quarta-feira, 10 de novembro de 2010

(Des)aparelhando o Estado

De situações na aparência pouco propícias ou mesmo hostis se pode, por vezes, colher a súbita compreensão de problema preexistente. É o chamado insight de que nos fala a psicologia.
Examinem-se, por exemplo, o último escândalo do Enem e um rosario de declarações que mais têm a ver com a desonestidade intelectual do que algum propósito de esmiuçar o desafio e de eventualmente superá-lo.
Análise superficial dos comentários do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando confrontado com questões delicadas, nas quais a própria posição esteja fragilizada, assinala que a sua resposta se norteia pela negação ou, quando isso não se afigura possível, pela banalização do problema.
Há um óbvio traço de cinismo em tais atitudes, eis que Lula se recusa a sequer admitir a realidade objetiva, cuja existência não é contestada pela sociedade.
Da alternativa ou solução ‘b’ , Sua Excelência vulgariza o alegado delito, quando, por exemplo, referindo-se ao mensalão, que explicou como se fora um caixa-dois, que todos fazem. Ou então quando acusa a sociedade de hipocrisia, por recusar-se a contextualizar transgressões no Legislativo, eis que sempre foi assim.
Já em problemas mais complexos, ou em que a responsabilidade seja do Governo, seja do próprio partido, Lula tende a optar pela negação frontal e principista. Não importa que o faça através de argumentos sinuosos ou de refutação simples, brutal, de cara lavada. O objetivo será sempre um só: nada admitir, nada reconhecer, mesmo que a sua laboriosa construção imaginária faça água por todos os lados.
A postura o acompanha por toda parte, quer em palanques – quem viu esse tal de sigilo ? - , quer em Moçambique, ou partindo para o ataque (seguindo a máxima de que é a melhor defesa) : “O que houve é que um jornal de Pernambuco, um jornalista, tentou fazer para demonstrar uma fraude ou uma fragilidade do sistema”. Ou então, para a negativa frontal, aliada à tese conspiratória: “Até hoje tem gente que não se conforma com o Enem. Mas, de qualquer forma, ele provou que é extraordinariamente bem-sucedido.”
Por sua vez, o Ministro Fernando Haddad, na sua forma mais articulada, em entrevista à imprensa, procurou minimizar as falhas no Enem 2010. No entanto, diante do ‘problema menor’, teve o bom senso de não acompanhar o Presidente para a inauguração da primeira Universidade Aberta do Brasil no exterior. Ficou em Brasília para tentar solucionar os problemas do exame.
Pedindo licença ao Ministro Haddad, que faz parte dos melhores quadros do Partido dos Trabalhadores, é hora de nos reportarmos à nossa premissa.
Não é segredo que o PT, nos dois mandatos de Lula, dentre as suas políticas básicas obedeceu ao imperativo de aparelhar o Estado. E com o quê ? Com sucessivas levas de seus apparatchiks. Com isso, dois objetivos são preenchidos: primo, proporcionar aos companheiros um emprego; secondo, alcançar esse escopo seja através das carreiras de Estado, nas empresas estatais ou em outras posições mais modestas, para os seus clientes menos promissores. Tudo de acordo com o sacro princípio de transferir para o Estado – ou em outras palavras para o contribuinte – o sustento dos dedicados companheiros, que a máquina petista não poderia sustentar pelos seus próprios meios.
Este programa petista implica, além da exitosa infiltração em todos os níveis da burocracia, em segunda consequência de resultados não tão promissores. Reporto-me à inchação do Estado, seja nos ministérios, seja nas agências reguladoras (agora controladas pelo partido), seja nas empresas estatais (em que a preocupação com a eficiência e o lucro não se afigura tão obsessiva quanto nas companhias privadas).
Sem falar por ora de outros efeitos – de que tratarei abaixo – essa engorda forçada do Estado sobrecarrega as contas da Viúva. Com o aumento dos encargos correntes, e o seu caráter menos manejável, decorre igualmente a menor disponibilidade, malgrado a pletora de tributos e de taxas, de o Estado gerenciar o futuro, vale dizer, dispor de fundos fiscais – e não fictícios ou gravosos, como as bem-amadas capitalizações – para investir substancialmente, seja em infraestrutura, seja em ciência e tecnologia, etc., dentro da ótica do desenvolvimento de nossa economia.
Conforme anunciado, a inchação do Estado, em que a quantidade sobreleva a qualidade, ela se reflete em múltiplos aspectos. Para citar no caso em tela o mais relevante, na baixa qualidade de muitos companheiros, e na consequente debilidade dos serviços da máquina estatal.
Como estamos a deparar nas repetidas e constrangedoras falhas nos mecanismos estatais encarregados da aplicação de exame tão importante para a nossa juventude, vale dizer, o ENEM que até hoje não decolou na confiança de seus usuários, v.g., o estudante secundarista . Por quanto tempo o estudo e o empenho dos jovens será desmerecido pela incompetência alheia ?

( Fonte: O Globo )

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