quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guerra Cibernética ?

Nesta semana, apareceu notícia enfurnada em página interna do Herald Tribune cuja importância semelha bem maior do que à primeira vista se afigura.
A Organização de Energia Atômica, agência do governo iraniano encarregada das instalações nucleares daquele país, reportou que os seus técnicos estão tentando proteger o respectivo sistema de um sofisticado verme (worm) de computador que infectou usinas industriais no Irã.
Como se sabe, dentro do termo genérico de malware (software com fins maléficos) incluem-se, entre outros, os virus, worms e cavalos de tróia. Para os menos familiarizados, caberia distingui-los com as seguintes descrições sumárias: virus: ele se liga a um programa ou arquivo para passar de um computador para outro. O vírus só atua por ação humana, dependendo de que o operador abra ou execute o programa maléfico; worm: é considerado uma subespécie do virus, também passam de um computador para outro, mas ao contrário do virus podem se espalhar sem intervenção humana.O worm se vale das características de transporte dos arquivos ou de informações no seu sistema, que o habilitam a circular sem qualquer ajuda. Como tende a consumir muita memória de um sistema, causam a parada (failure to respond) dos servidores da internet, de uma rede ou de computadores individuais; por fim, o cavalo de tróia: como o da mitologia, está cheio de truques malignos. Dão a impressão ao chegar de procederem de fonte legítima. Ao invés dos worms e virus, os troyan horses não se reproduzem por infecção de outros arquivos, nem se automultiplicam.
A agência iraniana não especificou, contudo se o citado worm terá infectado instalações nucleares, inclusive a Natanz, que é a sede subterrânea de enriquecimento de urânio, desde muito visada pelos programas secretos de informação dos Estados Unidos e de Israel.
O críptico anúncio desse órgão estatal do Irã levantou muitas suspeitas junto aos setores da comunidade cibernética, máxime quanto à origem e objetivo do worm Stuxnet. Esse novo worm é um malware que muito se diferencia, em termos de refinamento técnico, de seu congênere que tem afetado por vários anos os usuários da internet.
Com efeito, segundo se especifica, o Stuxnet – só identificado publicamente desde alguns meses – tem por escopo único o equipamento industrial feito pela Siemens que controla tubulação de petróleo, usinas elétricas e nucleares, e outras grandes instalações industriais.
Embora não esteja estabelecido de forma inequívoca, não se pode excluir que o Irã haja sido o principal alvo desse malware (há outros países afetados, i.e., entre os quais Paquistão, India, Indonésia). Que o Irã tenha sido o objetivo precípuo decorre do número muito maior de computadores iranianos infectados, consoante o monitoramento de segurança.
De fonte iraniana, variam as notícias quanto ao dano provocado pelo Stuxnet. Assim, segundo declarações de um alto funcionário do Ministério das Comunicações a uma agência oficiosa “ o efeito e o prejuízo produzidos pelo worm espião não é sério” , tendo sido “mais ou menos” contido. Não obstante, outra autoridade, do Ministério de Indústria e Minas disse que cerca de trinta mil computadores tinham sido atingidos e que este worm “ se inseria na guerra eletrônica contra o Irã”.
Por outro lado, a ISNA, também agência de noticias do Irã, reportou encontros de expertos para discutir meios e modos para remover o Stuxnet, que se prevaleceria de falhas antes desconhecidas no sistema Windows da Microsoft. Contactada, a Microsoft informou estar trabalhando para consertar as ditas fraquezas do sistema.
Conquanto seja muito difícil, tanto rastrear a fonte de um sofisticado worm de computador, quanto e ainda mais determinar a sua finalidade objetiva, os iranianos terão muitos motivos para suspeitar de estarem entre os alvos preferenciais.
Nesse sentido, os técnicos iranianos encontraram no passado provas de sabotagem de seu equipamento importado, especialmente aquele destinado a acionar as centrífugas, utilizadas no enriquecimento do urânio na Natanz. De acordo com noticiário de 2009, o Presidente George Bush teria autorizado esforços, inclusive de caráter experimental, para sabotar sistemas elétricos, sistemas de computador e outras redes que são utilizados pelo programa nuclear iraniano.
Essa particular empresa se acha entre as mais secretas do governo estadunidense. Segundo consta, foi inclusive intensificada pela Administração Obama.
Nesse contexto, o programa de enriquecimento realizado pelo Governo do Irã esbarrou em inúmeras dificuldades técnicas em 2010. Os especialistas no ramo, no entanto, julgam difícil determinar as causas, que poderiam advir das sanções, de especificações errôneas das centrífugas, ou de sabotagem.
O Presidente Obama tem falado bastante sobre a necessidade de desenvolver defesas cibernéticas para proteger bancos, usinas energéticas, sistemas de comunicação e outras infraestruturais de igual importância. Quanto à criação de capacidade cibernética ofensiva, praticamente nada foi dito acerca dos bilhões de dólares aí investidos.
Por outro lado, dada a sofisticação do worm em apreço, e o seu endereçamento a sistemas industriais específicos (Siemens), existe o entendimento na comunidade especializada que será produto de um Estado, e não de hackers individuais.
Estão incluídos entre os suspeitos usuais os serviços israelenses, britânicos, americanos, em seguida, franceses e alemães. Também não se poderiam excluir, dada a sua capacidade na matéria, russos e chineses.
Parece, por fim, evidente que nessa investigação – não decerto facilitada pela falta de impressões digitais – teria que igualmente ser considerado o velho aspecto do direito romano, o cui prodest, vale dizer a quem aproveita o recurso a tal instrumento de guerra cibernética.

( Fonte: International Herald Tribune )

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Últimas Dúvidas

O cenário dos Aloprados paira sobre a campanha de Dilma. Diante dos milhões de votos ‘perdidos’ pela candidata Dilma Rousseff, ela se vê forçada a abandonar o salto alto do triunfalismo antecipado. Nesta vigésima quinta hora, lembra-se, uma vez mais, de voltar a pendurar-se em seu criador Lula, que deverá retornar à telinha, montado nos seus setenta e muitos de aprovação, para intentar mais uma transfusão já em meio à contagem regressiva para a votação do primeiro turno.
Sob a barragem dos metafóricos fogos adversários, tanto em campo dos tucanos, animados com a súbita inflexão na curva dos sufrágios estimados de Dilma – a ponto de o próprio Aécio Neves julgar possível o segundo turno – quanto no arraial dos verdes, estimulados pelo crescimento de Marina Silva, a candidata oficial busca reaglutinar e remotivar os batalhões da militância, à espera de uma enésima investida do comandante em chefe, confiante em que a sua reaparição final lhes trará o ansiado sangue novo e, sobretudo, conterá a sangria nas próprias fileiras, confundidas e abaladas pela artilharia da oposição.
O problema da candidata é que, na reta final para o três de outubro, redescobre as duas formações contrárias com inusitado aguerrimento. No caminho, além de torcer para que não irrompa outra revelação com o impacto ora acrescido dos escândalos pregressos, avulta o último debate pela Rede Globo.
Desde muito, os organizadores cuidaram de engessar tais embates de modo a tentar evitar que produzam mais estragos na fuselagem das candidaturas. Tudo é feito para impedir o efeito de golpes imprevistos. Todos os recursos e regras abstrusas se voltam para fazer passar o tempo e, com ele, qualquer ameaça de tropeço ou escorregadela. Não obstante, mesmo nesse anti-debate paira, inescrutável, a pérfida deusa Fortuna. A gafe ou o dito comprometedor só demanda o piscar de olhos de um instante para irromper e soar com os sons cavos do irremediável.É este o terror de padrinhos, assessores, e caciques partidários, o de verem o erro baixar sobre a fatal, ainda que instantânea, solidão dos candidatos.
Há demasiados exemplos desses momentos de verdade na história das campanhas presidenciais, seja aqui, seja alhures, para que se dedique mais espaço a tal eventualidade.
Na cacofonia das horas que antecedem o silêncio da votação a três de outubro, as expectativas dos três candidatos permanecem vivas. Marina acredita na dupla possibilidade de superar Serra e forçar o segundo turno com Dilma. Serra, sacudido da própria apatia, julga alcançável o que lhe antes lhe parecia negado. E a criatura do Presidente, que por um tempo se embalara em passagem tranquila, descobre, assustada, contestados os respectivos títulos para lograr algo que sempre se esquivou do carismático líder. Vale dizer, liquidar a fatura já no primeiro turno.

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Última Semana

Estamos a cinco dias das eleições de três de outubro. Ao contrário da situação há duas semanas atrás – quando irrompeu o escândalo da Casa Civil – a posição de Dilma Rousseff (PT) se enfraquece, a de José Serra (PSDB) permanece estagnada, e a de Marina Silva (PV) cresce de onze para catorze por cento. Em termos de votos válidos, Dilma tem 51%, Serra 32% e Marina 16%. Sempre de acordo com os dados do Datafolha, como se vê, a soma dos dois candidatos de oposição (48%) está bastante próxima daquela da candidata oficial.
Em função das revelações, aumentou muito a rejeição à Dilma (27%). As principais baixas sofridas pela candidata de Lula estão na faixa dos que ganham de dois a cinco salários mínimos (5%) e com mais de dez salários mínimos (10%).
À queda de Dilma se contrapõe o crescimento de Marina. Em pouco mais de trinta dias a candidata verde cresceu seis pontos entre as mulheres. A sua curva, se não apresenta crescimento dramático, tem, no entanto, aumentado de forma consistente e constante. Nos setores mais próximos ao Presidente Lula, a candidata do PV também registrou avanços, embora menores: cerca de 3% entre os menos escolarizados e os de renda inferior a dois salários mínimos.
A vantagem de Dilma, portanto, se adelgaçou bastante. O último debate – o da Rede Globo – poderá influenciar o voto com renda superior a dois salários mínimos, e com escolaridade média e superior. Semelha pouco provável que influa naqueles segmentos menos favorecidos da população.
Nesse sentido, Dilma Rousseff ainda tem possibilidade substancial de se eleger no primeiro turno, mas o que antes se apresentara como forte probabilidade agora passa a depender de vários fatores. Os escândalos – sobretudo o da Casa Civil – enfraqueceram a candidata situacionista. Resta, no entanto, determinar se ainda terão força residual – a menos de outro desenvolvimento imprevisto – para impedir-lhe a eleição no primeiro turno.
A performance do candidato José Serra nas pesquisas tem sido muito abaixo da expectativa. A sua campanha não soube motivar o eleitorado. Desde 1º de julho o respectivo percentual começou a cair, para despencar a partir de agosto. A recente queda de Dilma não lhe engordou o total, estagnado entre 27 e 28% dos sufrágios. Apesar de suas qualidades e experiência pregressa, uma série de fatores obstaculizou-lhe a capacidade de transmitir ao eleitor comum a própria mensagem. Semelha difícil, posto que não impossível, que Serra vença tantas resistências e não poucas traições.
Marina Silva é a surpresa do corrente pleito. Com base partidária muito fraca, o que se refletiu no escasso minuto do horário gratuito, a candidata do PV impressionou pela simplicidade e seriedade. A segunda candidata de muitos, tem sido a principal ganhadora da inflexão de Dilma. Descontadas as sólitas mudanças imprevisíveis, a sua progressão poderá negar à candidata oficial a vitória já no primeiro turno, mas não se afigura suficiente para que venha a ultrapassar o estagnado Serra. Tal somente ocorreria na hipótese de grave tropeço do candidato do PSDB nesta última semana, vale dizer no debate da Rede Globo. Por ora, tal semelha improvável – tanto que a oposição torce para a continuação do fenômeno Marina nesta derradeira semana, eis que ensejaria um segundo turno entre Dilma e Serra.
Ainda no caso presente, embora Dilma não seja Lula, poderia repetir-se o fenômeno de 2006, quando, por causa dos ‘aloprados’, o candidato Alckmin cresceu o bastante para impedir a reeleição do presidente já no primeiro turno. O seu apoio, todavia, refluíu no segundo turno, para a fácil vitória de Lula.
Se tal cenário se repetir, para que o segundo ato venha a diferir do espetáculo anterior, será necessária transformação radical no ânimo do candidato e na motivação das forças que o apóiam. Se o presente baixo astral perdurar, e se se repetirem as evidências de infidelidades, o final do filme deverá ser o mesmo.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Venezuela: Chávez perde a maioria absoluta

Na eleição anterior para a Assembleia Legislativa, a oposição se retirara do pleito, alegando irregularidades no sistema de apuração de sufrágios. Tal decisão foi um erro histórico, com graves consequências para o processo democrático venezuelano. Permitiu a Hugo Chávez e a seu partido socialista unificado (PSUV) ter bancada de 137 representantes (em 167), e assim dispor de maioria de dois terços. Com essa esmagadora maioria, logrou Chávez fazer aprovar diversas reformas que haviam sido derrotadas pelo povo venezuelano, em referendos anteriores.
Na eleição do domingo, 26 de setembro, favorecida pelo desgoverno do coronel Chávez, com a inflação mais alta da América Latina, apagões e racionamento energético, problemas sérios de abastecimento, e alto nível de corrupção, a coalizão opositora, o MUD, prevaleceu no voto popular (52%). A despeito dessa vantagem, por força do sistema eleitoral venezuelano, em que áreas rurais de menor densidade demográfica são super-representadas no Parlamento, a oposição conseguiu arrebatar 59 cadeiras, contra 90 atribuídas ao PSUV.
Malgrado a deformação em favor da situação do esquema eleitoral, o avanço da frente opositora impossibilitou que o bloco chavista atingisse os dois terços da representação, o que inviabiliza as programadas reformas constitucionais.
Ainda resta por decidir o resultado quanto a sete cadeiras, em que o órgão apurador por ora não logrou determinar os respectivos vencedores. Houve outrossim uma suspeita demora de cerca de oito horas na divulgação do andamento da apuração, retardo esse que segundo o MUD não é consentâneo com os meios disponíveis de aferição dos votos. A propósito, a responsável alegou diferenças muito exíguas em inúmeras disputas para explicar a falta de comunicação sobre a evolução da apuração. Sabe-se bem o que, em geral, significam tais supostos ‘atrasos’ na publicação dos primeiros totais.
Assinale-se que a participação na votação foi uma das maiores na história da Venezuela. A presença de 66,45% traduz o interesse motivado pelos comícios, levando-se em conta, inclusive, a circunstância de que o sufrágio não é obrigatório.
Ao contrário de ocasiões pregressas, e em marcado contraste com a sua constante presença durante todo o processo, o presidente coronel Hugo Chávez Frias não apareceu diante da multidão dos simpatizantes, ao ensejo da divulgação dos resultados, nem se dignou saudar a jornada através da televisão.
Houve consternação nos chavistas quanto a não ter doravante o PSUV bancada com maioria de dois terços, o que lhe asseguraria a manutenção da presente situação, em que domina integralmente o Legislativo. Já provoca estranheza que maioria popular de 52% dos votos não se reflita em posição equivalente na Assembleia. Se, no entanto, perdendo no voto popular, mesmo assim o chavismo alcançaria os dois terços dos assentos, tal condição os equipararia aos sistemas de outras democracias adjetivadas, em que somente existe espaço para as maiorias oficialistas, dóceis às determinações do tirano de turno.
Compreende-se, haja vista a própria desenvoltura dos últimos anos, que o pleito legislativo não tenha sido do agrado do caudilho, que por isso não assomou à sacada presidencial. Somente através da discrição do twitter registrou Chávez o seu grito de vitória.
Essa ‘vitória’, que tem o amargo ressaibo de derrota, há de quiçá parecer mais inquietante ao presidente, eis que prenuncia situação política semelhante à de 2002, no tempo em que a oposição detinha força suficiente para impedir um desequilíbrio excessivo, prejudicial ao regime democrático.
Tampouco a circunstância de haver ficado minoritário no cômputo geral dos votos, não obstante todos os instrumentos manipulados em prol do partido situacionista, não augura resultado promissor na vindoura eleição presidencial. Afinal de contas, nesse cômputo não valerão os artifícios que diminuem a representação dos grandes centros, privilegiando as áreas rurais mais manipuláveis.
Dos comícios para presidente, vencerá o que obtiver simplesmente o maior número de votos. Com o seu acúmulo de erros e tropelias, diante do estado geral da Venezuela, dependente da monocultura do petróleo, e exangue pela dispersão dos próprios recursos e do custoso ‘apoio’ dado por países clientes dos petrodólares, o caminho do coronel para outra reeleição tenderá a ser íngreme e cheio das surpresas desagradáveis reservadas aos maus governantes.

( Fontes: CNN e Portal Terra )

domingo, 26 de setembro de 2010

Sinal dos Tempos: os Republicanos contra a Reforma da Saúde

Este blog se tem ocupado bastante da Reforma da Saúde Americana, do empenho dos democratas e da Administração Obama em aprová-la. Nas matérias intituladas Significado da Reforma da Saúde Americana (I e II) louvei-me de longo estudo estampado pela New York Review. Como o leitor terá presente, aí se focalizarm as principais características da reforma, como iriam entrar em vigor as respectivas modificações, a preocupação dos democratas em fazer valer desde já alguns benefícios (frontload) para que o cidadão americano possa começar a ter melhor impressão do grande esforço, sem paralelo na legislação estadunidense desde a introdução do Medicare (para os idosos) e o Medicaid (para os pobres).
Nessa apreciação, referi en passant a animosidade do Partido Republicano contra a reforma da Saúde. Parece-me, contudo, oportuno e esclarecedor que se examine tão singular desígnio – em outras terras seria quiçá difícil de compreender seja a razão, seja o animus que o impele – na sua amplitude e nos seus desdobramentos com mais vagar.
Premissa básica desta contraposição é a política de confrontação seguida pelo G.O.P. no que concerne ao Partido Democrata. Talvez um dos grandes erros de Barack Obama haja sido o de acreditar na possibilidade de concertar acordo bipartidário em questões que pelo seu óbvio interesse nacional o tornassem não só válido, senão consequente e natural.
Desafortunadamente, a crença por alguns definida como ingênua de Obama em reeditar memoráveis acordos bipartidários do passado – como nos tempos do New Deal de Roosevelt e nos mais próximos, da Grande Sociedade de Lyndon Johnson – importou em inútil desgaste, além de concessões na substância da reforma que sequer lograram o aporte de um isolado voto republicano.
No partido republicano hodierno, em que os evangélicos dominam, não há praticamente lugar para a ala moderada, como existia nos tempos de Nelson Rockefeller. Prevalece postura quase maniqueísta contra os democratas, como se vê nas negativas em bloco, e na demonização da reforma da saúde, carimbada de socialista, o que é o pretexto para a sua metamorfose em autêntico bicho papão para o homem comum americano.
Dessarte, ajudados pela queda nos níveis de aprovação do Presidente Obama e dos democratas, os republicanos – espicaçados à direita pelo movimento Tea Party, de tendência fascistóide – e, por isso, inebriados pela probabilidade de alcançar a maioria em pelo menos uma das Casas do Congresso, a dos Representantes, nas próximas eleições intermediárias de novembro, têm, como objetivo precípuo, quer anular a Reforma da Saúde, quer forçar-lhe o recuo em algumas de suas principais modificações ao statu quo.
Análise aprofundada junto às presentes bancadas minoritárias na Câmara e no Senado logo dissipará a impressão de que se trate de meros slogans eleitorais na respectiva campanha. Anima aos líderes e a muitos outros correligionários a séria intenção de desconstruir – se não for possível aniquilar de todo – o, para eles, monstrengo de reforma socializante que desrespeita o sentido libertário da sociedade americana. Não importa se este sentido libertário favoreça às grandes empresas e associações médico-farmacêuticos, em detrimento do cidadão comum americano.
Os zelosos deputados e senadores do G.O.P. estão preocupados, porque não desconhecem os enormes obstáculos que terão pela frente na sua cruzada contra a Reforma Sanitária. Malgrado o seu caráter moderado e as lacunas que revela – conforme assinaladas nos blogs sobre o seu Significado – essa reforma já principia a entrar em vigor, em diversas áreas (posto que somente a partir de 2014 de forma preponderante).
Desse modo, os republicanos se propõem negar os fundos que as autoridades governamentais hão de precisar para administrar e implementar a nova lei. “Nenhum centavo. Nisso não há flexibilidade alguma”, foi o que declarou recentemente John A. Boehner (Rep-Ohio), o atual líder da minoria na Câmara (e no caso de vitória nas vindouras eleições, provável Speaker).
O ataque não se cingirá a generalidades. Cláusulas específicas e de extrema relevância para a operação da reforma são igualmente visadas. O Senador Orrin G. Hatch, de Utah, apresentou um projeto de lei que almeja inviabilizar uma das principais normas da nova lei: o requisito da obrigação para um grande número de patrões de fornecer cobertura do seguro para seus empregados, ou pagar uma multa. A bondade republicana também visa o requisito que habilita a extensão da cobertura do seguro médico para a maior parte do povo americano.
A tática na atuação dos republicanos evidencia uma característiva desse partido: esse grande partido político favorece, com comovente consistência, os conglomerados industriais e as classes abastadas em detrimento dos segmentos menos abonados da população. Nesse sentido, não fazem segredo que tencionam fazer retroceder (scale back) a expansão do Medicaid, se os estados começarem a reclamar contra os custos adicionais de estender a proteção do programa a milhões de indivíduos de baixa renda.
É uma triste comprovação seja da obtusidade, seja de uma resistência do cidadão comum a intuir o que realmente significa para ele uma lei que se propõe reformar um setor que, atualmente, só aproveita às grandes corporações e aos principais operadores do rendoso sistema sanitário: nos Estados Unidos o atendimento médico pode ser de alto nível, mas o povo americano paga muito caro por isso. Para ser preciso, o preço mais caro do mundo.
Se a perspectiva de um tropeço do Partido Democrata nas eleições de novembro próximo é válido motivo de inquietude, convem não esquecer que a animosa campanha republicana contra a reforma da saúde se defronta com obstáculos importantes:
(a) nem o mais otimista republicano crê possível atingir maiorias, nas duas Casas, de dois terços, o que lhes daria a possibilidade de derrubar os vetos de Obama a eventuais projetos de lei contrários à reforma;
(b) a lei atende a uma gritante necessidade. Segundo o Escritório do Censo, havia 50,7 milhões de pessoas sem seguro médico em 2009 nos Estados Unidos;
(c) a lei de assistência médica poupa dinheiro, consoante o Bureau orçamentário do Congresso. Se o GOP conseguir revogar a lei (repeal) terão de encontrar economias similares. Esse Escritorio não-partidário determinou que a nova lei “produzirá 143 bilhões em ganhos orçamentários líquidos” no espaço de dez anos;
(d) Normas populares e impopulares estão entrelaçadas e será difícil separá-las.
Assim, é popular a ideia de estar habilitado a adquirir a apólice do seguro, não obstante qualquer condição préexistente. Eles não gostam da ideia de serem obrigados a fazê-lo. Contudo, sem esse requisito, a gente esperaria ficar doente para então reivindicar a cobertura – uma situação que se mostrou contraproducente (unworkable) nos estados que tentaram implantar um sistema nessa linha mais flexível.

As autoridades da atual Administração pretendem realçar para o público em geral as principais proteções ao consumidor que entraram em vigor na semana passada, ao completarem-se seis meses da sanção da Lei pelo Presidente Obama.
Dentre essas diretivas, os asseguradores estarão obrigados a estender cobertura a crianças com condições preexistentes; terão que permitir a permanência de jovens adultos (até 26 anos) pelas apólices de seus genitores; não podem impor limites na cobertura de benefícios essenciais de saúde; e não podem cobrar por pagamento em serviços de prevenção recomendada.
Segundo anunciam, a atuação contrária republicana se realizará em todos os níveis, no atacado e no varejo. Embora estejam conscientes dos riscos políticos que correm ao tentar invalidar normas que beneficiam o cidadão comum, acenam, ao invés, em casos determinados, em que a sua sanha principista lhes possa ser demasiado danosa, em estabelecer compensações para o cidadão. Nesse caso, é óbvio que o cidadão trocaria o certo pelo duvidoso.
A estratégia republicana não desdenha valer-se de todos os aspectos, mesmo os mais mesquinhos. Nesse sentido, desejam atrapalhar e confundir o poder regulamentador da Secretaria de Saúde, buscando revogar ou reformular muitos dos regulamentos aprovados pela Administração, através de inserções (riders) e alíneas em leis de fundos públicos.
Não há, na atitude do autodenominado Grande Velho Partido (Grand Old Party) nenhum limite no seu ímpeto desenfreado contra a reforma, prova mais concludente de que tudo para eles é político e, por conseguinte, suscetível de ser negado. Não há no seu vocabulário espaço para legislações feitas no interesse público. Tudo deverá passar pelas forcas caudinas das restrições ditas conservadoras das suas lideranças. Quem acredite na viabilidade do bipartidarismo não pode sequer ser considerado tolo. Como é mesmo que se chama quem desconhece a realidade ou não consegue entendê-la de forma simples e direta ?

( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 25 de setembro de 2010

A Situação da Lei da Ficha Limpa

O impasse do Supremo Tribunal Federal em votar seja pela validade imediata da Lei Complementar nr. 135, seja pela sua aplicação apenas a partir de 2012, originou um verdadeiro jogo de empurra, em que a autoridade direta ou indiretamente responsável – i.e., o presidente do STF, Cezar Peluso, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – atribui à outra parte a responsabilidade pela situação.
Não se pode negar que o Presidente da República poderia ter procedido com mais presteza para a designação do sucessor para a vaga no STF criada pela aposentadoria compulsória do Ministro Eros Grau, ocorrida em agosto. Perdeu-se, portanto, a janela dessa oportunidade para estabelecer um colegiado completo do Supremo . Sem embargo, conforme indicado, de resto, por vários juristas especialistas em direito constitucional, com o professor Dalmo Dallari à frente, caberia agora à presidência do STF reconhecer a constitucionalidade da lei, tendo presente o artigo 97 da Constituição.
Segundo afiançou Dallari: “Com o empate no Supremo, não foi registrada a maioria absoluta exigida pela Constituição. Portanto a inconstitucionalidade não foi aceita.” Nesse contexto, o professor Dallari criticou o presidente do STF: “Ele deveria ter dado o reconhecimento formal que não há inconstitucionalidade da lei, por isso ela continua valendo.”
Há vários elementos que reforçam essa crítica. De início, como foi de resto assinalado por Claudio Weber Abramo: “Há tempos todos os ministros saberiam que haveria empate e que a questão não seria resolvida. Apesar disso, empurraram o assunto com a barriga.” Se o problema era conhecido, e se o Ministro Peluso recusou a valer-se da opção de um segundo voto – o que o honra -, por que não foi excogitada uma solução ad hoc, e no entanto válida diante de um desafio altamente previsível ?
A solução aventada pelos constitucionalistas se afigura a mais acessível, além de fundada em base legal. O Presidente do Supremo, no entanto,- e logo após o parecer favorável à constitucionalidade da lei do Relator Ayres Britto,- levantara, de forma inusitada, a tese da inconstitucionalidade. A sua iniciativa provocou espécie, por estar agindo de ofício. Com efeito, não chegara ao tribunal nenhuma ação direta de inconstitucionalidade em tal sentido, nem, como é óbvio, existia qualquer contraditório do qual valer-se, para que a corte se manifestasse acerca da presumida inconstitucionalidade da lei, por desrespeito ao princípio da anterioridade (art. 16).
Se não impede que essa estranha tese do Presidente Peluso haja sido rejeitada pelo plenário, tal objeção pessoal terá pesado talvez na recusa da presidência do STF em cortar o nó górdio com o recurso ao disposto no pertinente artigo 97 da Constituição. Se ele pessoalmente acredita na inconstitucionalidade da lei complementar nr. 135, como atalhar a questão com a declaração que, sem embargo, pareceu lógica e inevitável aos especialistas ?
Mesmo na falta de assertiva em tal sentido pela autoridade competente, não há dúvida de que a lei da Ficha Limpa continua valendo.
Quanto à renúncia de Joaquim Roriz ao recurso extraordinário que impetrara – transferindo a própria candidatura à esposa -, ela deverá provocar o arquivamento daquela apreciação pelo Supremo. Existe, contudo, outro recurso em condições similares ao de Roriz, que é o de Jader Barbalho. Ele também contesta a aplicabilidade da renúncia para causar inegibilidade (alínea k da lei nr. 135). Contudo, de nada valeria servir-se de tal recurso extraordinário, se o número dos ministros permanecer o mesmo.
Há igualmente quem contesta a validade prática de esperar-se pela designação do undécimo ministro para resolver a questão. Segundo o jurista Cristiano Paixão tal seria inaceitável : “Haveria um grau de pressão em torno dessa nomeação que se constituiria em um fato inédito na história do Brasil. Como fazer essa indicação e controlar as suas consequências ? Imagine esse novo indicado sendo sabatinado por senadores diretamente interessados na questão ? (...) Afinal, essa pessoa estaria decidindo o destino de pelo menos quarenta candidatos já impugnados pela norma.”
Dessarte, a menos que a questão seja resolvida de forma definitiva pela constitucionalidade ou não da Lei para a presente eleição, é quase impossível que o cenário acima não se confirme no futuro.
Como o prof. Dallari asseverou a constitucionalidade da lei depende de nova decisão do Supremo, ou de novo recurso. Entrementes, a validade da lei persiste e pode ser aplicada para afastar os políticos atingidos por sua malha de inegibilidades.
Em outras palavras, se configura uma espécie de inferno judiciário. De uma certa forma, embora tudo seja possível, não há nada certo.


( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha Limpa: um esforço inútil ?

O resultado da votação no Supremo é decepcionante na medida em que prorroga uma situação inaceitável.
A veemência de Gilmar Mendes – o ministro que mais pareceu incomodar-se com a iniciativa popular da lei complementar nr. 135 – não só se opõe ao desiderato da sociedade civil, empenhada em promover uma limpeza nos candidatos às eleições, mas também não vê que o art. 16 da Constituição deve ser lido, no caso em tela, em conjunto com o art. 14. A Ministra Carmen Lúcia já demonstrara, na fundamentação de seu voto, que a regra da anterioridade não é absoluta, e que o objetivo precípuo do artigo 16 é o de coibir o casuísmo.
Sendo genéricas as inegibilidades introduzidas pela lei da Ficha Limpa, não cabe o raciocínio de que a aprovação da lei desorganiza o processo eleitoral sobre o qual, de resto, ela não incide diretamente, conforme evidenciado por diversos ministros, como Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, entre outros.
Mais do que o impasse criado pela falta do undécimo ministro – com a aposentadoria de Eros Grau – o que se afigura lamentável é a circunstância de – após todo o escrutínio dedicado à nova lei complementar – ainda haver cinco ministros que não respondam à mensagem de inovação e de respeito ético aportada por essa iniciativa com sólido e largo apoio na sociedade civil.
Não semelha crível que se repute despropositada a urgência de tornar os requisitos para a candidatura a cargos eletivos consentâneos com as usuais exigências colocadas pela União e os Estados para todos os cargos de concurso público.
Essa iniciativa, coordenada pelo Movimento contra a corrupção eleitoral (MCCE), correspondia a desejo de aperfeiçoamento do processo político, para evitar que os poderes legislativo e executivo continuassem a abrigar elementos que pela sua vida pregressa não teriam condições de passar o crivo de um comezinho concurso para o funcionalismo.
Se a constitucionalidade da lei complementar nr. 135 foi confirmada, infelizmente o resultado da votação contrapôs aos votos favoráveis à sua imediata vigência (o relator Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie) os negativos de Dias Tóffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.
Se o apoio da Ministra Ellen Gracie foi grata surpresa, o mesmo não se pode dizer da intervenção do decano do tribunal, Celso de Mello. Malgrado os vários acenos recebidos de Ministros favoráveis à iniciativa, reportando-se a votos de Celso de Mello em passada jurisprudência, em que apresentava compreensão mais abrangente quanto ao art. 16 da Constituição, este não correspondeu à expectativa, perdendo boa oportunidade de uma vez mais integrar o grupo liberal-progressista do STF.
Em função da temporária incapacidade da Corte de pronunciar-se de forma inequívoca sobre a validade imediata da lei, na prática o impasse serve a todos os elementos que a sociedade civil aspira afastar pelo prazo de oito anos dos mais altos órgãos executivo e legislativo.
É confrangedor que certas pessoas, barradas pela Ficha Limpa, possam reingressar por essa provisória porta dos fundos no seio de organismos que dispensariam, no lídimo interesse da ética, o seu convívio.
De qualquer forma, não me parece inútil a reforma promovida pela nova Lei. A sua constitucionalidade foi confirmada – rejeitada a inesperada contestação por um número substancial de ministros – e a sua validade para o futuro assegurada. Quanto aos comícios de três de outubro, não aconselho um sorriso demasiado largo dos eventuais beneficiários do racha no Supremo Tribunal Federal.
Não se pode, com efeito, excluir que o undécimo sufrágio – que mais cedo ou mais tarde ecoará na aula do tribunal - venha a pender para o lado prometeico desta contenda. E como os eventuais fichas sujas eleitos por essa provisória impossibilidade do STF terão aos respectivos nomes o arterisco sub judice, a sua permanência no Olimpo pode ser mais efêmera de que esperam...

( Fonte: O Globo )

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Deterioração nas Contas Correntes

Há uma projeção de déficit para 2010 no balanço de contas correntes de US$ 49 bilhões. Este resultado negativo é o dobro daquele do ano passado (US$ 24,3 bilhões), e será o maior na série histórica de 63 anos.
A causa principal desse desequilíbrio se deve à apreciação do real perante o dólar estadunidense. Já conhecemos bem os efeitos imediatos deste fortalecimento de nossa divisa: encarecimento de nossas exportações, com o respectivo decréscimo na sua competitividade; barateamento das importações, com o incremento relativo das vantagens do produto externo sobre o nacional. No setor de invisíveis, o desequilíbrio no turismo. Enquanto as vindas para o Brasil se tornam mais caras, as viagens para o exterior ficam mais baratas. Tais desenvolvimentos se explicam porque nessas transações, os detentores de reais terão vantagem comparativa em relação ao dólar. Necessariamente, portanto, os produtos cotados em real ficarão mais dispendiosos em dólar e, por conseguinte, com menores vantagens comparativas em relação a produtos concorrentes.
Historicamente, os eventuais saldos positivos de nossos balanços de contas correntes dependem de vultosos superavits na balança comercial. Com a tendência superavitária das exportações sobre as importações de bens o Brasil contrabalançava os déficits tradicionais nas viagens internacionais (turismo), remessas de lucros e dividendos e no pagamento de juros.
Ora, há um progressivo e preocupante encolhimento no superavit da balança comercial. Assim, do superavit de 2009 (US$ 25,290 bilhões) passaremos para um de US$ 15 bilhões, em 2010 (projeção) e outro ainda menor em 2011 (US$ 11 bilhões).
Antes de considerarmos como aquele déficit de balanço de pagamentos (os US$ 49 bilhões acima estimados) será pago, parece relevante assinalar que a atual política monetária de um real apreciado – calcula-se que o valor mais apropriado do real estaria na paridade de R$ 2,5 por US$ 1.00 – é a inversa da politica financeira do governo chinês. Através da constante manipulação cambial e valendo-se de instrumentos não empregados no Ocidente, Beijing mantém o renminbi artificialmente depreciado em relação ao seu principal parceiro (e devedor), os Estados Unidos da América. Malgrado protestos crescentes do Congresso americano, e em especial do Senado – os parlamentares sentem talvez mais de perto a pressão da opinião pública estadunidense, eis que essa vantagem comparativa (e os enormes superavits da China) também implica em empregos perdidos pelos EUA em relação àquele país -, até o presente o Tesouro americano tem sido bastante soft na utilização de pressões para trazer o renminbi a valores mais consentâneos com a realidade econômico-financeira[1].
Os enormes saldos chineses em seu comércio exterior são decorrência de vários fatores. Um dos mais relevantes está nas vantagens competitivas do produto made in China, que não surgem por um passe de mágica. Elas derivam da baixa cotação do renminbi – o que torna mais barato o produto chinês, Nos custos de produção, está igualmente embutido o preço da mão de obra chinesa, que o governo tem logrado manter em níveis bastante inferiores à remuneração em outros países altamente industrializados. Entende-se, portanto, que essa vantagem comparativa – decorrente da mais valia usufruída pelo capital – é a de presumível menor possibilidade de manutenção, atendida a compreensível agitação operária naquele país dito comunista, em que o trabalhador não recebe pelo seu aporte ao bem produzido a parcela que lhe seria comparativamente mais justa.
Verifica-se, dessarte, que os enormes superavits recolhidos pela RPC na sua balança comercial – e que são a base da pujança da posição financeira de Beijing, com a sua confortável posição de credor nas transações mundiais – provêm, entre outras causas, da depreciação artificial do renminbi.
Por sua vez, o Brasil – e suas autoridades financeiras – por sua política que desemboca em um real supostamente forte cria as condições para o presente quadro.
Dependemos de capitais estrangeiros – em IEDs[2] e de caráter especulativo – para equilibrar o nosso balanço de pagamentos. A previsão para 2010 é de um total de US$ 38 bilhões, sendo de US$ 30 bilhões no setor produtivo (em IEDs),e US$ 8 bilhões de capital financeiro especulativo.
Atuam em favor de nossa posição financeira o fato de possuirmos reservas internacionais elevadas – cerca de US$ 270 bilhões. Também é detentor do chamado investment grade (boa avaliação de risco). Assinala-se que neste campo, atualmente com atração positiva, o fato de o real ser apreciado em relação ao dólar, o que o tem tornado uma das divisas de maior appeal internacional.
Em outras palavras, as previsões a curto prazo são favoráveis. O que não se pode dizer daquelas a médio prazo.

( Fonte: O Globo )

[1] Tal se explicaria parcialmente pelo suposto temor das autoridades do Tesouro (e do Fed) com eventuais represálias de Beijing, eis que são os maiores detentores dos títulos da dívida americana.
[2] Investimento estrangeiro direto

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um Nobel para a China

Há bastante tempo tratei do nosso problema com o Nobel. Por algum motivo, o Brasil, através de seus expoentes, não consegue chegar lá. Foi César Lattes, com o seu famoso méson pi na Física, Zilda Arns Neumann, assim como Monsenhor Hélder Câmara... Aliás, neste último chegamos perto, e, consoante transpirou, os esforços do regime militar lograram dissuadir do propósito a seção norueguesa do Prêmio...
Dentre as explicações para esse jejum, estaria a circunstância de que o Brasil, apesar de país grande, não teria personalidade ( a nondescript country, no dizer do finado Edward W. Said ). O tema é, no entanto, controverso, e talvez tenha mais a ver com o nosso estágio de desenvolvimento[1].
Mas aqui se trata de mais um prêmio Nobel para a China. A imprensa internacional publica a recomendação de três signatários da famosa Carta 77, a precursora da Revolução de Veludo na Tcheco-Eslováquia: Vaclav Havel, Dana Nemcova e Vaclav Maly.
Distinguindo um distante eco da Carta 77 na Carta 08, o ex-presidente da República Tcheca e dois outros subscritores propõem que Liu Xiaobo, um dos principais redatores da Carta 08, seja honrado com o Prêmio Nobel da Paz deste ano. Tal concessão representaria não só o reconhecimento internacional pelos esforços de Liu de construir a paz no interior do continente chinês, mas também mensagem para o governo de Beijing da importância do respeito aos direitos humanos.
Em dezembro de 2008 um grupo de 303 chineses entre advogados, intelectuais, acadêmicos, funcionários aposentados, trabalhadores e camponeses publicaram o seu manifesto, sob o título de Carta 08, em que pleiteavam governo constitucional, respeito pelos direitos humanos e outras reformas democráticas. Marcavam com tal gesto o sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Malgrado os ingentes esforços do governo chinês de afastar das telas dos computadores a mensagem, foi possível através da internet alcançar um público nacional, e os novos subscritores chegam a mais de dez mil pessoas.
A maquinária do Estado se pôs em marcha para conter os efeitos de uma declaração que embora bastante moderada, é inaceitável para o imperante oficialismo em Beijing. Foi feita uma caça àqueles considerados líderes do movimento, tendo sido detido um punhado deles. Além das mesquinharias usuais (promoções sustadas, doações para pesquisa canceladas, e licenças para viajar ao exterior negadas), jornais e casas editoras foram cominadas a colocar na lista negra qualquer signatário da Carta 08.
As punições pesadas foram reservadas para Liu Xiaobo, um dos principais redatores da Carta. Liu já cumprira cinco anos de prisão pelo seu apoio aos protestos de Tiananmen em 1989. Detido por mais de ano com visitas limitadas de sua mulher e advogado, Liu foi julgado por subversão à ordem estabelecida. A sua sentença, de onze anos de prisão, mostra a verdadeira cara da ditadura burocrática chinesa.
Se em certos aspectos a RPC pode parecer um país pós-comunista, o partido comunista chinês estabelece linhas que não devem ser cruzadas. Liu Xiaobo não obedeceu à injunção do monopólio do Partido Comunista sobre o poder político.
Assim como Zhao Ziyang reconhecera em 1989 – e apesar de sua posição na nomenclatura pagara com a prisão domiciliar até a morte – também Liu infringiu outra regra basilar, ao sugerir que os problemas defrontados pela China – inclusive corrupção generalizada, agitação trabalhista, e crescente degradação ambiental – teriam talvez muito a ver com a falta de progresso na agenda das reformas políticas.
Em um gesto de perversidade adicional, as autoridades o transferiram para longínqua prisão na província de Laoning, no nordeste da China. Estará assim mais isolado de eventuais visitas de sua esposa e de seus amigos de Beijing.
Consoante Havel e seus companheiros afirmam em sua mensagem, Liu pode estar isolado, mas não esquecido. No próximo mês, o Comitê do Prêmio Nobel da Paz para 2010 anunciará quem será o recepiendário.
É de augurar-se que Liu Xiaobo seja o escolhido, e se torne o sétimo Prêmio Nobel chinês. A sua obra não se completará em dias ou meses. É um trabalho comprido, de paciência e, sobretudo, de perseverança.
As ditaduras podem impressionar pela força intimidatória, mas a corrente da História está em seu desfavor. Como tantas outras no passado, a ditadura burocrático-comunista de Beijing não há de prevalecer.

( Fonte
: International Herald Tribune )

[1] Explicação também questionável. Chile e Guatemala, entre outros, têm prêmios Nobel e não me consta que sejam países desenvolvidos.

De Novo, os Correios

O fim da festa está próximo para o governo Lula, mas não se garante que seja tranquilo. Existe até a possibilidade de um apagão postal.
Mas vamos por partes. A despeito de haver encontrado os Correios recuperados, o presidente Lula não resistiu à tentação do loteamento político dessa estatal. Ao fazê-lo, decerto ignorou a experiência anterior, e o quão importante é para um país, e não menos para a sua imagem, dispor de serviço confiável de correio.
O apadrinhamento político é uma dádiva de Nesso[1], porque tende a reintroduzir o câncer da corrupção, com todas as suas nefastas consequências. E em se tratando de instituição pública, com a capilaridade dos Correios, somente um aprendiz de feiticeiro pode desejar mexer com esse serviço, que em geral é emblemático da capacidade gerencial da administração de um país.
Sinal seguro da prevalência da corrupção é a perda da confiabilidade dos Correios para a população. Diante da amplitude de seus serviços, a imagem transmitida pelos Correios e o grau de confiança que merece da população será sempre um índice precioso para o estado da coisa pública e do nível de lisura de seu gerenciamento.
E não se vá dizer que Lula e o governo do PT não tinham noção dos perigos representados por um loteamento político dos Correios. Quem não se recorda do vídeo de chefe de departamento da estatal, Maurício Marinho, embolsando propina de três mil reais, como se fosse a coisa mais normal do mundo ? Para esse funcionário de indicação política, deveria ser algo de somenos, quase uma gruja dessas que se dão a lavador de carros.
Pois foi este vídeo, tristemente notório, que deu origem à CPI dos Correios. As revelações de Roberto Jefferson precipitaram a crise do mensalão, sem dúvida o momento mais grave e periclitante da presidência Lula. Gato escaldado careceria de ter mais prudência...
A situação atual, com a crise anunciada no setor das franquias, foi criação do braço direito de Dilma Rousseff, enquanto Chefe da Casa Civil. Só que o loteamento politico dos Correios, realizado por Erenice Guerra, mais representa expressão de húbris considerável, eis que a auxiliar de Dilma resolveu aí colocar gente da sua confiança. Seria, assim, quase um processo clientelístico na sua expressão mais primária, visto que mal passava por intermediação partidária.
Para que se tenha noção da seriedade do problema, segundo O Globo, a Estatal só logrou fechar licitações com 205 agentes, de um total de 1402 ! O atual presidente dos Correios David José de Matos – afilhado político de Erenice – é o autor de uma carta, contestada na Justiça, em que incentiva os franqueados a participar de licitação, o que permitiria a legalização dos contratos. Nesse documento, ele se compromete a ajustar os termos acordados com os agentes vencedores da licitação posteriormente, o que não é permitido pela legislação.
Daí a intervenção branca do governo, realizada a mando de Lula pelo ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que dela encarregou o Diretor de Recursos Humanos dos Correios, Nelson Luíz Oliveira de Freitas. Tal iniciativa parte de duas premissas. A primeira, antes tarde do que nunca, o presidente Lula decidiu vetar o loteamento político de cargos nos Correios (a estatal tem faturamento anual de R$ 13 bilhões). Em decorrência disso, o Presidente quer limpar a estatal do grupo de Erenice: assim, depois da saída do coronel Eduardo Artur Rodrigues (diretor de Operações), seriam os próximos da vez, o presidente David José de Matos, e o diretor Comercial, Ronaldo Takahashi, ambos igualmente pessoas da confiança de Erenice.
A urgência presidencial se deveria ao convencimento de que a ex-Ministra deixara uma armadilha nos Correios, com a real possibilidade de um desastroso apagão postal.
Daí a pressa do Chefe de Governo.
Essa incipiente crise, também originária dos Correios, produziu uma interessante declaração da candidata oficial. Dilma Rousseff disse: (i.) ainda não viu provas contra sua sucessora; e (ii.) que Erenice foi escolhida para substituí-la por critério de Lula.
A primeira parte da declaração não causa espécie. Passará pela cabeça de alguém que Dilma algum dia verá confirmada alguma prova contra a sua auxiliar predileta?
Já a segunda, pelo seu caráter críptico, é sem dúvida muito mais interessante [2]e no sentido chinês da palavra. Pois na asserção do óbvio – alguém há de duvidar que cabe ao Presidente tal desígnio ? – está embutido o primeiro germe do dissenso entre a candidata quase eleita e o seu criador.

( Fonte: O Globo )

[1] O centauro que, segundo a mitologia, fez chegar a sua túnica embebida no próprio sangue envenenado, a Hércules (que o ferira de morte).
[2] Da maldição chinesa contida na frase ‘viver em tempos interessantes’. De acordo com os chineses, tempos interessantes são aqueles tumultuados e com muitas crises.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Dilma é a reeleição chavista de Lula

Parece complicado mas não é. Havia dúvidas sobre a natureza política de Lula. A crescente exposição das semelhanças de Lula com o coronel Chávez vem mostrando de forma irrefutável que ambos são neopopulistas, e que a sua índole autoritária comum tem traços oportunistas.
Uma vez no poder, Lula de início se adequou às contingências políticas e econômicas que recomendavam prudência. Blindado no partido por mentes intelectualmente mais preparadas, começou a desvelar-se com o escândalo do mensalão. Na grande crise de sua presidência, poupado pelos oposicionistas, tratou de criar condições futuras para que tal transe não mais se repetisse.
Depois do governo de José Dirceu, ao transferir o mando administrativo a Dilma Rousseff, cuidou que, na chefia do Estado, guardasse o poder na sua essência. Não tendo vocação, nem formação para as intrincâncias da administração, tratou de controlá-la, à maneira de um presidente em república gaullista, ladeado por primeiro ministro politicamente subordinado.
Como Chávez, Lula pode ter-se servido da imprensa e dos meios de comunicação nos tempos da planície. Ao assumir o poder, como uma margarida, ele foi desfolhando aos poucos a própria visceral contradição com a crítica e a independência da mídia.
Assim, depois de sessão inicial, sempre se recusou a realizar conferências de imprensa (i.e., entrevistas coletivas em que estaria exposto ao escrutínio de questões não sabidas de antemão), em um tiroteio de fogo amigo.
Uma das componentes da sua formação é o anti-intelectualismo, em que se realimenta na volta aos condicionamentos de classe. Se uma primeira tentativa de louvação indiscriminada teve de ser abandonada, por imposição de seu entorno, este foi recuo tático, que não o fez abjurar do propósito.
Ao garantir o segundo mandato, adotou, talvez inconscientemente, o maquiavelismo político. Sob a ideologia do oportunismo, e valendo-se da máquina estatal, o seu projeto foi o da construção da perenização do PT no poder. Através de um esquema de apoio sustentável das classes C, D, e E, procurou criar a base sólida de classe que habilitasse o seu partido (e os eventuais associados) a manter uma maioria eleitoral blindada contra as reviravoltas de opinião.
Como Chávez, Lula já dispõe de mecanismos estatais para o próprio reaparelhamento sócio-político-burocrático. Com isso montou uma base ampla a ele ligada, seja pela dependência social, seja pelo interesse empregatício e não-acessível a eventuais mudanças de posição política. Dessarte, seja pelo autismo da pobreza, seja pelo medo do desemprego, logrou blindar o suporte político-eleitoral da sua figura ou de quem for por ele indicado (V. o fenômeno do voto na ‘mulher do Lula’).
Como Chávez, tem igreja e pontífice onde vai buscar a bênção. A sua prática não será tão amiudada quanto a chavista, mas o fervor do credo igualmente existe, como se verificou no lamentável episódio do menosprezo a um dissidente in articulo mortis (Orlando Zapata) e a outros ainda vivos, comparados a delinquentes comuns.
Ao contrário de Chávez, Lula e o petismo militante se defrontam com uma Constituição democrática. Saída do autoritarismo burocrático-militar, a sociedade brasileira estabeleceu as primeiras bases para a democracia. Se o regime não tem a solidez de outros, com fundamentos mais bem plantados, tampouco está desarmado e demasiado vulnerável às forças da reação neopopulista.
Se Lula não tem embasamento intelectual para que se lhe possa atribuir opções mais sofisticadas, quiçá esteja ora pensando em qualquer coisa que nos baús da história um rato de livraria vá assemelhar ao maximato de Plutarco Elias Calles, no México dos anos trinta.
É aí que entra Dilma no quadro. Sem qualquer base política que lhe permitisse a grande aventura, por obra e graça do criador, essa criatura se deverá metamorfosear em presidente. Traduzido em miúdos, Lula julga que estará promovendo a sua reeleição, por interposta pessoa. Acredita, a despeito dos mouros na costa (José Dirceu), que poderá continuar a empolgar o poder máximo, como última instância.
Não sei se combinou com os russos (no caso, a filha de búlgaro Dilma Rousseff), e se ela se prestará ao papel. Plutarco guardou o poder no México por muitos anos, porque reteve os principais instrumentos (PRI). Não parece ser o caso de Lula.
Entrementes, nos comícios e nas reuniões privadas, ele continuará a exibir a sua verdadeira natureza (nós somos a opinião pública) e a sua empedernida, entranhada oposição à tudo o que for elite.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Semelhanças Preocupantes

Os ataques tipo Saddam Hussein – que culpam o emissário pelo teor da notícia – têm mostrado inquietantes similitudes do situacionismo brasileiro com os seus congêneres argentino, equatoriano e venezuelano.
O companheiro José Dirceu já manifestara o seu conhecido desprazer com a postura da imprensa, de que a turma do PT, cujo próximo poder ele reanunciou em reunião na Bahia – que Fernanda Torres definiu como ‘palestra privada’. De acordo com a tônica do chamado ‘controle social da mídia’, perseguido, até agora felizmente sem qualquer êxito, por esse grupo petista, o Presidente Lula, em comício pela candidatura de Dilma Rousseff, não destoou dessa linha.
Nosso Guia’ investiu contra a imprensa, ao afirmar que alguns veículos agem como partido. Não se pejou na oportunidade de declarar que, ao contrário, “Nós somos a opinião pública”.
Que um Presidente da República julgue oportuno subir em palanques e defender posições partidárias, por conseguinte de facção, já parece bastante questionável, se se tiver presente o exemplo de seus antecessores constitucionais. Se não agiram dessa forma, talvez haja sido por terem presente o seu papel de primeiro magistrado da Nação. Quem é dito representar a todos os brasileiros, não pode comportar-se como chefe de partido.
Parece oportuna a reação da OAB, segundo a qual Lula agiu de forma lamentável, influenciado pelo cenário eleitoral.
Por falar em eleições, e em lutas contra a imprensa, semelha interessante assinalar o anunciado propósito da Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, de entrar hoje com pedido de prisão contra os diretores e acionistas dos jornais ‘Clarin’ e ‘La Nación’.
Na Argentina peronista, constitui apenas mais um capítulo na campanha não só de intimidação, mas também de controle e eventual desmantelamento de órgãos de imprensa que discordem do casal Kirchner.
Esse comportamento apenas repete uma postura de confrontação e de ataque – que não se restringe à discordância verbal – do neopopulismo imperante na Venezuela chavista, no Equador de Rafael Correa e na Argentina, do peronismo em sua versão kirchnerista.
Enganam-se redondamente aqueles que crêem diferenciar as modalidades chavista de suas simpatizantes em outras paragens do hemisfério sul. Antes se atribuía ao peronismo dos Kirchner, nos seus embates com o Grupo Clarin, uma postura de neo-sindicalismo light.
O Lula liberal, que mandara engavetar os excessos do PT, nos meses finais dos seus oito anos de mandato, ataca a imprensa, e se investe no papel de opinião pública. Concretizar de forma tão dramática uma entidade abstrata já preocupa.
Se as pesquisas dizem a verdade – e não há por que descrê-las – será tempo de apertar cintos, para enfrentar a turbulência maior, orquestrada pelo companheiro José Dirceu, em um governo da neófita Dilma Rousseff ? Saindo ‘Nosso Guia’ da cena governamental , seria a hora do PT, e de suas maiorias fazerem valer regras que Lula, considerado muito maior do que o partido, não teria permitido até hoje instaurar ?
Será esse o irônico Legado do inventor de Dilma e líder indiscutível do Partido dos Trabalhadores ?
Menos como crítico, do que como observador, pondero que Lula não mereceria essa nota de pé da página da História
.

( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )

Mensagem para PC Gusmão

Para alguma coisa serve o infortúnio, meu caro Técnico. Tinha o senhor alguma dúvida que a série da pretensa invencibilidade chegaria ao fim dessa maneira, a que tivemos o desprazer de assistir no campo do Beira Rio, por especial cortesia da Rede Globo ?
O senhor tem preparado com muito afinco a equipe do Clube de Regatas Vasco da Gama. Vimos tal atenção no primeiro tempo do jogo com o Internacional. Além de montar bem a defesa, procurando desfazer as jogadas do Inter já no próprio campo do adversário, montou com precisão esquemas de ataque, seja valendo-se das roubadas de bola, como no rush de Zé Roberto, seja na troca rápida de passes, em que se abria a defesa do Colorado.
Através do profissionalismo que demonstrou nesse particular, o Vasco dominou o time da casa – o que não é usual -, registrando o dobro dos chutes com perigo a gol. Nos assistentes e nos vascaínos, em particular, via-se com prazer a presença da equipe da Colina, que encurralava, diante da própria torcida, o time do Internacional.
Houve apenas, meu caro PC Gusmão, um pequeno detalhe que o senhor não tem logrado incutir nos seus jogadores, e em especial naqueles que chamamos de atacantes. Toda essa montagem, toda essa esmerada costura somente faz sentido e só é lembrada com gosto após a partida, se os seus comandados conseguirem converter a resultante predominância em gols.
Dessa maneira, de nada adianta treinar o esquadrão, acertar as jogadas, se ao final não surge alguma botina que saiba traduzir esta vantagem do único modo pelo qual o Vasco – ou qualquer outra equipe – pode vencer um jogo: marcando um tento, seja estufando a rede, seja até fazendo apenas a bola atravessar a linha fatal – basta isso, meu caro PC Gusmão !
Agora, essa sua postura de passar a mão na cabeça dos jogadores, e com eles chorar a suposta má sorte, isto, meu caro técnico ex-invicto, só contribui para dar uma desculpa àquilo que não o merece.
Citarei apenas três lances no primeiro tempo, que anunciaram um time caricato – pois caricato é o conjunto que não consegue concluir as jogadas. Concluir, em futebol, meu prezado Gusmão, o que na verdade é o sentido do velho esporte bretão – fazer gols ! Ou pelo menos, anotar mais do que o adversário ! O primeiro lance foi logo no início do jogo, com um belo rush de Zé Roberto, que desperdiçou a oportunidade, pois Renan defendeu. O segundo foi de todos o mais incrível: de frente ao arco vazio, sozinho, Rafael Coelho conseguiu o mais difícil, embora não seja nisso o primeiro desse Vasco: de alguma maneira logrou pôr a bola nas mãos do agradecido goleiro Renan ! E, por fim, o terceiro: o ataque vascaíno forçou a defesa do Inter a fazer uma falta na linha da grande área, frontal ao gol. Para um batedor de classe média, isso já é meio gol. E, não obstante, Nilton logrou perder mais uma inacreditável chance (houve outras), chutando a pelota com grande violência, mas no centro do arco, onde, surpresa !, estava Renan !
Por isso, não estou de acordo com os jogadores, para quem faltou sorte ao time; tampouco, estou com o técnico, para quem o resultado foi injusto para o time.
Lamento discordar. Não adianta choramingar por falta de sorte, urucubaca, ou macumba adversária, como fazem os jogadores, ou alguns torcedores. Nem passar a mão na cabeça dos pupilos, como fez o técnico.
Fernando Calazans disse que faltou categoria ao time do Vasco. Concordo, mas agrego: faltou também vontade de fazer o gol, pois no caso de Rafael Coelho, não era preciso sequer técnica. Um perna de pau qualquer faria aquele gol. Bastaria a vontade.
E antes desse ridículo espetáculo de pôr as mãos na cabeça, depois de errar uma jogada infantil, ou passá-la, como falso consolo, na cabeça dos jogadores, lembrem-se de o que dizia Neném Prancha:
Quem não faz, leva !

domingo, 19 de setembro de 2010

Colcha de Retalhos LIV

Os ciganos, Sarkozy e a crise na U.E.

A reunião de cúpula da União Europeia para debater a política externa transformou-se em um encontro tumultuado, com ásperas discussões entre os líderes europeus e os representantes da Comissão Europeia.
No centro da controvérsia, estava o Presidente Nicolas Sarkozy, acusado pela sua recente expulsão da França de um grupo de ciganos da etnia Roma. Ora, se os tratados europeus não proíbem a expulsão de estrangeiros dos territórios dos países membros, está especificamente vedado que tais medidas se baseiemem criterios étnicos, como foi justamente o caso na iniciativa do governo francês.
Durante a reunião, a Comissária europeia para a Justiça, Viviane Reding verberou o procedimento. O seu problema ao fazê-lo, não foi que não tivesse razão em censurar a França, mas sim que se deixou levar pela eloquência, ao comparar a ocorrência “a uma situação que pensava não tivesse a Europa de defrontar-se de novo depois da Segunda Guerra Mundial”.
Por tal tropeço da Sra. Reding, o Presidente Sarkozy logrou trocar o banco dos réus pelo púlpito de um promotor. No entanto, é discutível se houve reais vencedores na reunião.
Marcada por acerbas discussões entre o Presidente da U.E., José Manuel Barroso e Sarkozy, a habilidade do líder francês não deixou de causar-lhe atritos, como ao dizer que a Chanceler Angela Merkel lhe teria dito ter igualmente a intenção de expulsar ciganos. Além de que tal assertiva foi categoricamente desmentida por Merkel, a gratuita acusação de Sarkozy pode turbar o entendimento entre Paris e Berlim.
Embora o presidente francês tenha declarado haver recebido apoio de seus colegas - o Primeiro Ministro inglês David Cameron disse que “membros da Comissão devem igualmente usar cautela na própria linguagem”- tal concordância não se estendeu aos decretos de expulsão dos ciganos.
O resultado da cimeira não foi um presságio para o propósito do presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, de realizar reuniões mensais dos líderes da U.E. A reunião de quinta-feira mostrou que tais contatos nem sempre podem ser necessariamente propícios à criação de atmosfera de concórdia.

A Visita de Bento XVI ao Reino Unido

A despeito dos prognósticos sombrios feitos pela imprensa, no contexto das relações entre a Santa Sé e a Igreja Anglicana, assim como do escândalo envolvendo religiosos em abusos sexuais contra menores, o Papa Bento XVI soube navegar com cautela em águas difíceis. Foi recebido na Escócia pela Rainha Elizabeth II, ali expressou a sua consternação, reunindo-se com representantes das vítimas.
Na escala de Londres, destaque foi dado à circunstância de ser a primeira visita de estado de um Soberano Pontífice, após a ruptura e cisma de Henrique VIII, no século XVI.
Malgrado terem sido detidos cinco argelinos e um sexto indivíduo – também limpador de rua – que trabalhavam em área a ser percorrida pelo cortejo papal, a Scotland Yard não modificou o programa da visita. A suposta conexão com a rede al-Qaida levou as autoridades britânicas a um incremento discreto da segurança. Posteriormente, no entanto, os suspeitos foram libertados. Uma busca em suas residências não havia revelado nada que indicasse alguma conexão terrorista.
O caráter de reconciliação da viagem foi ressaltado pela programação do dia: Conduzido no seu veículo cerimonial, o Papa visitou Rowan Williams, arcebispo de Canterbury, chefe espiritual da comunidade anglicana, na sua sede de Lambeth Palace; atravessando novamente o Tâmisa, dirigiu-se às casas do Parlamento, onde discursou. Mais tarde, participou de sessão ecumênica de oração com os líderes anglicanos, na Abadia de Westminster.
Tambem em Westminster, perante público de líderes políticos – inclusive o antigo Primeiro Ministro Tony Blair, que recentemente se converteu ao catolicismo – Bento XVI fez considerações em que exortou os parlamentares e outras personalidades proeminentes “a buscar meios de promover um estimulante diálogo entre a fé e a razão, em todos os níveis da vida nacional”.
No dia seguinte, realizou-se multitudinária missa campal, com a participação de cerca de oitenta mil pessoas. Igualmente em Londres, houve demonstração em que dez mil caminharam par manifestar o seu repúdio aos episódios dos abusos sexuais e a necessidade de que sejam punidos os eclesiásticos responsáveis.

A Amazônia e o Desenvolvimento Sustentável

A campanha estadual na Amazônia não transmite sinais muito encorajantes quanto a uma visão ambiental dos políticos locais. Ao contrário da candidata Marina Silva (PV), as propostas de candidatos ao executivo em Estados amazônicos são deprimentes, no sentido de rezarem mais pelo anti-catecismo do projeto ruralista de Código Florestal, do que por uma consciência da realidade amazônica e dos perigos do desmatamento.
Ao invés da postura antagônica entre desenvolvimento e floresta, que é oportunísticamente adotada por políticos que postulam o governo de estados na Amazônia, o pesquisador Adalberto Verissimo, do Imazon, os contradita:
“O Brasil pode e deve desenvolver a Amazônia sem desmatar. Temos uma área desmatada de três vezes o Estado de São Paulo. É uma parte,inclusive, abandonada. Vamos aproveitar áreas já desmatadas, intensificar a agropecuária lá.”
Talvez o maior conhecimento da potencialidade destrutiva do desmatamento – como já o evidenciam áreas já prejudicadas pela derribada indiscriminada da mata no Mato Grosso e no Pará, estados em que essa política de terra arrasada se acha mais ‘avançada’ – poderia ser utilizado como advertência para as teses do desmate, de suas consequências ambientais (empobrecimento da terra, savanização progressiva, involução climática, com queda abrupta nos níveis pluviométricos) e de o que significam, em termos de pobreza e perda irreversível.

A Lei da Ficha-Limpa deve ser a solução da Sociedade para o problema da desmoralização do Congresso.

Não será a primeira vez que um candidato anti-establishment terá uma gorda votação popular. O exemplo de Cacareco está aí para mostrar que esse protesto eleitoral não é recente.
De acordo com a colunista Eliane Cantanhêde, Tiririca vem ocupar o espaço deixado por Enéas Carneiro. Segundo ela, é preocupante, mas não surpreendente, que o Tiririca desponte como recordista de votos.
Quiçá a ameaça colocada por Tiririca vá muito além daquela da mensagem de Enéas. Com todas as restrições que se pudessem fazer ao professor, ele se inseria em uma opção política, a do nacionalismo direitista.
Tiririca, no meu entender, é muito diferente. Mais do que o deboche, o escracho, ele representa a anti-política, a negação da política como solução social e sua afirmação como solução individual.
A existência de Tiririca está intrinsecamente ligada ao desprestígio do Congresso, aos escândalos sucessivos sem que os responsáveis sejam punidos, são as comissões de ética que não funcionam, são o chabu dos escândalos do Senado e de seu Presidente José Sarney, é o Legislativo enfraquecido e desmoralizado.
A única visão contrastante dessa deprimente realidade foi dada pela Lei da Ficha Limpa. Essa lei surgiu de uma legítima iniciativa popular, muito bem dirigida pelo Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
A Ficha-Limpa é a única luz no fundo do túnel, a acenar com a limpeza do Congresso.
Não obstante, apesar do silêncio da mídia, a validade da Ficha Limpa para a eleição de três de outubro ainda não está confirmada. Pende sobre ela a espada de Dâmocles da avaliação de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Contra
as indicações pessimistas, quero crer que o STF saberá confirmar a tese defendida por Ricardo Lewandowsky, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, sobre a validade da Lei da Ficha-Limpa desde já. É o que espera a sociedade civil.

( Fontes: International Herald Tribune, CNN e Folha de S. Paulo )

sábado, 18 de setembro de 2010

Nada de Novo no Front ?

Com o Presidente Luiz Inacio Lula da Silva transformado no maior cabo eleitoral tanto em nível federal, quanto estadual, não vem ao caso aqui discutir a contribuição – para o bem ou para o mal – deste novo papel assumido pelo Presidente da República.
Excluído o eventual embaraço de descobrir-se em companhia pouco recomendável, não se assinalam outras reações, inclusive as institucionais, que façam algum reparo, ainda que tímido, à inaudita desenvoltura evidenciada pelo Chefe de Estado, ao arrepio do exemplo de todos os seus antecessores constitucionais.
Em Brasília – e não me ocupo do plano distrital – a opinião pública presencia um oco formalismo, a que não corresponde um efetivo respeito pelo que se apregoa.
O comportamento de Erenice Guerra semelha mais uma lição cuja serventia, a julgar pela desmemória passada, será de escassa duração.
Se Aristóteles estivesse vivo, quiçá hesitasse em definir ainda a gratidão como a reação mais transitória. Daqui a pouco, segundo um colunista, ela estará de volta, e os seus apaniguados, graças ao munificente reaparelhamento do Estado pela via sindico-partidária.
Ao invés da pomposa Comissão da Ética Pública, pergunto-me se não seria mais apropriado zelar pelo respeito entre fazenda pública e finança privada – que a vida de Raul Fernandes[1] tão bem epitomizou – de forma mais séria e eficaz ? Como, v.g., ao ensejo da respectiva posse, uma rotineira auditoria dos bens e das ações pregressas das principais autoridades ?
É discutível, outrossim, que o último escândalo – o da Casa Civil – terá repercussão mais funda do que o penúltimo – aquele do tal de Sigilo.
Em uma coisa, aliás, me descobrirei em acordo com Lula e seus seguidores. A culpa de todos os males da República é de Fernando Henrique, e por haver importado para a Constituição o perigoso instituto da reeleição. Se a nossa Carta Magna imitasse a helênica, tal seria impossível, porque lá, para valer, a emenda constitucional precisa ser votada em duas legislaturas, o que, convenhamos, constitui obstáculo ponderável para manobras continuistas.
E tampouco os nossos pobres congressistas tiveram presente o exemplo da Revolução Mexicana que fez respeitar este único princípio[2], de que as sucessivas reeleições do ditador Porfirio Diaz haviam mostrado a republicana valia.
A reeleição é norma nefasta que muito tem contribuído para o abastardamento dos costumes na República, nos três níveis de governo. Sem o saber, é a antecâmara do chavismo, ao criar condições para o aparelhamento do Estado pelo partido, e o consequente clima palaciano, com a inchação do Executivo, em detrimento dos demais poderes.
E o exemplo que vem de cima, é pressurosamente imitado pelos pequenos. Para quem duvida, basta olhar à volta, na antiga Corte, depois Distrito Federal, e hoje circunscrita à imposta união da Guanabara e do velho estado do Rio.

[1] Político e jurisconsulto fluminense (1877-1968)
[2] Não me falem, por favor, no outro princípio, o do sufrágio efetivo, que o PRI jamais respeitou.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Escândalo do Futebol Brasileiro

A situação do jogador brasileiro de futebol e, em especial, o verdadeiro tráfico humano de que é a mercadoria, constitui um desses escândalos que, estranhamente, subsistem, vistos de longe e de perto, como se fora algo inelutável.
O talento do brasileiro para o futebol, e o inesgotável manancial em que se transformou, sob pretensa liberdade comercial, esse traço distintivo de nossos atletas, tornou-se objeto de um mercado em que muitos ganham. O nominal beneficiário se descobre transferido a terras e países para ele desconhecidos e diante dos quais a sua reação e eventual adaptação se afiguram imprevisíveis.
Não faltará muito para que, na qualidade de semovente, o futebolista brasileiro passe a ser um ítem de nossa pauta de exportações, e venha a constituir bem negociável e da competência da Organização Mundial do Comércio.
Ao contrário do tráfico de mulheres e de dançarinas, que representa outra chaga de que padecem muitas de nossas conacionais, este comércio é realizado às claras, com a chancela de órgãos oficiais e esportivos, como se fora uma das muitas liberdades que passaram a ornar, nas últimas décadas, a chamada globalização do intercâmbio.
Até o dito ranço colonialista que reveste as transações em apreço, não reflete a sua real condição. As antigas colônias tinham relação de dependência com a metrópole, que era um país determinado. Nesses tempos obscuros, muito colono aspirava a transferência para a sede do império, dada a possibilidade de melhoria de vida. Não é o que ocorre agora. Os nossos potenciais jogadores são transladados para outros países, cujas economias muita vez dispõem de menos recursos do que a nossa. Nesse caso, parece difícil classificar como colonial a venda de nossos jovens para países como a Ucrainia, a Turquia, os Emirados Árabes e similares, que estão colocados bem abaixo na escala mundial dos PIBs.
Para as nossas autoridades, governamentais e esportivas, não terá sido acaso motivo de reflexão a desagradável impressão de que a Fifa foi forçada a criar regras para limitar o número de jogadores de origem brasileira inseridos em seleções de outros países, sob a diáfana cobertura de uma naturalização oportunista ? E, a despeito de tais providências, os certamens da Copa do Mundo, cuja importância para nós é transcendental, continuam a dar aos espectadores brasileiros a insólita experiência de ver tantos antigos nacionais jogarem sob as cores mais disparatadas ? E o que é ainda pior, o aparente orgulho que dessa circunstância semelham tirar os nossos locutores, como se participássemos vicariamente nos gols de mais de uma seleção ?
Essa operação comercial abrangente de que são objeto os jovens é vista como se fosse a coisa mais normal do mundo. Com efeito, são correntes os ‘contratos de gaveta’ em que adolescentes de quinze anos e até menos têm comprometido o seu futuro (ao completar a maioridade de dezoito anos) por empresários e clubes.
Esta normalização do absurdo vai a um ponto tal, que, quando um craque de seleção, como Neymar, não é transferido para algum time inglês, preferindo continuar defendendo o Santos, no Brasil, o fato é cercado de espanto, quase vizinho da desaprovação !
Mesmo sem entrarmos no escândalo que constitui o tráfico em si, a situação em que os clubes do Brasil, pacientes de uma eterna penúria, são os primeiros a se desvencilharem de suas jóias mais preciosas, tem várias outras consequências, igualmente nocivas.
Os campeonatos brasileiros são organizados em primeira, segunda e terceira divisões. Na verdade, o da chamada série A deveria, em realidade, ser rebaixado para B, e assim por diante, pois na hora de fazer a convocação para o scratch nacional – se o técnico designado deseja montar um time com a nossa força máxima[1] - a esmagadora maioria dos escolhidos estará jogando na Europa.
Essa peculiaridade de que a seleção brasileira seja formada na sua maior parte pelo que se denomina de ‘estrangeiros’, às vezes é motivo de preocupação para tais técnicos quanto à motivação e ao empenho de alguns atletas na defesa da malha auriverde.
Será nesse ponto que pela cobiça de muitos – em geral os intermediários -, o povo brasileiro se vê privado de seus melhores jogadores, a que só logrará ver jogar em partidas de seleção. Na velha e sovada imagem – em casa de ferreiro, espeto de pau – temos de contentar-nos com o que resta. Nada contra tais jogadores, mas se somos tão talentosos a ponto de prover as equipes europeias, não terá acaso passado pela mente tanto de nossas autoridades, quanto dos dirigentes clubistícos, que é mais do que tempo de dar um basta em tal estado de coisas ?

( a continuar )

[1] O que não é sempre a hipótese, como se verificou na última Copa.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Momentos da Crise no Planalto

Se a última pesquisa Datafolha continua a não refletir qualquer impacto do escândalo da violação dos sigilos fiscais, como o front das denúncias já atinge outros domínios, a campanha presidencial de 2010 entra em nova fase.
O passado autismo do eleitorado, que corroborou a frase de estampo lulista “cadê o tal de sigilo?” representa um enigma para os observadores, no que tange às possíveis consequências para a posição dos candidatos nas prévias.
Temos presente a primeira reação à quente de Dilma Rousseff, no debate de domingo na RTV: a questão na Casa Civil de Erenice Guerra “é um problema de governo”. O seu entendimento – que a dissociava do caso – criou uma certa perplexidade. Se nada tinha a ver com o governo, como interpretar a frequente menção no seu programa eleitoral de “o governo de Lula e Dilma” ?
Entrementes, a crise se mudou para o Palácio do Planalto, e mais especificamente para a Casa Civil de Erenice Guerra. A primeira tentativa do Presidente Lula de enterrar a questão, ao cometê-la à Comissão de Ética do Governo, que é encarada como um cemitério de crises abortadas, à vista dos ulteriores desenvolvimentos do escândalo, não surtiu efeito.
Pelas revelações posteriores quanto à desenvoltura de Israel Guerra, na sua intermediação, pedindo, por crédito do BNDES, comissão de 5% e mais R$ 240 mil em seis pagamentos, a situação da Ministra não se viu reforçada.
Tampouco contribuíu para ajudá-la nota da Casa Civil, assinada pela Ministra, em que o candidato Serra era apostrofado de “aético” e de “já derrotado”. Auxiliares diretos do Presidente definiram como um ‘total desastre’ o tom da nota em apreço. Que o texto dessa comunicação oficial haja sido divulgado sem o conhecimento do Presidente da República, nem de seus colegas da Presidência, não é um dado irrelevante, nem evidencia comedimento e cautela necessárias nessa intervenção.
Acresce levar-se em conta que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou ‘graves’ as suspeitas contra o filho de Erenice, Israel Guerra. A esse respeito, Gurgel declarou: “As notícias apontam para fatos graves, mas não temos elementos ainda que apontem a responsabilidade, se envolve ou não envolve a ministra”.
E acrescentou o Procurador-Geral da República: “O Ministério Público atuará independentemente da campanha. O tempo do Ministério Público não é o tempo da campanha política. Faremos a investigação com o rigor que caracteriza atuação do Ministério Público, mas sem preocupação com a campanha eleitoral nem para um sentido, nem para o outro.”
Agravando a situação de Erenice Guerra, Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendeu o imediato afastamento da Ministra : “Não se pode falar em moralidade, em transparência e em apuração se a ministra se mantiver no cargo. A partir do momento em que se coloca em dúvida a credibilidade e a postura da ministra, isso é algo que deveria atrair o imediato afastamento dela.”
As crises têm a sua própria dinâmica e muita vez escarnecem das veleidades do palácio em controlá-las ou sufocá-las. Pelo andor da carruagem, estamos adentrando fase de ulterior turbulência. Já passou o momento em que Lula mantinha expressamente no cargo a sucessora de Dilma Rousseff e transmitia, pro-forma, as implicações da crise à Comissão de Ética Pública, cujo retrospecto não prenunciava dramáticas involuções.
Se num primeiro momento a Polícia Federal ficaria ao largo da Ministra, agora entram em cena outros personagens, que não semelham atados por tais restrições. E a posição de Erenice, por força das revelações seguintes e de sua desastrada nota, não parece em vias de reforço.
Enquanto esse assunto de governo prossegue na sua trajetória – que nem sempre é previsível – ecoam ao longe as declarações de José Dirceu, na entusiasmada profecia para os militantes petistas, de que a vitória de Dilma será a vitória do PT. Se Lula é muito maior do que o partido, será que o antigo prócer petista preliba a sua volta ao poder, de que fora derribado pelo escândalo do mensalão ?
A princípio, parecem ecos de uma outra estória. Não obstante, em se vivendo momentos de crise em meio à campanha presidencial, nem sempre será fácil destrinchar o que é importante e o que não é...


( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Perspectivas das Eleições Americanas

As próximas eleições legislativas nos Estados Unidos, em que se renova a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado, são vistas com preocupação pelo Partido Democrata.
Em função de uma série de fatores, a popularidade do Presidente Barack Obama está em torno de 44% em termos de aprovação. Parece à primeira vista paradoxal que Obama esteja em minoria nas prévias, levando-se em conta as duas grandes reformas que logrou fazer votar pelo Congresso, e que foram por ele sancionadas. Reporto-me à Reforma geral da saúde e a Reforma financeira.
No entanto, a circunstância de que a reforma da saúde repercutirá de forma não imediata para o cidadão estadunidense – V. a propósito os meus dois blogs[1] sobre o seu significado postados recentemente – e a extensão da campanha de desinformação conduzida pela direita americana, a Administração Obama não tem conseguido passar a própria mensagem para o público em geral.
Se tal fato causa espécie – não terá Obama vencido as primárias e as eleições através de habilíssima utilização dos novos meios de comunicação ? -, será forçoso, no entanto, reconhecer que até pouco tempo atrás o Presidente evidenciava um certo inegável distanciamento do homem da rua americano, que se traduzia em impressões pouco favoráveis acerca do primeiro mandatário.
A direita e a extrema-direita americana dispõem de órgãos de comunicação (V. a rede Fox e toda a cadeia sob o controle de Rupert Murdoch) que se dedicam a campanha sistemática de ataques aos democratas e sobretudo a Obama. Quase todas as águas movimentam o seu moinho, e a retórica populista de Rush Limbaugh e Glenn Beck não há de enjeitar eventual recurso à deturpação e desinformação.
Por outro lado, a atitude monolítica do Partido Republicano, em ambas Casas do Congresso, desfez qualquer possibilidade de possível bipartidarismo, como Obama terá acreditado, consoante alguns de forma um tanto ingênua. À primeira vista, semelha, no entanto, difícil aceitar que o G.O.P. rejeite, por princípio, qualquer possibilidade de acordo com os democratas naqueles grandes temas de concertação nacional, tendo presente se tratarem de disposições que atendem a manifesto interesse geral.
A progressiva radicalização do processo, contudo – a ala moderada no Partido Republicano é um amedrontado e minúsculo remanescente, à beira da extinção – vem condicionando tal postura de confrontação, de que a votação da Reforma da Saúde (com nenhum sufrágio favorável dos republicanos) veio dar triste e irrefutável confirmação.
O conhecido dito atribuído ao Dr.Goebbels que daria foros de verdade a mentiras repetidas incessantemente tem conseguido incutir no americano médio concepções abstrusas. Nesses termos, recente pesquisa determinou estarem convencidos 55% da opinião pública que Barack Obama é ... um socialista. Tenha-se em mente que ‘socialismo’ é uma espécie de bicho papão para grande número de americanos, associada esta ideologia – na forma deformada e obscurecida em que é apresentada – a tudo o que se imaginar possa de totalitário e ‘antiamericano’.
Há outros dois fatores que trabalham em prol do desígnio da direita e dos republicanos de solapar o apoio popular a Obama. Se o vazamento de petróleo no Golfo do México não pode ser comparado, em termos políticos, ao chamado efeito ‘Katrina’ sobre o seu antecessor, George W. Bush, tampouco a reação do atual Presidente transmitiu ao homem comum imagem de administrador alerta e enérgico. A despeito dos respectivos iterados deslocamentos à área do desastre ecológico, Obama ficou aquém de o que se esperava, em matéria de dinamismo e da desejada severidade no que concerne ao comportamento da B.P.
O segundo elemento negativo está na corrente recessão e na amplitude do consequente desemprego. Há duas circunstâncias que repercutem negativamente nas perspectivas eleitorais dos presidentes. O fato de não transmitir impressão de autoridade (o que inviabilizou a reeleição de Jimmy Carter, em 1980), ou não ser considerado competente para lidar com o desemprego (o que derrotou George Bush sênior, em 1992).
Obama tem procurado reagir contra a ameaça de que a crise financeira, herdada de George Bush júnior, se eternize em seus efeitos, em um cenário japonês de estagnação, de continuada recessão e desemprego. Há pouco o presidente anunciou projeto keynesiano de injetar US$ 50 bilhões na economia americana, para criar mais empregos. Posto que o G.O.P. tudo fará para dificultar-lhe a aprovação pelo Congresso, a iniciativa foi saudada por muitos como meritória, dando a Obama imagem mais pró-ativa, que só tenderá a favorecer a posição dos democratas.
Outro vetor que poderá, a contrario sensu, favorecer alguns congressistas democratas, cuja reeleição em novembro esteja ameaçada, será ironicamente o eventual crescimento do Tea Party. Em duas primárias desta semana, dois representantes desse movimento de extrema-direita americana venceram os indicados pelo Partido Republicano. Este fenômeno de radicalização – produto muitas vezes da milionária beneficência de alguns magnatas da indústria – tenderá a enfraquecer a direita republicana, seja por escolher para a eleição de novembro um representante que pelo seu extremismo reúna menos condições de vencer, seja por dividir a direita (com a oposição representada por dois candidatos), o que igualmente ajudaria o indicado pelos democratas.
Não resta dúvida que esse efeito perverso não seria determinante para assegurar a manutenção da maioria na Câmara de Representantes – a Casa em que são maiores as possibilidades do G.O.P. de vencer – e no Senado, mas, no conjunto do quadro, com outras melhoras alhures – com, v.g., o reaparecimento do Obama de sua exitosa campanha presidencial -, este açodamento do Tea Party e dos seus ricos promotores funcionará como um vetor de desagregação da direita, causada paradoxalmente pelo voluntarismo dos seus instigadores e principais – nem sempre ostensivos – grandes contribuintes.

[1] O Significado da Reforma da Saúde Americana (I e II, postados a 5 e 9 de setembro corrente).

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Crise se transfere para o Palácio do Planalto

As revelações da Revista Veja atingem a Ministra Erenice Guerra que, como se sabe, era a auxiliar direta da Ministra Dilma Rousseff, quando esta última chefiou a Casa Civil da Presidência.
Erenice Guerra é objeto de suspeita de tráfico de influência, por causa da ação do filho Israel Guerra, na intermediação de contratos com o governo. A Ministra da Casa Civil teria sido sócia de duas empresas, enquanto ocupava cargos no governo Lula, a partir de 2003.
Na primeira dessas empresas, de representação comercial, Erenice Guerra terá participado de 1994, quando deixou a Eletronorte, até março de 2007, quando já era assessora de Dilma Rousseff na Casa Civil.
Uma terceira empresa, de segurança e investigações (“arapongagem”), foi aberta em 1997 em nome do filho Israel Guerra e de um “laranja”.
O escândalo já tinha aflorado no debate do último domingo entre os presidenciáveis. Questionada a respeito, a candidata Dilma Rousseff procurou deixar claro que sendo pessoa de sua confiança, e deixada por ela no cargo, Erenice não tem nada a ver com a ex-chefe e agora candidata do PT à Presidência. Inclusive porque, como afiançou Dilma, “isso é um problema de governo”.
Então, como assinala a colunista Dora Kramer de O Estado, ‘a referência ao “governo de Lula e Dilma” na propaganda eleitoral, fica combinado, é só força de expressão.’
Diante da crise, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se na noite de domingo com a Ministra Erenice Guerra, de quem cobrou explicações rápidas. Por enquanto, todavia, Lula decidiu mantê-la no cargo. A reação governamental derrubou um assessor de confiança de Erenice, que seria sócio oculto do filho Israel, o qual também se acha sob suspeita. Trata-se de Vinicius de Oliveira Castro, assessor da Casa Civil. A motivação do pedido de exoneração se deve ao fato de o seu nome aparecer nas denúncias de tráfico de influência envolvendo Israel Guerra, filho de Erenice. Israel e Vinicius são amigos e trabalharam na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na mesma época.
Segundo decidiu igualmente o Presidente, a conduta da Ministra Erenice Guerra será analisada pela Comissão de Ética Pública. Conforme comentário da imprensa, o Presidente Lula teria avaliado que o afastamento de Erenice poderia reforçar os argumentos da oposição e acarretar prejuízos para a campanha presidencial de Dilma.
A propósito do despacho de Lula cometendo o assunto à análise da citada Comissão de Ética Pública, a colunista Dora Kramer fez as seguintes considerações que semelham oportunas e esclarecedoras : “A Comissão de Ética Pública se pauta pelas melhores das intenções. Na prática é uma das maiores inutilidades da República.(...) O último caso remetido para lá foi o do então secretário de Justiça Romeu Tuma Júnior, aquele que cuidava de reprimir a pirataria e era amigo íntimo do rei da pirataria em São Paulo. Ninguém mais ouviu falar do caso. Anteriormente também a comissão cuidou de examinar a conduta do assessor especial Marco Aurélio Garcia. (...) Depois disso (ou foi antes ?) a comissão cuidou do conflito de interesses na dupla jornada de Carlos Lupi na presidência do PDT e no posto de ministro do Trabalho e foi devidamente desmoralizada por ele em público. Por essas e algumas outras já se sabe que o envio (de) qualquer caso para a Comissão de Ética Pública não quer dizer nada. Ou melhor, significa que o governo pretende dar o assunto por encerrado” (meu o grifo).
Quanto ao contrato renovado pela Anac, a despeito do relatório técnico que citava risco de inadimplência e descontinuidade dos serviços de transporte aéreo de carga da Master Top Airlines (MTA), a surpreendente aprovação dessa companhia pela agência reguladora se deveria aos serviços de lobista do filho de Erenice, Israel Guerra.
Dentre as ‘dificuldades’ vencidas pelo lobista, no que tange à MTA, estão a não-comprovação de pagamento da dívida com o INSS, não apresentação de relação dos sócios e da composição societária.
O parecer técnico da Anac indicava, outrossim, alto endividamento da empresa, além de outros dados que podiam apontar para problemas de gestão de custo na empresa.
Não obstante tais advertências, a diretoria da Anac renovou o contrato da companhia, ampliando o prazo de três para dez anos.
Nesse capítulo, existem outras transações que despertam espécie, como a concessão atribuída à RCM Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo Ltda. em licitação junto a Infraero.
Malgrado o ceticismo manifestado pela colunista de O Estado de S.Paulo, afigura-se prematuro, no momento, garantir que a manobra do Presidente Lula – explicações de Erenice, demissão de assessor da Casa Civil, e remessa da questão para a Comissão de Ética Pública – alcance o escopo de neutralizar plenamente a potencial desestabilização da campanha de Dilma Rousseff.
Nos casos anteriores citados – Tuma Jr., Marco Aurélio, Lupi – inexistiam outros interesses maiores que pressionassem pela manutenção à baila da questão envolvida.
Louvando-se, dessarte, na própria argumentação da ex-Ministra Dilma, estamos diante de “um problema de governo”, que dá a impressão aos observadores de ir bastante além, em suas implicações gerais, dos assuntos de índole pessoal de Erenice Guerra e sua família.

(Fontes: O Globo e Estado de S.Paulo)