Enquanto em todo o Brasil o frenesi eleitoral empurrava as demais notícias para as páginas internas dos jornais, certos fenômenos, na milenar indiferença de mãe natureza, continuaram em sua inexorável progressão.
Há bastante tempo, os conhecedores da matéria estão cientes do futuro mediato de vastas regiões daquela imensa área que Alexander von Humboldt, em tempos idos, denominou a hileia amazônica.
Podem até os responsáveis, em comportamento reminiscente dos comunicados do OKW[1], quando mudaram os ventos na guerra contra a Rússia soviética, tentar mascarar a realidade, como se a linguagem pudesse interferir com a realidade objetiva. Essa sédula atitude de pôr debaixo do tapete desagradáveis perspectivas não terá decerto qualquer efeito concreto em sustá-las ou revertê-las. Faz parte na verdade daquela postura faz-de-conta de avestruz que também há muito norteia governo e segmentos da população dita amazônida.
O prisma alegadamente positivo no que concerne ao desmatamento se reflete desde logo na maneira em que é apresentado. Dessarte, ao invés de comunicar a sua incidência, procura-se vestir um dado negativo – a extensão da área em que a floresta foi abatida – por um outro, em que se apresenta aspecto alegadamente positivo, i.e., o montante em que o desmate foi reduzido.
Em outras palavras, se dá conotação quase alvissareira à destruição do meio ambiente amazônico. Ao apegar-se a uma fímbria de luz – o quanto da mata teria escapado da sanha das queimadas e dos cortes selvagens – se estará talvez obedecendo a espertos ditames de relações públicas, mas, a exemplo das táticas acima, tampouco se confronta a real situação e se informa sobre o que a devastação das madeireiras e dos grileiros terá avançado.
Esta visão encabulada do desafio contra o nosso maior recurso natural é um corolário da falta de vontade política de lidar com o problema, não de maneira a falsamente conviver com ele, porém de contra-arrestá-lo e, no que for possível, detê-lo.
Recente análise de técnico do INPE, Carlos Nobre, e de Luis Fernando Salazar, da Universidade Industrial de Santander (Colômbia), estima o efeito do gás carbônico (CO2) sobre a floresta. Segundo eles, o ponto de não-retorno depende do efeito de fertilização. Há três cenários montados pelos dois técnicos: dois alegadamente improváveis: (a) com zero de fertilização e (c) com cem por cento de fertilização.
Em um cenário ( b ) intermediário, com 25% de fertilização, se se confirmarem o aumento de temperatura média de 4º C e redução de 35% nas chuvas, Nobre e Salazar estimam que essa conjunção transformaria todo o sudeste amazônico em savana empobrecida. O efeito máximo seria sentido no sul do Pará, Tocantins e Mato Grosso. Parece óbvio de resto que o ecossistema sobretudo no Pará já se acha muito afetado pelo extenso desmate, o que tende a inviabilizar eventual recomposição da floresta original, em uma área desnudada e empobrecida pelo ulterior lixiviamento do solo.
Já no noroeste da Amazônia, as médias pluviométricas são bastante altas para sustentar a floresta. Além de o ecossistema estar nessa área bastante preservado, estima-se que, mesmo se as chuvas baixarem dos presentes 4m anuais para 2m, ainda seriam suficientes para sustentar a floresta.
Sem embargo a visão de muitos leitos de rio secos pela estiagem – que se compara às de 1998 e 2005 – é um aviso de mãe-natureza quanto às amplas e danosas consequências do fenômeno, que desestabiliza todo um cenário formado pela abundância da água, indispensável não só para os ecossistemas naturais, mas também para a comunicação das comunidades amazônidas.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Iniciais de Oberkommando der Wehrmacht - Alto Comando das Forças Armadas nazistas.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
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