Os ônibus cariocas trazem durante a semana homens e
mulheres para o mercado da Zona Sul. Eles vêm em geral da Zona Norte e das
cidades dormitório onde descansa à noite a gente trabalhadora. É longo
percurso, que a caprichosa ocupação humana torna ainda mais comprido, a
despeito dos túneis, dos viadutos e das pontes.
Num arroubo de esperança, o Rio de
Janeiro logrou ganhar a vez para sediar as Olimpíadas. Ao contrário de hoje, em
Olímpia, na Grécia antiga, onde sempre se realizavam os jogos do mundo
helênico, nem as provas atléticas, nem a sua localização mudava. Aos
ganhadores, as coroas de louro que lhes prometiam a austera fama naquele espaço
da Antiguidade.
Trazidas para a modernidade, as
Olimpíadas se repetem também em quadriênios, mas os seus locais mudam sempre, e
hoje viraram eventos mundiais, e que nada têm a ver portanto com a simplicidade
daquela perdida civilização.
O Brasil pensava despertar para a
alegria, a riqueza e o conforto da aldeia global. Assim como temos ótimos
marqueteiros, temos gente muito boa no ramo da publicidade, cujo mérito reside
em apresentar, da melhor maneira possível, a respectiva realidade, de modo a
convencer os delegados olímpicos que se deve ser o pouso da vez da mítica tocha
olímpica.
Em passado ainda não longínquo, a
gente e os governantes brasileiros realizaram milagres, como mudar a capital da
costa para o interior, e levantar uma cidade e a respectiva rede de apoio em
menos de cinco anos.
Não sei se confiados nessa já antiga
proeza, e servidos da respectiva simpatia e capacidade de convencer o
público-alvo, voltou a funcionar o jeito brasileiro e conseguimos conquistar o
direito de trazer para cá a tocha olímpica, e por conseguinte elevar a Cidade
Maravilhosa para as alturas do desafio olímpico, realizando por vez primeira as
Olimpíadas na América do Sul.
O diabo é que hoje não parece mais
estar disponível o material humano em termos de liderança, planejamento e
implementação, dos compromissos assumidos, seja com a própria cidadania, seja
com os demais países que acreditaram tanto na sua veracidade, quanto na
capacidade dos líderes respectivos cumprirem com a palavra assumida. Fala-se aqui de caráter, capacidade, engenho e
vontade.
Aproxima-se a hora da onça beber água, e o
caso seria de perguntar como estamos nós, que fomos tão bons em termos de
promessas e de capacidade de persuasão, quando se logrou ouvir a autoridade
olímpica retirar o cartão com o nome Rio de Janeiro, cercado pelo júbilo dos
delegados brasileiros. Agora, pensaram comovidos alguns, será a vez de o mundo
de Elizabeth Arden curvar-se perante o Brasil.
Mas basta andar pela Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro para que nos demos conta de que há ainda coisas por
fazer e outras que não mais poderão ser feitas.
Com brusca negativa, se pensou
afastar qualquer ilusão sobre o saneamento da Baía de Guanabara. Prometeu-se
mas não se cumpriu. É isso aí !
Também sobre a Lagoa Rodrigo de
Freitas, que será o local de provas de remo, a autoridade descartou a
possibilidade de recuperação. Pelas dimensões desse cenário, custa crer que tal
não se possa ainda realizar. Prometer desse modo e depois afirmar-se
sobranceiro que está fora de cogitação, é um procedimento de cujo caráter ético
não vale sequer a pena discutir.
A autoridade também prometera que
haveria metrô para o parque olímpico. De
uns tempos para cá, o Prefeito mudou de linguagem, e principiou a discorrer
sobre linhas de ônibus para os locais olímpicos. Os chamados corredores de
coletivos, que decerto se há de procurar enfeitar com designações supostamente
mais condizentes com o evento olímpico.
Mas qual será o tipo dos ônibus
a serem utilizados para o transporte do multitudinário público? Suponho que não
seja o daquele utilizado diuturnamente pelos trabalhadores cariocas, homens e
mulheres, que continuam a arrostar um transporte de massa inadequado e
sumamente desconfortável. A viagem dessa boa gente é um sacrifício imposto pela
negligência, misturada com a displicência da autoridade, tanto estadual, quanto
municipal, eis que ela permite que os proprietários dos ônibus, verdadeiras
caixas velhas desconfortáveis ao extremo, que impõem saunas diárias à população
que deles necessita, continuem a ser empregados, com a insolência de quem deve
reputar-se com as costas quentes, para impingir esse tipo de transporte que não
fica muito a dever às carroças de antigamente.
Vamos aproveitar, por
conseguinte, a oportunidade para introduzir de vez os ônibus climatizados, e
não mais essas caixas trepidantes, verdadeiras saunas ambulantes, que os donos
de ônibus, esquecidos das passeatas de junho de 2013, continuam querendo impor
ao público que deles necessita para trabalhar e para voltar para casa. Mas esses longos trajetos que a ocupação
urbana e a conformação do território tornam inevitáveis que sejam ao menos
realizados com o conforto mínimo de cidade que se quer olímpica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário