segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Das Más Companhias

Não é característica inovadora da política externa do governo Lula da Silva a atitude contemporizadora com os regimes truculentos. A abstenção seria a chave mágica no que concerne a direitos humanos. Segundo a antiga justificativa, ela nos daria maior trânsito junto a determinados regimes. De acordo com tal ordem de procedimento, preservaríamos a capacidade de relacionamento e, por conseguinte, de influência nos estados transgressores.
Prima facie, a tese parece ter valia. Afinal, importa evitar o isolamento que geralmente envolve tais Estados. O diálogo aberto e o contato subsequente trariam novos ares para esses ambientes fechados, faltos de ar e de ideias liberalizantes.
No papel, e para ouvidos inexperientes, a proposição poderia fazer algum sentido. No fim de contas, a progressão democrática estará sempre dependente de novos conceitos, e da abertura de janelas para que entre a luz do diálogo e da liberdade de pensamento.
Só que as coisas infelizmente não funcionam assim. Ao evitarmos censuras e condenações, dois resultados objetivos são logrados. A escolha da abstenção não nos veda a comunicação com o país transgressor, que não nos negaria apoio em candidaturas e causas que fossem por nós perfilhadas. Nesse sentido, posto que com arranhões éticos, o trânsito estaria preservado.
Em outras palavras, teríamos acesso ao andar de cima, às salas de recepção dos potentados e tiranetes de turno. Em tais ambientes estanques, nossos representantes fruiriam das atenções e mesuras das autoridades e de seus agentes.
Em compensação, não teríamos qualquer acesso aos andares de baixo, que dizer do submundo e dos porões que constituem os traços mais marcantes das feições desses regimes.
Há imagens que pela intrínseca força dissipam as enganosas e miríficas construções das ditaduras. O que dizer então do alegre convívio, acompanhado de infelizes comparações, de nosso governante rindo junto com os irmãos Castro, enquanto muito abaixo, em algum catre esquecido, morria alguém pelo antigo ideal da liberdade ?
A par de nos tornar familiares – e até cúmplices – de personagens que, a exemplo de Anteu, semelham fortalecer-se com as seivas da violência e os vapores do medo, não creio que tal doutrina da abstenção - ou do muro – nos tenha aproveitado muito.
Outro exemplo será o das relações demasiado próximas e até confiadas com a ditadura dos ayatollahs. O convívio com tais regimes nos recorda do artificialismo que preside seus ambientes oficiais. Por mais assépticos que os seus servos busquem torná-los, ares mefíticos subjazem por toda a parte. Nos salões haverá sempre, no engano e no silêncio, restos da vontade conspurcada pela fraude, quiçá vibrações de massacres nas praças, e de vis, inconfessáveis torturas em cárceres tenebrosos.
O comércio com essa gente – e não me refiro apenas a transações pecuniárias – não pode senão macular quem se atreva, por ilusões de poder, ou inerente baixeza, tratar com e apoiar essa grei que disfarça em falsa arrogância o semblante horrendo do tirano.
Os pecadilhos do passado não devem pela ignorância de uns e a má-fé de outros serem transformados em cínicas alianças com os párias deste mundo. A menos que se deseja lançar-nos em um deserto de ideias e de boas companhias.
O antigo mestre nos mostra das vantagens do meio termo. A cordialidade brasileira não é sinônimo de estultícia nem de falta de mínimos balizamentos nas relações internacionais
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