sexta-feira, 3 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (IV)

                     


         Embora não tenha a movimentação de antes, parece-me que ao passar pela praia do Russell e as construções que estão no sopé do Hotel Glória, os meus olhos procuram pela antiga face do que antes fora Gráficos Bloch na Frei Caneca, e, no posterior período do apogeu, a sede da revista Manchete e mais à direita, a Tevê Manchete.
         Na verdade, o que hoje a sua fachada desvela é  mais um prédio anônimo,que correspondeu, em passado não tão longínquo, a dois edifícios.
          O primeiro à esquerda - e portanto mais próximo do parque do antigo Palácio do Catete - é projeto de Oscar Niemeyer, a quem Adolpho solicitara desenhasse a sede da sua revista principal, a Manchete.
          Por algum tempo, em um dos andares mais altos, estava a sala  do diretor da revista, Justino Martins. Ao lado, havia outras salas, todas comunicantes e abertas (Adolpho não queria gabinetes fechados, mesmo os de chefia). Ainda no tempo das máquinas de escrever - mais tarde viriam os computadores - ali estavam profissionais famosos, que batiam o texto das matérias que apareceriam no próximo número, ou que corrigiam as laudas de jornalistas menos conhecidos.
            Muitos desses jornalistas não estão mais entre nós, mas sempre me impressionou a rapidez com que digitavam as matérias respectivas, houvessem aprendido na escola Remington, ou mesmo batessem com um só dedo, nos teclados da redação. Em especial, era muito rápido o conhecido escritor Raimundo de Magalhães Júnior, a despeito de que, senão me engano, batesse o seu trabalho com apenas dois dedos.
              Adolpho circulava pelo pool, perguntando coisas e indagando de outras. Todas as tentativas - e não foram poucas - que fizeram para montar-lhe condigna sala de chefe, na prática isso tornaria a dita sala de chefia num lugar tranquilo e desértico, onde Adolpho Bloch jamais  sentaria...
               No máximo, se abancava em mesa simples, rodeada de umas tantas cadeiras. Para lá ele chamava quem lhe aprouvesse, ou para elogiar - o que não era muito comum - ou para dar instruções sobre determinada matéria, ou mesmo para dar uma senhora bronca.
                Carlos Heitor Cony, que é um dos poucos que continua na ativa, era convocado com frequência através de um qualificativo, que assustaria aos eventuais estranhos que por lá estivessem - como em toda redação, sempre aparecem esses tipos que não são inesquecíveis, e que, por vezes, giravam atônitos  diante de o que ouviam do chefão, seja sonoros palavrões, seja o tal brejeiro epíteto com que lhe sapecava 'seu' Adolpho.
                  Naqueles tempos em que o salário da minha profissão, quando no Brasil, em geral não costumava aguentar até o último fim de semana do  mês, o fato de aparecer na redação podia ligar-se a traduzir textos para a Enciclopédia Bloch, uma revista moderadamente popular na época. O que não me agradava eram os pífios proventos de trabalho que às vezes me exigia pedaços da madrugada.
                    Certa feita me permiti reclamação entre a diferença na sorte nos textos respectivos. Como estava perto, Justino me pediu para fazer legenda sobre um grupo de pessoas, e se possível inventar uma conexão.
                     A preocupação que tive se desfaria breve, pois conhecia a turma e, portanto, o texto que caberia. Não mais de umas cinco linhas.
                      Qual não foi a minha surpresa ao verificar que ali ganharia substancialmente mais, do que as laudas milimetradas que preenchia por vezes até altas horas...

                        E lá, ao perceber os cruzeiros que iriam melhorar o rango em casa, é que me daria conta que até nisso o conhecimento pode ser poder... 

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