sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O 45º Presidente

                                  

          François Villon, o poeta francês, perguntava-se Où sont les neiges d'antan? (onde estão as neves de outrora?) Seria o velho refrão do saudosismo dos tempos antigos, aqueles que não voltam mais.
          Será que o governo de Donald Trump, cuja surpreendente vitória principiamos a entender melhor, com a senhora ajuda do chefe do FBI, James Comey a respeito de quem tive a oportunidade de traduzir o magistral artigo de David Cole, que disseca tal ajuda. Corresponderá a quê, no futuro, dadas as sombrias perspectivas que suscitam o temperamento do presidente-eleito, seu comportamento no passado, e a impressão que suas confusas idéias passam ao Povo americano e ao mundo?
           Primo, há uma característica americana que provoca compreensível espanto. O sistema eleitoral estadunidense data de  Constituição, do século XVIII, e é por conseguinte indireto.  Em época na qual eram precários os transportes e as comunicações, os constituintes da Filadelfia estabeleceram um processo indireto, em que o colégio eleitoral se formava por uma série de estados, cada um com um peso determinado pelo respectivo número de eleitores. Vencia o candidato que reunisse maior número de delegados, delegados esses que lhe são adjudicados pela soma dos respectivos colégios eleitorais.  Sendo um processo indireto, é possível que o presidente eleito tenha menor número de votos do que o candidato vencido. É um fenômeno raro, mas que pode ocorrer, como se verificou com George W. Bush, em 2000, e com Trump agora (na soma do voto popular, Hillary o supera em cerca de três milhões de sufrágios). Em 2000, como se sabe, quem venceu no voto popular foi Albert Gore, que, de resto, enfrentou outro dissabor, eis que George Bush foi o único presidente americano "eleito" pela Suprema Corte, dada a sentença que interrompeu a recontagem dos votos na Flórida. Como tudo levava a crer que Gore venceria no voto da Flórida (caso levado o cômputo até o final), a 'vitória' de Bush é mais do que questionável, eis que foi eleito por sentença do Supremo...
           Secondo, há na presente eleição três colégios eleitorais (Wisconsin, Michigan e Pennsilvania) de que foi pedida a recontagem dos votos pela candidata do Partido Verde, Jill Stein. Depois de uma sucessão de medidas do Partido Republicano, que procuravam encerrar as ditas recontagens, sobre vários pretextos, sobreveio silêncio na imprensa. O que houve com essas tentativas de determinar o número exato de votos tanto para Trump, quanto para Hillary? Será mesmo que tais intentos não tiveram êxito? De qualquer forma, o silêncio quanto a esses três colégios eleitorais semeia dúvidas.
             Terzo,  a avaliação dos pré-indicados pelo Presidente-eleito provoca  em muitos casos grandes dúvidas quanto ao nivel de seus  preferidos.  A capacidade desses senhores não se afirma, à primeira vista, pela sua excepcionalidade. Em alguns casos, chegam a espantar negativamente. Como o indicado para o órgão encarregado do Meio ambiente, cuja direção é confiada a alguém que nega a existência de problemas no meio-ambiente. Como Trump passa por integrar o grupo dos negacionistas - inclusive contesta o recente acordo de Paris - as inquietudes são mais do que válidas.
                Inclusive, na mídia, já corre uma interpretação que aproxima a equipe  de Trump, da chamada Gilded Age, Idade Dourada, assim chamada por Mark Twain, porque luzia por fora, e era podre por dentro.
                 O que levou a tal comparação - já surgida na imprensa americana - terá sido o número de milionários convidados por Trump para compor o respectivo governo.
                  Tal período da história americana corresponde ao terço final do século dezenove, com as práticas desenvoltas dos grandes capitalistas - não é à toa que surge o termo de robber barons que foi aplicado a muitos deles. Nesse período, em que as regras legais ainda eram bastante fluidas, se formaram grandes fortunas, como as de John D. Rockefeller (petróleo) e Andrew Carnegie (aço).
                   Entretanto a chamada Gilded Age é um período que vem depois da Guerra Civil e da consequente Reconstrução, com grande crescimento econômico,e pela extrema fluidez das regras que a caracterizavam..  Através desse explosivo crescimento, que se espande através de grande implantação ferroviária, a conquista do Oeste, e o confinamento dos 250 mil indígenas nas reservas, os Estados Unidos se afirma como grande potência. Como todo novo rico, o seu comportamento nem sempre será castiço.
                        Também ajudam nessa magna empresa a imigração maciça de que a Ilha Ellis (Ellis Island) constitui o exemplo precípuo, com a passagem de milhões de imigrantes, vindos sobretudo da Europa e das muitas comunidades que se sentiam impelidas a  tentar a fortuna no novo gigante americano, livrando-se dos ambientes cerrados dos Impérios Centrais  (Rússia, Austria-Hungria), em busca de riquezas, algumas para muitos inatingíveis. Essa movimentação de grandes massas de trabalhadores, ou de aspirantes ao trabalho, se via facilitada porque  naquela época e até à Primeira Guerra Mundial, as pessoas não careciam de passaporte para viajar.
                          Assim, a Gilded Age é um período da imaturidade do Capitalismo americano, com grandes fortunas, capitães de empresa e  capitalistas de nomeada.
                           Como comparação com a acessão de Mr Donald Trump ao poder político, ela pode dar indicações significativas, mas que semelham mais alusivas a determinados aspectos desse período de explosivo crescimento, do que à totalidade dessa época.
                            Não se pode esquecer que os Estados Unidos vive sob uma época denominada declínio, que se seguiu à estúpida aventura de George W. Bush contra o Iraque de Saddam Hussein, na sua procura das armas de destruição em massa (weapons of mass destruction - WMD), a que o ambicioso Tony Blair se associou. Foi enorme o custo para a economia americana da tola empresa de George Bush, com prejuízos que excederam os três trilhões e setecentes bilhões de US dollars. Diante desses números fica mais fácil entender os efeitos das loucuras orçamentárias da era Bush, e o que se vê no interior americano como manifestação deste decline (declínio), em fábricas, empresas e armazéns fechados. Nesse sentido, George Packer tem escrito para o New Yorker sobre os efeitos de tal fenômeno.


(Fontes:  The New York Times, The New Yorker, George Packer, verbete sobre Gilded Age na Wikipedia)

(a continuar)   


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