Antes da eleição de Papa Francisco,
os pontífices não davam entrevistas para a imprensa e muito menos assentiam a
conferências de imprensa.
Francisco traria um novo estilo para
a Igreja, com maior abertura com os fiéis. Abandonou a utilização de 'papa-móveis'
blindados. Como mostrou em uma de suas primeiras visitas ao exterior, na vinda
ao Rio de Janeiro, pôs em polvorosa o pessoal da segurança, que acabou se
acostumando com o seu modelo mais aberto e mais entregue aos desígnios do
Senhor.
Mutatis
mutandis, na simplicidade e no carisma, o modelo pontifício de que mais se
aproxima é o de S. João XXIII. Papa Roncalli mostrou logo ao que vinha ao
escolher o nome do apóstolo João como a sua apelação pontifícia. Se não me
engano, desde a Idade Média, o nome do apóstolo das gentes não era assumido por
um sucessor de Pedro.
Quebrando tabus, o Papa Francisco
acedeu às entrevistas, quando retorna de suas viagens pastorais. Na sua volta
do México, Francisco sugeriu que Donald
Trump 'não é cristão' pela dureza de suas promessas de campanha em deportar
mais imigrantes e forçar o México a pagar por uma muralha ao longo da
fronteira. E acrescentou: "Uma pessoa que pensa somente em construir
muralhas, qualquer que seja a sua localização, e não em construir pontes, não é
cristão".
O Santo Padre também enfrentou a
pergunta se a Igreja deve conceder uma exceção às suas proibições de aborto e
de controle de natalidade, nas regiões em que o vírus zika está causando
emergência na saúde pública, inclusive em grande parte da América Latina
católica.
Ao responder a pergunta, Sua
Santidade distinguiu entre aborto - o qual não é admissível em qualquer caso -
e o controle da natalidade. Neste último caso, ele pareceu mais disposto a
fazer uma exceção, e citou a decisão de Papa Paulo VI nos anos sessenta de
conceder permissão especial a freiras no Congo Belga a usar contraceptivos, por
causa do perigo de estupro na região.
Como se sabe, ao promulgar a
encíclica Humanae Vitae, Papa Montini
resolvera proibir toda forma de controle anticonceptivo, contrariando a maioria
da Comissão que convocara para assessorá-lo. O único método admitido pela Santa
Sé até hoje de prevenir a concepção é
aquele dito natural.
Pouco antes de tomar o avião no
retorno à Roma e à Santa Sé, Papa
Francisco oficiou missa multitudinária na fronteiriça Ciudad Juárez. Primeiro
caminhou até a margem do Rio Grande - enquanto os guardas americanos observavam
do outro lado - para depositar flores em novo monumento dedicado àqueles que
morreram tentando atravessar a fronteira. Em seguida, Francisco celebrou a
missa perante duzentos mil fiéis que ouviram o Santo Padre pedir compaixão para
todos aqueles imigrantes que fogem do caos, da pobreza e da guerra.
Diante das instantes perguntas
sobre Donald Trump, o Sumo Pontífice timbrou em esclarecer a questão, de modo a
evitar mal-entendidos. Perguntado se tentaria influenciar os católicos no seu
voto na eleição presidencial estadunidense, Francisco disse "que ele não
se envolveria nessa questão", mas repetiu a sua crítica de Mr. Trump, com
uma reserva: "Declaro apenas que este homem não é cristão se ele disse coisas
deste jaez. Devemos ver se ele disse
tais coisas desta maneira, e nisso eu dou o benefício da dúvida."
Com grande presteza, Trump
respondeu em comício de campanha em Kiawah Island, na Carolina do Sul.
Discutindo sobre o Estado Islâmico, afirmou o candidato: "o seu objetivo
primário é chegar ao Vaticano". Pouco antes, em suas observações Trump
aduziu: "Eu gosto do Papa".
"Se e quando o Vaticano
for atacado", "o papa só desejaria e rezaria que Donald Trump tivesse
sido eleito presidente."
Questionado sobre os
comentários de Trump de que ele 'é uma
pessoa muito política', Papa Francisco riu: "Graças a Deus que ele disse que eu sou político, porque Aristóteles
definiu a pessoa humana como 'animal politicus". "Assim, pelo menos
eu sou uma pessoa humana. Se por acaso eu sou um peão, bem, talvez, eu não sei.
Deixo isso para seu julgamento e o do povo."
Sua Santidade assinalou que
no mês próximo deverá ser divulgado documento papal sobre a família. Um dos
tópicos em discussão é se católicos divorciados e casados no civil podem
receber a santa comunhão. O papa evitou
dar uma resposta conclusiva. Pressionado, disse que 'todas as portas estão
abertas', mas que a Igreja não pode simplesmente dizer que "daqui em
diante, eles podem participar da comunhão".
Por fim, vieram à tona as
recém-descobertas cartas que revelam relação muito próxima entre o Papa João
Paulo II e Anna-Teresa Tymieniecka, filósofa e autora que colaborou com Papa
Wojtyla. Nesse contexto, Francisco
ponderou que amizade estreita entre um homem e uma mulher "não é um
pecado, é amizade. Uma relação romântica com uma mulher que não é sua esposa -
isto é um pecado. Entende?" Disse, por fim, que os papas são homens, mas
eles carecem de conselhos e amizade de
mulheres. Tais relações não devem suscitar suspeitas. E acrescentou: "O papa, também, tem um
coração que pode manter saudável e santa amizade com uma mulher."
( Fonte: The New York Times. Com algumas modificações, o texto é da edição na web do
jornal estadunidense )
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