O Iraque continua a colecionar
malogros. Desde a guerra malsinada de
George W.Bush contra Saddam Hussein e as suas (inexistentes) armas de
destruição em massa (WMD), que esse
histórico país vem somando fatídicos erros de avaliação, responsáveis por
consequências que vão muito além de sua relevância no contexto internacional.
Assim, a guerra
do Iraque, que seria rápida e exitosa (quantos conflitos entram nessa
traiçoeira categoria, a começar pelo de agosto de 1914, quando o Kaiser prometeu a seus soldados que logo
voltariam para casa, quando caísse a
folhagem das árvores), pelo número de baixas no exército americano, e pelos
enormes déficits no orçamento estadunidense, não só teria pesadas consequências
políticas (com a eleição de presidente e Congresso democrata), mas também seria
o estopim para o declínio da Superpotência, fazendo relembrar, agora em outro
contexto, a pressaga obra de Oswald Spengler sobre a Decadência do Ocidente.
Convencido o
inexperiente 43º Presidente dos Estados Unidos de duas empulhações – a alegada
‘culpa’ de Saddam no ataque terrorista de onze de setembro de 2001, e a também
suposta existência das armas de destruição em massa no arsenal do ditador – o
vice-presidente Dick Cheney e o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld[1]
engajaram os Estados Unidos no que julgavam seria uma guerra relâmpago. Daí a série de erros que agravariam as
consequências da empreitada militar (falta de planejamento para o pós-guerra,
sem previsão de ocupação militar, blindagem deficiente, etc.).
A série de más
avaliações, que tanto prejudicariam a economia americana, culminaria na herança
pós-conflito do Iraque. Ao retirar-se militarmente daquele país, com todo o dispêndio
causado e as consequências colaterais já aludidas, Washington, fora o
território reservado aos curdos, deixava um país em que crescera a influência
do Irã, em detrimento da dos Estados Unidos.
É difícil
imaginar uma guerra em que a superpotência terá tecnicamente ganho, para, no
entanto, ao fim e ao cabo deparar-se com o país vencido, porém alinhado com
Teerã...
O grande
responsável por essa surpreendente reviravolta é o atual Primeiro Ministro
Nouri al-Maliki que, se bem sucedido, se manterá por mais uma legislatura (a
terceira) à testa do governo, embora não haja conseguido maioria absoluta.
Ao contrário
do tempo de Saddam – inimigo do governo teocrático iraniano – Maliki, como
xiita que é, se aproximou de Teerã, que constitui hoje o principal aliado do
Iraque. Essa aliança tem sido muito útil para o Irã na sua política de
respaldar o governo de Bashar al-Assad, que é fiel da seita alauíta, próxima do
Islã xiita. Ao fornecer um corredor aéreo para o envio de equipamentos e mesmo
a participação dos guardas da revolução iraniana, Maliki é um dos responsáveis
pelo enfraquecimento na guerra civil síria da Aliança rebelde, que não dispôs
da equivalente generosidade da parte ocidental.
O Primeiro
Ministro Maliki esqueceu, no entanto, um preceito básico para governar um país.
Ao invés de estabelecer um modus vivendi
com a importante minoria sunita, Maliki trata os sunitas como uma classe
inferior. Ao agir dessa forma, somente contribuíu para afastar ainda mais na
comunidade iraquiana os sunitas dos xiitas.
Quando um
governante trata uma parcela da população não como membros da comunidade
nacional do país, mas sim como núcleo de cidadãos de segunda ordem, não
surpreende que as relações se tornem tensas e o fosso entre os dois ramos
principais do Islã – o sunita e o xiita – se aprofunde ainda mais.
O ódio não
constrói, e a comunidade xiita iraquiana tem sido empurrada para o radicalismo
pela antipolítica do Primeiro Ministro Nouri al-Maliki.
Não
surpreende, por conseguinte, que nos últimos dias o governo Maliki se defronte
com a mais séria ameaça à unidade no Iraque. Os sunitas – e o seu principal
braço militar al-Qaida – partiram para o confronto aberto contra o atual estado
iraquiano. Em duas ações militares, se apoderaram de dois importantes centros
urbanos do Norte iraquiano – Mosul e al-Tikrit, este último terra natal de
Saddam Hussein.
Por ora, de
nada valeu a al Maliki o fato de ter sob seu controle o exército regular
iraquiano. Ao invés de reprimir a revolta, as forças oficiais debandaram.
Ainda é
demasiado cedo para opinar sobre a evolução desse levante. A única assertiva
que se pode, por ora, formular, é que o Primeiro Ministro Maliki, ao ser o
governante apenas da parte xiita da nacionalidade iraquiana, só colaborou no
sentido de aumentar o dissídio entre xiitas e sunitas.Agora, colhe o que
semeou.
(Fontes: The New York Review of Books, New
Yorker, O Globo).
[1] O envolvimento de Rumsfeld
e Cheney foi levantado em série de artigos, de Mark Danner, publicados em The
New York Review of Books. j
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