A DAMA DO ELEVADOR
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A
retomada do trabalho, com a volta às velhas rotinas e os cochichos das
barangas, Albano via com certo enfado. Havia duas coisas que lhe preocupavam: a
rotina sem perspectivas, que de novo o trazia para o pequeno mundo da
repartição, e a súbita incapacidade
de falar com a namorada. Por primeira
vez, desde que haviam passado a viver juntos, o contato com Yvone como que
entrara em um túnel, onde as comunicações via celular tinham cessado.
Para sua surpresa, as chamadas caíam sempre em caixa postal. O que, a
princípio, pensara contratempo passageiro, começava a dar-lhe incômoda impressão.
Sobreviera algo diverso, depois de dias inteiros transcorridos juntos, seja nas
caminhadas por repartições e delegacias, seja até no confinamento do apê de
João. Lá e cá poderiam surgir rusgas e amuos, mas no convívio permanente a
relação se fortalecia ao lidar com o cotidiano. Para ele, não obstante as
agruras da situação, ambos dispunham em tais momentos da oportunidade de se
curtirem mutuamente. Seria como se fossem apresentados a vida nova, de forma
talvez um tanto brutal, mas que tinha o fascínio do proibido, temperado com
reconfortante sensação de unidade diante das peripécias do dia-a-dia.
Tudo isso Albano pensava e projetava na companheira. E de repente, veio
a incerteza.
Ele guardava como seu norte a
perspectiva de radical mudança de vida. Sempre alimentara a idéia de sair do
Rio de Janeiro, e de ir para outro meio, com dois pressupostos: uma existência
nova em cidade do Nordeste, em que pudesse valer-se do apoio inicial de
parentes.
Quando voltou para o apê de João, achou estranho que Yvone não
estivesse lá. Sabia de seu desconforto
em estar naquele local apertado, e tão pouco acolhedor. Por isso, pensava na
possibilidade de alugar um por temporada.
Uma
hora mais tarde ela afinal apareceu. Lá com ele, estranhou que não dissesse
palavra acerca de o que fizera. Yvone não tinha parentes no Rio, nem amigas
mais chegadas. No entanto, como o seu humor não parecia dos melhores, ele
preferiu não perguntar-lhe nada. De todo modo, ficou na espera de o que diria
sobre as suas andanças.
O
espanto cresceu diante de seu quase silêncio. Ela, de resto, não lhe dava a
impressão que estivesse a fim de conversar. Como o companheirismo caracterizara
até então o estar junto do casal, a situação principiou a inquietá-lo mais. Não
queria contribuir para turvar ainda mais o ambiente, mas se via forçado a tomar
alguma iniciativa.
“Meu
amor, sinto que qualquer coisa te incomoda. Como não sei o que possa ser, me
pergunto se não há jeito de te ajudar?”
Em
resposta, ela o encarou de um modo esquisito.
“Bobagens, Albano. Bobagens de mulher.”
*
“Que tal se a gente fosse comer fora ?”
Naquela noite, Yvone não deixava de surpreendê-lo. Depois de passar bom
quarto de hora metida no quarto remexendo nas suas coisas, eis que reaparece
com ar de quem não aguenta mais o confinamento no apê do amigo.
“Tudo bem. Acho que é boa ideia. Assim,
espairecemos um pouco.”
Como fazia um friozinho naquela noite, no limitado guarda-roupa invernal
do carioca, ele vestiu jaqueta bege e ela, um casaquinho de malha.
Caminham pelas redondezas que mal conhecem, a despeito dos muitos dias
em que estão arranchados no apê de João. Talvez a sua negação de explorar a
vizinhança falasse mais acerca da insatisfação que ambos sentem pelas
limitações do pouso.
De qualquer modo, sem muita convicção, acabam batendo no barzinho antes
visitado. A comida, muito gordurosa, deixa a desejar. A única qualidade do
local estaria menos nas próprias limitações, do que na circunstância de que já
as conhecem. De certa forma, preferiam não correr riscos ulteriores.
Sair para a rua, porém, não desata a língua de Yvone. Além da cara de
enfado, com que ele não logra acostumar-se, avulta na sua mente a impressão –
e, mais tarde, a certeza – de que algo a incomoda, algo que não sabe deva pôr
para fora ou não. E, sem embargo, a despeito dos silêncios, ele não se resolve
a perguntar-lhe o que está acontecendo com ela. Seria como desejasse evitar
ouvir o que não queria. Tem presente que não poderá contornar indefinidamente o
evidente mau humor da namorada. Mas, levado por temor que não se anima a
confrontar, naquela noite vai falar compulsivamente, sem na verdade nada dizer
de concreto ou pertinente.
* *
“Boa
noite, Albano.”
Como a sua atitude não mudara até a volta, essas eram as únicas palavras
que ouvira de Yvone. Em silêncio, tinham atravessado o restante da medíocre
refeição. Em silêncio, haviam percorrido as poucas quadras que os separavam do
edifício de João. Em silêncio, fora cumprido o ritual da noite.
Tudo
aquilo o cansara. Embora por um átimo hesitasse, achou melhor agir como se com
eles nada estivesse fora dos eixos.
“Boa
noite, Yvone.”
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