Em atitude que mostra sua coragem política, o Presidente Barack Obama não se escondeu da imprensa, arrostando coletiva na Casa Branca no dia seguinte ao malogro eleitoral do Partido Democrata.
Sério e reflexivo, mas não contrito, o Presidente definiu a experiência como ‘humbling’. O Globo cometeu um erro ao traduzir para o português na sua manchete “Obama se diz humilhado”. O verbo ‘humble’ não tem aqui o sentido forte de ‘humilhar’, mas sim ‘fazer cair em si’, ‘abaixar o próprio orgulho (ou arrogância)’, ‘tornar modesto’. Obama já usara o mesmo verbo quando recebeu o Prêmio Nobel.
O Presidente, se não eludiu o caráter negativo dos resultados, também atribuíu a vitória do G.O.P. à frustração do público diante da lenta recuperação econômicado país. Nesse sentido, enfatizou a necessidade de oposição e situação encontrarem terreno comum, de modo a progredirem com relação a desafios que apresentam enorme dificuldade. A esse propósito, citou energia e educação como duas áreas em que há convergência.
O Presidente, no entanto, não foi apologético: “Estabilizamos a economia, logramos aumento do emprego nos setores privados, porém tais progressos não foram sentidos pelo povo americano”.
Quanto às perspectivas de acordos bipartidários, dependerá da habilidade política de parte a parte. Animados pela vitória na Câmara de Representantes, onde terão confortável maioria, os republicanos não deveriam esquecer dois fatos objetivos: os democratas são o partido majoritário no Senado, com pelo menos 53 senadores, e o G.O.P., ao dominar a Câmara, não pode cair no obstrucionismo anterior, quando era minoria. Se se recusarem a ver o resultado como delegação do eleitorado para que trabalhem juntos com a administração Obama em prol do bem público, correm o risco de sofrer a mesma sorte dos republicanos de Newt Gingrich, quando tentaram forçar o bloqueio do funcionamento do Estado (fechando as contas públicas).
Os dois líderes republicanos – seja o futuro Speaker John A. Boehner, seja o líder da minoria no Senado Mitch McConnell – não primaram até agora por grande propensão ao diálogo interpartidário. Apesar de falar em bipartidarismo após o triunfo, a sua proposta de repelir a Lei da Reforma Geral da Saúde pode ser indicativa da própria húbris se decerto não contribuirá para criar clima propício ao diálogo.
Tampouco no seu entusiasmo com a amplitude dos ganhos na Câmara – com sessenta cadeiras superior à reviravolta de 1994, de 52 novos deputados, mas inferior à de 1948 – Mitch McConnell não indicou qualquer disposição à transigência: “Estamos resolutos em barrar a agenda que os americanos rejeitaram. Trabalharemos com o governo quando eles concordarem com o povo, e os confrontaremos quando eles se negarem a fazê-lo”.
Se se deve dar um certo desconto a assertivas feitas no calor de inúmeros êxitos conseguidos pelos republicanos na eleição para o Senado – pelo menos seis democratas em funções foram apeados -, Mitch McConnell não dera sinais de qualquer tendência à composição política na legislatura anterior.
Não há praticamente mais moderados no G.O.P. Na sua linha direitista e inflexível, com os evangélicos em maioria no partido, todos parecem armados de grandes, inabaláveis certezas. Imbuídos de tal disposição semelham ver no outro lado mais o inimigo a ser reduzido do que o político e eventual adversário, com quem se possa conversar para montar entendimentos. A atmosfera reinante, infelizmente, torna antiquada uma busca de denominador comum no interesse nacional. Não é um objetivo provável, suscetível de ser visualizado a curto prazo.
Não obstante o que precede, a chamada censura do eleitorado ao Governo Obama não constituíu um movimento unívoco.
No maior estado americano, a Califórnia, que se debate em enorme crise fiscal, as urnas escarmentaram... os republicanos. Assim, o governador Arnold Schwarzenegger, que legalmente não poderia reeleger-se, trata de voltar ao cinema. Para o seu lugar foi eleito o democrata Jerry Brown, um antigo governador, com família de grande tradição política no estado. E a sua vitória teve ainda mais realce, pela disparidade de fundos de campanha, os quais, no entanto, de pouco serviram para o opositor republicano.
Também ao contrário de inúmeros colegas democratas no Senado, Barbara Boxer logrou vencer a republicana e empresária Carly Fiorina, para mais uma reeleição. Por fim, malgrado a furiosa tentativa do G.O.P. de derrubar Nancy Pelosi, a Speaker da Câmara manteve com facilidade o seu distrito de San Francisco.
No Senado, além das vitórias democratas em Nevada, de Harry Reid, o líder da maioria democrata, em Delaware (antigo posto do vice-presidente Joe Biden), em Connecticut e na Virgínia Ocidental, houve derrotas importantes, como a sofrida pelo Senador progressista Russell Feingold (em Wisconsin). Na onda de votar contra o governo, o eleitorado não raro penaliza representantes de grande capacidade e brilho, como Feingold, em favor de inconspícuos adversários.
Quanto a governos estaduais, os republicanos ganharam oito e os democratas perderam pelo menos nove, inclusive no importante estado de Ohio. As vantagens republicanas também em assembleias estaduais pressagiam dificuldades para os democratas, eis que no próximo ano estarão incumbidas de refazer os distritos eleitorais.
Por fim, no capítulo dos referendos estaduais, a causa ambiental registrou sucesso relevante. Os californianos rejeitaram medida para suspender os limites impostos à emissão de gases de efeito estufa, enquanto a economia estivesse em crise. Financiada substancialmente por companhias petrolíferas de fora do estado, a campanha pela proposição oportunista almejava instrumentalizar as queixas dos eleitores com a situação econômica, de modo a fazer regredir a legislação ambiental aprovada em 2006, que determina ao estado a redução em quinze por cento até 2020 de suas emissões.
Igualmente vetada pela Califórnia a liberalização da maconha para fins recreativos. Por sua vez, o uso medicinal da maconha foi autorizado em uma dúzia de estados (a Dakota do Sul foi a exceção).
Os estados de Arizona e Oklahoma aprovaram medidas que impedem a implementação da legislação federal sobre o Plano de Saúde. O Colorado rejeitou disposição similar. Arizona também terminou com programas de ação afirmativa: mais de sessenta por cento do eleitorado deste estado aprovou medida que proíbe tratamento preferencial baseado em raça, sexo, cor, e origem étnica e nacional.
( Fonte: International Herald Tribune )
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
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