente amiga acorreu.
    


( Fonte: Carlos  Castelo Branco (1920-1993), escritor e colunista político do Jornal do Brasil - Coluna do Castelo)

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