Às velhas gralhas as novidades não costumam cair bem. Por acreditarem terem visto já muitas coisas, desconfiam de tudo que é novo. Se a mudança é demasiado grande, recalcitram em reconhecê-la. Ou então se julgam no direito de cobrar dos jovens governantes, porque tardaram tanto em fazê-lo, naquele argumento típico da fábula de La Fontaine, se não foi seu pai, foi seu avô !
São posições ou conservadoras, ou reacionárias, e sempre as existirão, disfarçadas nas severidade de Aristarco, ou então nas casmurrices de uns poucos, que por se demorarem há muito nos seus postos, tudo acreditam saberem. A sua ojeriza às coisas novas e às transformações, a fundamentam com passadas memórias. A alegria da conquista lhes é estranha, pois só se lembram dos percalços e das antigas, desvanecidas ilusões.
Porque os anos lhes pesam, desconfiam dos sucessores e do que fazem. A senectude é para eles grilhão que os impede de ir além, quiçá ver de mais perto, e dar uma oportunidade à esperança. Cansaram-se da sua penosa falta por tanto tempo. E por causa disso, aferram-se aos próprios conceitos, e do alto de seus poleiros, os querem impingir aos demais, como se fosse dever dos que chegaram depois conformar-se aos caprichos dos que, ou já passaram, ou temem ter de aceitar em breve a companhia do lúgubre barqueiro.
Não que a opinião do conservador deva ser objeto de menosprezo. O próprio Camões, o bardo da língua, julgou adequada dar uma tribuna ao Velho do Restelo, ao ensejo da partida dos que elevariam, por feitos e façanhas impensáveis, a pequena nação debruçada sobre o Atlântico.
Mas, pedindo a licença de uso, voltemos ao tempo presente. Só os tolos e os idiotas da objetividade – na palavra de Nelson Rodrigues – se recusam a ver qualidade na coisa nova.
Porque, quer queiram ou não, a tomada da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão são fatos inéditos em crônica habituada às incursões, a que se seguia a retirada. Nunca se desfecharam contra o tráfico golpes tão vastos e abrangentes. Ao deparar o amontoado de pertences roubados a par do luxo das residências dos cabecilhas do tráfico, juntados e construídos na aparente certeza da respectiva perenidade, é importante o minuto de reflexão.
O Brasil, país soberano, deixara por excessivo tempo que convivessem nas barbas de seus governantes feudos em que impera outra lei que a promulgada por parlamentares eleitos, e aplicada pelo corpo judiciário.
Haverá lacunas e imperfeições na conquista ontem realizada. Que inovações e revoluções não trazem no bojo defeitos e mesmo vícios da ordem precedente? Devemos vê-las como o processo que são, e não a realidade acabada e perfeita que reclamam os seus eventuais desafetos.
Sejamos generosos e dispostos a conviver com a justa alegria da comunidade espezinhada e reprimida pelos ditames mesquinhos e cruéis dos que se acreditaram eternos enquanto durasse o exercício de mando tão sanhudo quanto brutal.
A comemoração, no entanto, se a realizamos com o júbilo do grande passo realizado, não nos olvidemos de que se trata de batalha ganha, em guerra que ainda não acena terminar.
Se não nos amofinamos em estultos resmungos e caturrices, tampouco será hora de esquecer que há muito por fazer.
Basta contemplar a descoberta carga armazenada, em quantitades jamais antes lobrigadas, de masconha e cocaína. Esse material sinistro, que, entre outras misérias, produz a da dependência, não se agregou aí por acaso. O triunfo de ontem, aniquilando o poder localizado do tráfico, levantou-nos a cortina, para mostrar a amplitude não só dos meios de corrupção e abastardamento físico do tráfico, mas também a incômoda circunstância de que essa pletora existe por exigência de um mercado de consumo que demora nas áreas mais bem providas da cidade partida.
Por isso a vitória não pode ser transmutada nos festejos do fim de uma guerra.
Pois ela está apenas começando.
Só diferimos das gralhas na nossa disposição de acreditar e acreditar sempre, quando entrevemos a chispa do novo e bom propósito, na sua possibilidade de realizar o que deveria ser anseio de todos.
Já disse alguém hoje menos citado que a jornada das mil milhas principia com um passo. É na importância deste símbolo quase pueril que reside o segredo da colimada superação.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
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