domingo, 3 de janeiro de 2016

Colcha de Retalhos D 1

             

A África do Norte e o Jihad

 
               Cresce e se intensifica a cooperação entre os movimentos jihadistas no Norte da África. Nesse sentido, o general David M. Rodriguez, que está à frente do Comando estadunidense para a África, advertiu em declaração para o Congresso em março último da "existência de uma larga rede, cuja coesão aumenta com afiliados e aderentes do Al Qaida" que "continua a valer-se de regiões africanas subgovernadas e de fronteiras porosas para treinamento e condução de ataques".

               Meses antes do ataque de 20 de novembro último, contra o Hotel Radisson Blu, que matou, pelo menos,  19 pessoas, em Bamako, na Capital do Mali, já se alertara sobre a atividade de "terroristas com filiações  a múltiplos grupos" que "estão expandindo a sua colaboração tanto no recrutamento e financiamento, quanto em treinamento e operações, seja dentro da África, seja de forma transregional".

               Tal transferência de conhecimentos técnicos pode ser observada no aumento dos bombardeiros suicidas (ou homens/mulheres bomba) na Líbia, Tunísia e Chade, e no incrementado emprego dos i.e.d.s  (artifícios improvisados explosivos) no Mali, que, como se sabe, surgiram na segunda fase da guerra do Iraque, com o emprego intensivo desses mortíferos artefatos pelos rebeldes islamitas contra o Exército americano (cujos veículos não dispunham então de blindagem adequada). Para o Pentágono a guerra seria breve.

                Há varias formas e modalidades nessas alianças de circunstância, em que os grupos mudam de forma, e por vezes se unem, ficando sob a asa  de chefes mais poderosos e distantes.

                 Nesse contexto, verificou-se a reunião - depois de cisma bastante difundido - entre os grupos norte-africanos do Al Qaeda e do Al-Mourabitoun.  Esses grupos atuam no Magreb, i.e.  o Norte da África, incluindo Marrocos, Argélia e Tunísia. A sua primeira anunciada operação foi a já citada do Hotel Bamako.

                Os chefes dos dois grupos - Abdelmalek Droukdel e Mokhtar Belmokhtar, ambos argelinos -  segundo assinala a matéria do New York Times têm lealdades que se estenderiam além da África.

                Como se sabe, a sublevação de grupos radicais islâmicos na Argélia, começara nos anos finais do século passado, e como os recentes ataques contra refinarias no Saara o demonstram, continuam bastante vivos e com extensa rede de alianças.

                Também na Tunísia, os ataques contra estrangeiros e turistas continuam. O líder do Ansar al-Shariah, Seifallah Ben Hassine, seria responsável pelo massacre de 38 pessoas (turistas na maioria) em centro praieiro turístico em junho último, e do ataque ao Museu Bardo em Túnis, em março último, com a morte de outras vinte e duas pessoas.

                 Os dois argelinos e o tunisiano são veteranos do Afeganistão nos anos oitenta, durante os quais no combate ao invasor russo se realizou o macabro treinamento de tais futuros terroristas - como aqueles que voltaram para a Argélia e estabeleceram rede de extermínio sobretudo no interior desse vasto país norte-africano.

                  Os três homens, antes leais a Osama bin Laden, mantêm a sua professa lealdade para o presente líder do Al-Qaida, Ayman al-Zawahri, que tem igualmente  base no Paquistão, como o seu antecessor que foi morto pelos comandos da Marinha americana.

                  Como se verifica, parte não-negligenciável da atividade terrorista desses grupos é de atacar o turismo - sobretudo na Tunísia - e os museus de nomeada, como o Bardo, em Túnis. O escopo precípuo de tais investidas contra turistas nas praias da Tunísia - na Argélia, não há praias turísticas - assim como contra entidades culturais tem a fria objetividade de quem deseja abalar  bases e rendas desse país magrebino, o que deu início com o auto-sacrifício de um vendedor ambulante à revolução da Primavera Árabe, que tirou de seus pedestais os ditadores da Tunísia, da Líbia e do Egito.

                   A Primavera Árabe - que desencadearia também a insurreição e posteriormente a guerra contra Bashar al-Assad, na Síria - se é apresentada como movimento malogrado, dada a força de seu simbolismo se me afigura mais uma extensa vaga que tem derrubado ou enfraquecido vários ditadores. No entanto, só um tolo poderia imaginar que terras, como a argelina, submetidas há longos anos à aliança entre as forças armadas e a corrupção, poderiam ser presa fácil para as legiões libertárias. São vagas imensas essas que percorrem o Magreb, a África Subsaárica e a dita Arábia felix. A democracia virá mas, infelizmente, ela não se implanta sem muito sangue e luta, e não só contra os ditadores de plantão, mas tambem contra roubocratas que infestam a África negra.

                   Droukdel, cujo bando foi desbaratado no Mali em 2013, está escondido nas montanhas do  desértico sul da Argélia. Por sua vez, Belmokhtar e ben Hassine estão homiziados na Líbia - que, nos dias que correm, infelizmente é viveiro de terroristas e de chefes de facções armadas, defronte de um governo impotente e ineficaz (forte candidato a estado-fracassado).

                   A França mantém na África negra laços de cooperação com cinco paises vulneráveis  - Mauritânia, Mali, Níger, Burkina Faso e Chade. Se foi cortado o laço colonial, persiste a presença das forças francesas como barreira contra a subversão dos grupos guerrilheiros islâmicos.  É um esforço ponderável do Estado francês, haja vista os ataques sofridos por outros grupos, como a operação do Bataclã.  Nessa área do Sahel e do próprio Saara, a presença francesa se traduz em caminhões de 30 toneladas, com suprimentos de combustível e alimentos, acompanhados por veículos blindados com canhões de 80 mm e um caminhão médico.

                     A presença do Ocidente não se restringe apenas à França.  As Forças de Operações Especiais estadunidenses atuam no Níger, bem como agora nos Camarões (batalhão com trezentos homens) para defender o regime legal contra o Boko Haram, que se infiltrou no país vindo da Nigéria.

                     O trabalho principal do Ocidente é o de quebrar as comunicações e as linhas de fornecimento do contrabando e do terrorismo, que provêm da Líbia, a qual virou, após a queda do ditador Kadafi uma espécie de entreposto  terrorista.

                     Tampouco é por acaso que o exército francês patrulhe essas linhas de comunicação dos jihadistas com a Líbia.  A rota do contrabando de armas e droga vem do sul da Líbia, que as forças francesas consideram como enorme 'autoestrada' (os gauleses gostam muito de sua rede de autoestradas) para abastecer-se nesse 'super-mercado' para armas.

                 Esta estrada atravessa regiões que testam a capacidade humana de sobrevivência. São áreas desérticas remotas e sem qualquer vestígio de implantação humana, com insuportável calor no verão e despojadas de poços e quaisquer cursos d'água, em ambiente lunar, excetuada a insuportável canícula. E, sem embargo de tais obstáculos, pequenos grupos de contrabandistas  tentam atravessá-los várias vezes por semana.

                 Essa operação anti-contrabando e de busca e apreensão, se assemelha segundo o próprio comandante,  o ten.cel. Étienne du Peyroux, a missão no oceano. A área de operações é de quarenta mil km2, do tamanho da Holanda, para os trezentos homens da dita missão.

                Outras comparações que vem à mente são as das forças da Legião Estrangeira, que atravessava os imensos espaços do Saara, nos seus vários avatares - seja o rochoso, seja o arenoso.

                Malgrado os esforços, os militares franceses raramente logram apreender um comboio contrabandista.  No entanto, as suas operações provocam graves transtornos nos movimentos dos jihadistas (a última apreensão foi em junho de 2015).

                 As possibilidades de êxito são muito fracas. O chamado terrorismo tem crescido na África e muito por causa da corrupção generalizada dos regimes, e do caos relativo produzido por tais condições, que, no entendimento do coordenador do comitê que monitora a atuação da Al-Qaida "levam sempre ao terrorismo".

                 O que mais preocupa é a atração que tais condições fornecem à vinda de combatentes terroristas estrangeiros, sempre com a marca da Al Qaida. O Norte Africano e o Sahel é área com a extensão dos Estados Unidos. A sua vulnerabilidade é evidente, fundada na pobreza das populações, nos estados fracos, em que prevalecem as eleições trucadas. A base da propaganda está pré-feita, dada a sua enorme vulnerabilidade, a indigência de grande parte da população  (que a torna campo fértil para a pregação islamista).

                   A corrupção abrangente, as eleições trucadas apontam para a extensão da presença da al-Qaida e as crescentes possibilidades de formação de Estados islâmicos.

                   O Boko-Haram é um gritante exemplo disso. A insurgência dura há seis anos, matou dezessete mil pessoas e deslocou mais de um milhão.  No entanto, o Boko-Haram e seu líder, Abubakar Shekau, receberam substancial aporte do Al-Qaida a partir de 2010, e se reforçou em consequência. Sob tal influência, o  Boko-Haram, em 2015, aderiu à fórmula do Estado  Islâmico.  Desde o ano passado, ele se estende ao Chad, Camarões e Niger.

                    O compromisso francês - que se comparado a outros países é muito maior, se atendidas as bases respectivas de recrutamento - tem levado suas forças também ao norte, de onde contemplam o imenso espaço arenoso que separa tais frágeis países ao presente entreposto do terrorismo islâmico, i.e., a Líbia.  A raiz do problema estaria em boa parte nesse desértico e igualmente imenso  país, hoje transformado em  quase terra de ninguém, dominada pelos grupos que derrubaram Kaddafi e implantaram o chamado caos, que muito tem favorecido o desenvolvimento de laços humanos com o continente europeu (a ver a perigosa travessia do Mediterrâneo em barcos disfuncionais, que muito rendem para os traficantes dessa carne humana).

                       A pobreza, miséria e consequente ignorância são as parteiras da corrupção e não só em África. Há muitos países envolvidos na criação de rede de sustentação militar desses estados em torno do Sahel, em que a praga da corrupção se alarga. Em seu entorno - que é gigantesco, como o referido artigo apenas esboça - progridem de forma mais do que preocupante a al-Qaida e as suas concorrentes (como o novo bicho na floresta, o ISIS), que em muitos casos se multiplicam como se fossem verdadeiras franquias da receita islamista. A África negra, com o al-Shabab sediado em uma Somália que vive bem-obrigada como Estado fracassado (desde a última década do século vinte), trazendo para a pós-modernidade o constrangedor desafio de um núcleo da pirataria, modelo de governança que já atazanava os cônsules romanos do final da República, com os conhecidos piratas da Cilícia...

                       Ao ver a corrupção em África, com os seus laços envolventes - que são encontradiços, oh! surpresa, com visitas de dignitários de diversos países, inclusive de Pindorama - e em certas estranhas práticas, como o perdão de empréstimos tomados pelos gerarcas africanos até mesmo no dílmico Brasil (com o nosso questionável perdão de divida de ditador corrupto africano) não serve só de contraponto a essa luta ingente contra a invasão da África subsaárica pelas franquias do mal.

                       Deveria também forçar uma luta mais pontual e incisiva contra a corrupção e os desmandos (V. o presidente do Sudão, que escapa regularmente do encontro com o Tribunal Penal Internacional, graças às conivências de tantos outros governantes africanos) e não apenas essas heróicas expedições de militares ocidentais, que intentam secar esse imenso e pútrido lago da corrupção.

                        Seria mais fácil de acreditar no real empenho do Ocidente em desmantelar essas franquias do mal, se a corrupção institucional - de que Mobutu seria a entidade protetora, dados os seus íntimos laços com o mesmo Ocidente - fosse atacada com real firmeza pelos demais países. Não ignoro que há muitas quintas-coluna (como antigamente se dizia) nesta força do bem.

                        Com menos hipocrisia e mais firmeza, se daria apoio muito mais forte à ingente luta contra as forças bem-intencionadas, mas com objetivos malignos, ao invés de recorrer a essas patéticas expedições de dedicados militares a cruzarem um dos espaços mais inóspitos do planeta Terra.

                        E não é que com um pequeno passo se encetaria o comovente embate entre o Bem e o Mal?  Continuar-se-á a lutar contra sombras, como dizem ser prática em Java, enquanto se continua a sangrar o continente africano (entre outros)? E como fazer definhar as franquias do Mal, com as suas leis de talião e respectiva hipocrisia, se não começamos a escorraçá-los de suas bases. Principiemos a brincadeira mandando para a Haia no TPI os bandidos com altos coturnos. Depois se pensa nos outros, enquanto a raia miúda pode afinal respirar e viver como gente.

 

A Crise no Cofre carioca

 

                        A Terra da Cuccagna (a mítica paragem em que tudo está à disposição de todos) não existe só na imaginação italiana.

                         O nosso governador Pezão terá pensado que o petróleo poderia continuar a representar a fonte paratributária especial para o Rio de Janeiro. O pobre Sérgio Cabral muito sofreu com as invasões de privacidade e saíu do poder com certa antecipação, acossado talvez pelas armadas das passeatas (geradas por outras, em junho de 2013). Soaram então os primeiros epicédios pela morte prematura do regime petista. Nesse sentido, muitos dos gerarcas do petismo agem como aqueles corpos que andam, pensando estar numa realidade, quando na verdade as coisas mudaram, com prisões e visitas da P.F. com lanterna na cara). Não sei se trocar idéias com lábios protegidos por dedos solícitos - como parece ser o hábito das duas maiores divindades do pavilhão que aqui se instalou desde 2003 - não traduziria um defeito horrível de comunicação, ou melhor de falta de.

                       Mas voltemos ao governador Pezão, que de chapéu estendido corre de Seca em Meca, à cata de créditos salvadores. Dona Dilma até que ajudaria, mas a sua situação é penosa mesmo, e, em consequência, milagres não podem ser feitos. Outras colunistas ora se lembram de que seria melhor fazer fundos de contingência. Mas desde Pindorama que vivemos assim, com falta de planejamento e poupança, debaixo do letreiro "Deus proverá".

                        O que me intriga é que não será de hoje que despencou a cotação do barril de petróleo. Baltazar se assustou quando viu na parede de o que seria a derradeira orgia, o aviso da chegada do cobrador-assírio pela manhã.

                         Já dizia o frade medieval Roger Bacon - no tempo em que toda a Europa era católica - que "conhecimento é poder".

                         É estranho que saber já disponível nas trevas da Idade Média - quando a energia era braçal ou animal, e a luz, a trêmula flama da branca vela - tenha sido descurado.

                         Recordo-me das estórias que enaltecem a formiga e denigrem a cigarra. Mas como se vêem muito mais estas do que aquelas por essas bandas, o que se há de fazer  dentre os parâmetros bastante flácidos das previsões, que se acreditam até da lavra desse inseto voador e zoeiro tão adaptado ao ethos do carioca?

 
( Fontes:  The New York Times; O  Globo ) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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