segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Crise entre Irã e Arábia Saudita


                     

        É  bela lenda da História que, com a passagem de ano, se vira a página e tudo tem o recomeço da Esperança. A coisa fica decerto mais complicada se os países - como o Irã e a Arábia Saudita - se pautam por outro calendário, e não estão nem aí para as comemorações do Ocidente do transcurso entre 31 de dezembro e o 1° do ano, que assinalam a feérica comemoração do Ano Novo, com suas rituais esperanças. Para quem já viveu - e a serviço - em terra islãmica, a noite entre 31 e Primeiro de Janeiro é silenciosa e lúgubre, eis que as comemorações espoucam muito longe e só são captadas por quem tenha tevê com ligação por satélite com o circuito de Elizabeth Arden.

       Enfrentam-se no Médio Oriente dois pesos pesados do mundo islâmico. Ryadh, capital da Arábia, é a metrópole do sunismo, o tronco e corrente ortodoxa do islamismo. Por sua vez, Teerã - e máxime no regime dos ayatollahs - reponta como o centro da heterodoxia xiita.

       A sua coexistência nunca foi fácil, e os movimentos políticos se regulam pelas pregações dos mullahs (líderes na oração) nas mesquitas respectivas, jamais esquecendo que o adversário - quando não o inimigo - se encontra nos perenes embates entre o sunnah, de que Meca é a sede, e o Xia, de que o regime iraniano é o principal campeão.

        Compreende-se, assim, as razões imediatas e mediatas dessa nova crise em terras  do Islam (que, com certa ironia, significa submissão). O conservadorismo wahabita da dinastia de Ryadh se choca, amiúde, com a corrente - para eles herética - do Xia, que se origina de um descendente do Profeta que, afastado da sucessão, originou a dissidência na religião muçulmana.

         Dada a importância da mesquita no mundo islâmico, as alianças se formam precipuamente sob a direção do credo respectivo, e por isso as relações políticas são decorrência do fato de seguirem seja o Sunna, seja o Xia.

         A oposição entre Ryadh e Teerã entrou em fase de ebulição com a prisão e posterior execução de um clérigo xiita, Sheikh Nimr al-Nimr, que se assinalava por pregações havidas como subversivas pelo estamento conservador de Ryadh. 

         Com essa escalada, houve protestos de rua em Teerã e posterior invasão da missão diplomática da Arábia Saudita. Diante do desrespeito das normas da Convenção de Viena, que regula as relações diplomáticas e o caráter exterritorial das missões diplomáticas e consulares, não há de surpreender que Ryadh tenha rompido relações diplomáticas com Teerã, como significou o Ministro saudita do Exterior, Adel al-Jubeir.

          A crise diplomática no mundo islâmico terá prováveis consequências sobretudo nas guerras civis na Síria e no Yemen.

        Preocupado com os desenvolvimentos eventuais dessa crise, de sua casa em Idaho, nesse domingo, o Secretário de Estado John Kerry falou com o Ministro do Exterior do Irã,  Mohammed Javad Zarif.

        Tal é um desenvolvimento positivo das longas negociações para o acordo nuclear das principais potências com o Irã, e as boas relações entre os dois ministros. Embora o conteúdo não tenha sido revelado, o telefonema é um claro esforço para que os iranianos não agravem mais  a situação através de retaliações.

         A delicadeza da questão, no entanto, é enorme e as potencialidades de piora nesse difícil relacionamento não podem ser excluídas. Com a intervenção americana no Iraque - um óbvio passo em falso de Washington, sob a inexperiência de George W. Bush - e o surgimento da Primavera Árabe, com vários levantes no mundo islâmico, e a consequente oportunidade de ambas as Partes brincarem com fogo na busca do incremento da própria influência na região.

          Dessarte, as duas potências islâmicas ficaram em lados opostos em várias conflagrações: no Bahrein, sede de base da frota americana, a Arábia Saudita enviou tanques para respaldar a dinastia sunita que está no poder em um país de maioria xiita; na Síria, Teerã tem bancado o ditador alauíta Bashar al-Assad, enquanto Ryadh apóia os rebeldes sunitas (incluída a al-Nusrah, ligada a al-Qaida) que desejam derrubá-lo; e no Yemen, vizinho dos Sauditas, o regime de Ryadh se empenha em guerra aérea contra os rebeldes Houthi, que são xiitas.

            Como acentua o despacho do New York Times, ainda está atravessado na garganta de Teerã o tratamento dado à corrida em massa (stampede) durante a peregrinação sagrada do hajj (que o muçulmano deve cumprir pelo menos uma vez na vida) à kaaba, local santo para todos os islamitas. Em setembro último, quando da vinda em massa dos peregrinos, desagradou à Teerã o tratamento dado pelos guardas de Ryadh, com cerca de 2400 peregrinos mortos, dos quais mais de 450 iranianos.

             A causa imediata da crise foi a execução no sábado último do xeque Nimr, que discursara apelando para a derrubada da família real saudita, e que atuava  como líder espiritual da minoria xiita do Reino. Embora o governo de Teerã não tenha impedido a invasão da Embaixada, e a sua depredação (a força policial só interveio mais tarde), e o Presidente do Irã Hassan Rouhani (abaixo apenas do Aytollah Khamenej) tenha condenado  a execução, mas observou que os ataques contra a missão saudita na capital e o seu consulado em Mashad atingem a reputação do Irã (em termos do respeito devido à exterritorialidade diplomática) : "Não permitimos que grupos de fora-da-lei (rogue) cometam ações ilegais e prejudiquem a santa reputação da República Islâmica do Teerã.

            Provocou consternação nos meios das Nações Unidas a execução do Xeque Nimr e os outros homens (na verdade uma execução em massa) "por juízos que levantam sérias preocupações quanto à natureza das acusações e a objetividade do processo". Por sua vez, a União Européia citou questões similares quanto à "liberdade de expressão e o respeito a direitos básicos, tanto civis, quanto políticos."

 

( Fonte:  The New York Times )

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