quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Corrupção é para ficar ?


                                     
        A crise no Brasil é muito pior de o que a própria imprensa apresenta. Por mais variada que seja, cada caso vira sinalização isolada. A crise, sobretudo a de governo, e na sua relação com a população, surge, então, multifacetada, como se ela fosse monstro de mil caras que tomasse o extremo cuidado de aparecer a cada vez em uma única forma determinada. Cresce o mal-estar circundante, mas povão, sociedade civil e elites que se crêem dirigentes o intuem e quiçá o percebam de diferentes maneiras e nas  formas entre as mais difusas e desconexas. No ar, há uma sensação para alguns esquisita, para outras estranha, invasiva, mas que pelas suas externalidades como que escapa a definições, ou, estranhamente, saiba contornar-lhes as supostas designações ou até seus nomes vulgares, para mergulhar em águas profundas, mas que exalam cheiros fétidos, sabe-se lá da negligência de decênios em termos de saneamento básico, ou quiçá do  fundo lodoso e infecto, que embora formado em tempos ainda mais longínquos, com infinita pachorra e se valendo das muletas do descaso de sempre,  ora venha trazer-nos nos esgares que se abrem pelas ondinhas incessantes o sopro mal-cheiroso do abandono, do desleixo e dessa malemolência que infesta os trópicos e que muitos chamam de negligência, quando na verdade aí se reflete nas águas turvas a desonestidade dos maus administradores da cousa pública, os monturos da ignorância de décadas, e a descomunal indolência que une a várias gerações de gente sem nome e de administradores sem vergonha. Essa fedentina é face  de uma descomunal preguiça de gerações. Aumenta o mal-estar com que a negação não sabe lidar, acabando sempre por torná-lo mais opressivo.

       O cinismo não é a grande porta por que passam os carros de abertura dos desfiles carnavalescos, mas a sanhuda, afrontosa máscara de quem nada mais tem a expressar, senão o riso sardônico e desaforado, com que os biltres de vários estações sociais dissimulam a respectiva nulidade, que por caprichos da sorte lograram se aninhar em mansões, casebres, tocas e esconderijos, que a fortuna lhes arranjou e eles sequer tiveram força de negar ou repelir.

         Nessa terra que dizem abençoada por Deus, o que fizemos com o hall magnífico e as grandes e verdes salas de entrada, que desde os tempos do emboaba Villegaignon tem encantado na caprichosa formação da Natureza o olhar de tantas gerações, nos tempos pachorrentos da navegação à vela, das naus, galeões e caravelas, que com mastros enfunados, adentravam a esplendorosa sala de espera de mãe-natureza.

         Os tempos mudaram. A grande,metafórica mansão de um caprichoso agreste, vestido de florestas, matas, de suados rochedos e de montanhas que os tremores antigos haviam vestido com a pujança de florestas, em que o bicho-homem se apequenava, com fímbrias de tímida construção que mais pareciam, vistos dos velames dos grandes barcos, como frágeis adereços de natureza imponente.

          De longe, no tempo hodierno, o quadro pode continuar belo, mas será aconselhável ao viajante não se aventurar a aproximar-se demasiado das decantadas praias, porque de um lado o chorume que, por vezes, desce das favelas de Niteroi, trará mais olores e piores águas para quem se aventure a nelas mergulhar. Não é de esquecer o caso de alto funcionário do Rio de Janeiro que se lançou nessas obscuras águas. Instâncias superiores lhe lamentaram o gesto, que, a seu dizer, punha em risco a própria saúde.

            Mesmo essa triste situação - que num arroubo alguém prometera sanar - não surgiu em curto espaço de tempo. Há obras magníficas que consumiram anos para deslumbrarem o mundo. E há outras, de diferente espécie, que lograram, com a incúria e a malemolente displicência do carioca hodierno, o feito, deveras surpreendente, mas tristemente deplorável de, pela recusa e solene displicência, logram transformar em águas quase pútridas aquelas que menino ainda se divertia, sob o olhar atento de parentes, cobrir em braçadas alegres e despreocupadas, através das límpidas ondinhas de uma baía ainda magnífica sala de recepção do Rio de Janeiro e entorno. Aqueles que ali cruzavam, em nados e mergulhos, as águas claras, por vezes azuis, por vezes esmeralda, não sabiam que se lhes preparava - mas sobretudo a seus pósteros - uma grande surpresa, que viria vestida com os trapos de águas turvas, que não mais brilham com o antigo fulgor sob o sol novo.

               E viva o progresso!

PS.          Dona Dilma está quicando de raiva contra o seu Ministro Marcelo Castro que, além da suposta gafe de que o Brasil está perdendo a guerra contra o Aedes Aegypti, vetor do virus zika,da dengue e da tal chicungunha,  sendo da safra peemedebista do líder Leonardo Picciani, acumularia ratas.

                Peço vênia para discordar do colunista global, quanto ao ponto a ser corrigido.  É verdade que o ministério de Dilma não poderia ir contra a sua criadora, em termos de visão e capacidade. Mas o ministro em causa apontou um problema que pode ser também grave politicamente. Se os casos de microcefalia já passam de quatro mil e se a situação dos hospitais públicos beira o caos - não havendo de resto nenhum sinal de recuperação neste sentido,  é muito provável que a tal preocupação europeia continue a crescer.

                 Nessa atmosfera de falta de verbas e de desgoverno generalizado, se o Brasil tem ambições olímpicas,  é indispensável uma resposta à altura  desse desafio. Como nos ensina Arnold Toynbee, o desafio a uma civilização determinada, se não enfrentado com êxito, pode conduzir às piores consequências.

                 Por outro lado, como fez e disse Breno - o chefe gaulês que interrompeu, por curto mas nefasto período, o avanço da jovem Roma, ao ser questionado por algum patrício romano da Justiça da reparação que exigia - ao lançar a própria espada na balança levantada para colher os tributos devidos pelos vencidos, a que acompanhou com o grito célebre Vae Victis (Ai dos Vencidos!)  

                 Não sei se o Ministro Marcelo Castro disse algo impróprio, mas é oportuno ter presente que não se pode esquecer o desafio presente, que é o de dar a impressão de que o Brasil e o Rio de Janeiro estão em condições de dominar tal repto.  Porque se a situação sair fora de controle, o resultado dela é tristemente previsível.

                  Como diziam os nossos antepassados, quem não tem competência, não se estabelece.

 

( Fontes: Brasil: Corrupção & Burocracia, A.J. Toynbee, História de Roma,  O  Globo )

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