quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A Retração na China


                                           

        Desde algum tempo as bolsas mundiais seguem o mercado chinês com certa inquietação. Habituadas com a tendência da China a pautar o crescimento da economia mundial, não é sem preocupação que forças contrárias têm sido observadas na segunda economia do planeta.

        Esse relativo encolhimento se tem sinalizado sob muitos aspectos, em fenômeno dissonante a que os observadores do mercado mundial não estavam  habituados. Vista como a locomotiva da economia planetária, com grande influência nas correntes comerciais, quando a condição do mercado chinês já não aparece com o elã de antes, principiam a piscar as lâmpadas indicativas de um problema novo, a que o mercado mundial não está decerto acostumado.

        A gravidade do problema, se intuída, não está ainda definida. Será um processo in fieri, produto de multiplicidade de fatores, que somente no médio prazo poderá ser compreendido na respectiva extensão, inclusive quanto à medida de fatores externos, como o novo governo de Xi Jinping, que pode ser objeto de suspicácias quanto à excessiva intromissão ou mesmo tentativa de manipulação de seu comportamento.

         Exemplo disso - e por certo um primeiro indicador - se terá evidenciado na Bolsa de Xangai, que por força de nervosismo haverá sofrido a ação de fatores que tentariam mascarar a normalidade do próprio funcionamento. Tais intervenções, uma vez manifestas, tendem a desestabilizar a ação do mercado, e a criar muita vez condições que podem trabalhar no sentido inverso das alegadas boas intenções de seus fautores.

        É fato que o ritmo de desenvolvimento da economia chinesa tem sido muito grande e assaz sustentado. Da cadência da indústria de construção, com as suas inúmeras frentes de trabalho, se regalava a exportação de matérias primas, e, por conseguinte, os principais países que, como o Brasil, dela participam (minério de ferro, v.g.).

        Será aquela velha estória de que um resfriado na indústria de construção chinesa provoca males mais graves em seus fornecedores. O Brasil que, através de sua história, continua a repontar como grande exportador de produtos básicos (aqueles de menor valor unitário, e que, portanto, exigem quantidade para suprir qualidade nos ganhos respectivos) pode sentir, por conseguinte, males respiratórios mais sérios.

        Em termos econômicos, enquanto se fale do micro (por exemplo, a recessão pontual na indústria de construção chinesa), não se deve esquecer  que tais fenômenos singulares, podem gerar epifenômenos (diminuição dos operários nela atuantes, por força da retração do setor), o que terá efeitos cumulativos sobre o restante da economia do Império do Meio, assim como daqueles exportadores que dependam desse mercado para crescer economicamente.

          Até há pouco tempo existia grande confiança na capacidade da economia chinesa, a qual sustentada por mercado que não tem paralelo no mundo, parecia ter o céu como limite. Essa confiança, retroalimentada, parecia ter todas as condições de continuar estimulando o crescimento do mercado.

           Será aí, em um ponto determinado, que entra a velha œâñé[1] helênica,  que os deuses infundem nos humanos  para que, possuídos por uma ultra-confiança na infalibilidade de certas situações, criem as condições necessárias para a falência de um determinado sistema, antes havido como infalível. Esse fenômeno é estudado faz muito, e o comportamento dos partícipes na bolha se pauta na confiança extrema de que o ganho será ilimitado. Já no Reino de França, na regência de Filipe d'Orléans, surgira o sistema de Law, um inglês esperto que arruinou muitos franceses.  Mas essas bolhas - de que tivemos no Brasil o famoso encilhamento, a febre do enriquecimento nas ações em um país que não tinha tradição no setor - podem ser, nos piores casos, como as CDOs (collaterized debt obligation)[2] a montagem legal de um embuste, eis que as dívidas hipotecárias, ainda que classificadas AAA pelas nossas mui conhecidas Agências de definição de risco, estavam muito próximas de uma fraude, como a falência do Banco de investimento Lehman Brothers, em 2008, tornaria patente.

         A Bolsa chinesa de Shangai tem dado sinais de certo nervosismo, como se verificou recentemente, através de inusitadas tentativas de correção do mecanismo, que, em fim de contas, poderiam indicar certo amadorismo.

          Por outro lado, em fins de 2015, o Fundo Monetário Internacional elevou o yuan chinês à categoria de moeda de reserva internacional, no mesmo nível que o dólar estadunidense, a libra esterlina, o yen japonês e o euro.  A pergunta que não quer calar é se essa decisão do FMI não terá sido algo precipitada. Como a economia chinesa é a segunda do planeta, e há projeções que apontam a possibilidade da superpotência ser ultrapassada por Beijing no final da década dos vinte, tudo pareceria indicar que a decisão foi acertada. No entanto, como as moedas de reserva estão sujeitas a maiores controles pela entidade financeira internacional, a pergunta que não quer calar é se tal medida não poderia ter aguardado um pouco mais de tempo.

 

( Fontes: The Big Short, de Michael Lewis; The New York Times )

         



[1] húbris.
[2] Obrigação de dívidas colaterizadas.

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