quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Atoleiro Iraquiano


                                      

        O Iraque continua a colecionar malogros.  Desde a guerra malsinada de George W.Bush contra Saddam Hussein e as suas (inexistentes) armas de destruição em massa (WMD), que esse histórico país vem somando fatídicos erros de avaliação, responsáveis por consequências que vão muito além de sua relevância no contexto internacional.

       Assim, a guerra do Iraque, que seria rápida e exitosa (quantos conflitos entram nessa traiçoeira categoria, a começar pelo de agosto de 1914, quando o Kaiser prometeu a seus soldados que logo voltariam para casa, quando caísse a folhagem das árvores), pelo número de baixas no exército americano, e pelos enormes déficits no orçamento estadunidense, não só teria pesadas consequências políticas (com a eleição de presidente e Congresso democrata), mas também seria o estopim para o declínio da Superpotência, fazendo relembrar, agora em outro contexto, a pressaga obra de Oswald Spengler sobre a Decadência do Ocidente.

       Convencido o inexperiente 43º Presidente dos Estados Unidos de duas empulhações – a alegada ‘culpa’ de Saddam no ataque terrorista de onze de setembro de 2001, e a também suposta existência das armas de destruição em massa no arsenal do ditador – o vice-presidente Dick Cheney e o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld[1] engajaram os Estados Unidos no que julgavam seria uma guerra relâmpago. Daí a série de erros que agravariam as consequências da empreitada militar (falta de planejamento para o pós-guerra, sem previsão de ocupação militar, blindagem deficiente, etc.).

       A série de más avaliações, que tanto prejudicariam a economia americana, culminaria na herança pós-conflito do Iraque. Ao retirar-se militarmente daquele país, com todo o dispêndio causado e as consequências colaterais já aludidas, Washington, fora o território reservado aos curdos, deixava um país em que crescera a influência do Irã, em detrimento da dos Estados Unidos.

        É difícil imaginar uma guerra em que a superpotência terá tecnicamente ganho, para, no entanto, ao fim e ao cabo deparar-se com o país vencido, porém alinhado com Teerã...

        O grande responsável por essa surpreendente reviravolta é o atual Primeiro Ministro Nouri al-Maliki que, se bem sucedido, se manterá por mais uma legislatura (a terceira) à testa do governo, embora não haja conseguido maioria absoluta.

        Ao contrário do tempo de Saddam – inimigo do governo teocrático iraniano – Maliki, como xiita que é, se aproximou de Teerã, que constitui hoje o principal aliado do Iraque. Essa aliança tem sido muito útil para o Irã na sua política de respaldar o governo de Bashar al-Assad, que é fiel da seita alauíta, próxima do Islã xiita. Ao fornecer um corredor aéreo para o envio de equipamentos e mesmo a participação dos guardas da revolução iraniana, Maliki é um dos responsáveis pelo enfraquecimento na guerra civil síria da Aliança rebelde, que não dispôs da equivalente generosidade da parte ocidental.        

          O Primeiro Ministro Maliki esqueceu, no entanto, um preceito básico para governar um país. Ao invés de estabelecer um modus vivendi com a importante minoria sunita, Maliki trata os sunitas como uma classe inferior. Ao agir dessa forma, somente contribuíu para afastar ainda mais na comunidade iraquiana os sunitas dos xiitas.

         Quando um governante trata uma parcela da população não como membros da comunidade nacional do país, mas sim como núcleo de cidadãos de segunda ordem, não surpreende que as relações se tornem tensas e o fosso entre os dois ramos principais do Islã – o sunita e o xiita – se aprofunde ainda mais.

         O ódio não constrói, e a comunidade xiita iraquiana tem sido empurrada para o radicalismo pela antipolítica do Primeiro Ministro Nouri al-Maliki.

          Não surpreende, por conseguinte, que nos últimos dias o governo Maliki se defronte com a mais séria ameaça à unidade no Iraque. Os sunitas – e o seu principal braço militar al-Qaida – partiram para o confronto aberto contra o atual estado iraquiano. Em duas ações militares, se apoderaram de dois importantes centros urbanos do Norte iraquiano – Mosul e al-Tikrit, este último terra natal de Saddam Hussein.

          Por ora, de nada valeu a al Maliki o fato de ter sob seu controle o exército regular iraquiano. Ao invés de reprimir a revolta, as forças oficiais debandaram.

           Ainda é demasiado cedo para opinar sobre a evolução desse levante. A única assertiva que se pode, por ora, formular, é que o Primeiro Ministro Maliki, ao ser o governante apenas da parte xiita da nacionalidade iraquiana, só colaborou no sentido de aumentar o dissídio entre xiitas e sunitas.Agora, colhe o que semeou.

 

(Fontes: The New York Review of Books, New Yorker, O  Globo).



[1] O envolvimento de Rumsfeld e Cheney foi levantado em série de artigos, de Mark Danner, publicados em The New York Review of  Books. j

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