domingo, 8 de junho de 2014

Colcha de Retalhos B 22


                                  

Clima de ‘Maracanazo’ social às vésperas da Copa?

 

            A análise das pesquisas pela direção do Datafolha, com Mauro Paulino e Alessandro Janoni à frente, chega a conclusões sérias e relevantes. No seu entender, a crise de representação repete hoje o movimento do passe-livre em junho de 2013, com taxas recordes de eleitores que não têm candidato para presidente da república, assim como de entrevistados que não declaram um partido político de preferência.

            No mesmo sentido da rejeição, movimentos sociais e sindicais levam o PT e seu governo, partido que supostamente tem suas origens nas ruas e nas praças, a terem pela frente um de seus mais elevados patamares de reprovação, que só tem similar nas reações observadas depois das denúncias de Roberto Jefferson, sobre o ‘ mensalão’, em 2005.

            Nas principais metrópoles, as greves antissociais têm provocado muitos estragos, voltando-se contra os trabalhadores que são os principais reféns dessas constantes paradas de serviços públicos essenciais, como ônibus e metrô.

           Há um viés oportunístico, tipo chacal (quanto pior melhor) de muitos desses movimentos, lançados ao ensejo da Copa do Mundo. Essa irrupção generalizada mostra não só o cinismo antissocial, mas também evidencia  a tendência desses movimentos de se aproveitarem do magno evento – ao qual os entes públicos, com diversas parcelas de competência e honestidade,  têm contribuído com grandes fundos (com diversos graus de eficiência e exação pública) para garantir-lhes o êxito respectivo.

           Essa chusma de movimentos corporativos tem o oportunismo e a ética das aves de rapina, ou de espécies predatórias, como a hiena. O seu escopo que lhes tolda a vista de quaisquer considerações de índole patriótica ou de respeito aos próprios deveres corporativos os leva a servir-se do magno compromisso assumido pelo país como alavanca para extorquir vantagens corporativas pontuais do Estado, para tanto aproveitando-se das eventuais situações de constrangimento para tentar arrancar vantagens setoriais à custa de chantagens de classes corporativas (que, em geral, correspondem à negação prática dos seus respectivos deveres sociais e cometimentos a que as categorias envolvidas estão por solenes compromissos juradas a cumprir).  Essas associações são ad hoc, porque ao entrar na via do descarado oportunismo antissocial, pensando lograr obter pelo método da extorsão – que contradiz todos os respectivos juramentos corporativos - vantagens tão substanciais quanto antiéticas. Ao romperem com todos os compromissos assumidos sob a chancela de solenes juramentos, esses movimentos se colocam à margem da sociedade civil e como tal devem ser tratados. Não pode haver leniência nem composição com um médico ou um grupelho de médicos que se recusa a dar atendimento clínico a pacientes que estão em perigo de vida; ou um grupelho de policiais, civis ou militares, que se recusa a dar assistência a pessoas ou comunidades colocadas em risco pela própria negação da corporação em prestar serviço ao qual está jurada  realizar de forma oportuna e sem qualquer tardança. O mesmo raciocínio lógico se aplica àquelas categorias de servidores que por torpes motivações oportunísticas colocam em risco comunidades servidas pelo tipo de transporte que devem realizar obedecendo às condições da indispensável normalidade.

           Tal imperativo se aplica a fortiori, em grandes eventos internacionais que não podem sofrer solução de continuidade.  O Brasil assumiu, pelas instâncias competentes, a honra e a oportunidade de presidir a grande evento de ordem esportiva, a que multidões de brasileiros (e estrangeiros) estão interessadas em participar. Esse interesse não pode ser subvertido por escopo chão, e transformada em indústria de inadmissíveis vantagens corporativas arrancadas sob ameaça, por categorias corporativas de qualquer ordem.

           Assinale-se, por oportuno, que essa regra se aplica a quaisquer eventos subscritos pelo Brasil, e no quais estejam implicadas categorias as mais diversas, sem que se apliquem diferentes critérios para serviços sociais de importância. Assim, a greve oportunista e antissocial é inadmissível para todas as categorias. Na verdade, as corporações de maior importância social e nível cultural deveriam dar o exemplo, pois tantos as mais ilustres, quanto as mais humildes estão igualmente comprometidas sem qualquer exceção a este dever social.

             Nesse contexto, e feita essa longa, mas indispensável introdução a esse momento crítico da nacionalidade, em que a falta de liderança político-social se manifesta de modo irretorquível e decerto preocupante, cabe breve consideração sobre a menção pela análise dos dirigentes do Datafolha da introdução de um clima de suposto Maracanazo social, que alegadamente estaria tomando conta do Brasil.

             Ignoro a aplicação do termo nesta acepção. Entendia até hoje Maracanazo como um vocábulo criado pelo povo uruguaio ao ensejo da conquista pela Celeste da Copa do Mundo de 1950, diante do maior público que lotou o Maracanã em todos os tempos, e que lá estava, a dezesseis de julho de 1950, para assistir e, por que não, comemorar a conquista da Copa Jules Rimet pela seleção do Brasil.

             Sem patriotadas, não houve seleção mais preparada e com mais títulos para reivindicar o caneco, que era reivindicado de forma compreensível e baseada nos fatos pelo público brasileiro sem exceção. Caímos naquela triste jornada presa de um de nossos principais defeitos, que é o de presumir uma conquista, que julgamos justificada pelo retrospecto. Essa nos favorecia amplamente, tanto que poderíamos nos dar ao luxo de empatar o jogo decisivo e arrebatar a copa. Essa vantagem se devia a um rosário de triunfos no quadrangular final que decidiria a posse (temporária) da Copa. Vencemos os dois primeiros jogos, contra a Suécia por 7x1 e contra a Espanha, por 6x1. No jogo com o Uruguai, chegamos a marcar 1x0 aos cinco minutos do segundo tempo, por Friaça. Mas o meia Schiaffino aos dezesseis e aos trinta e seis, viria o ponta Ghigia com um chute despretensioso que Barbosa infelizmente aceitou. Estava fincado o suposto Maracanazo, termo pejorativo, que poderia ser traduzido como a conquista do Maracanã.

              O Brasil já venceu em cinco copas, todas elas no estrangeiro, a começar pela Suécia em 1958, com o menino Pelé. A final desta Copa será no Maracanã e esperemos que o Brasil dela participe e que o resultado seja diverso da grande e desagradável surpresa nacional de julho de 1950.

               Todavia, de uma forma ou de outra, não haverá nenhum outro Maracanazo. Esse mítico acontecimento, pintado com tintas uruguaias, fica bem no pequeno Uruguai, para sempre debruçado sobre o estuário do Prata. Mas nenhum brasileiro que se preze desejará participar de qualquer movimento social que vise a conspurcar de alguma forma essa grande estrutura arquitetônica que é o Maracanã. Como existia em 1950, o estádio depois intitulado Mario Filho não existe mais, eis que foi posto abaixo pelo Padrão Fifa. Mas de alguma forma, mesmo na atual de público mais reduzido, o Maracanã será sempre o Maracanã.

               Mas, por favor, deixemos o Maracanazo em paz. Ele é um evento uruguaio, de uma conquista sem dúvida impar da Celeste. Vamos deixa-lo como o ícone que deve ser para o povo uruguaio, que dele há de carecer. Quanto a multi-aplicações do termo Maracanazo, não creio seja o caso de cair em mais um estrangeirismo.

              A  propósito,  muitas vezes discordei do Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, no que tange à exclusão de estrangeirismos. Mas neste caso favoreço posição que preserva a nacionalidade do Maracanã e não careceria de adaptações de termos estrangeiros. Aqui não se quer levar de roldão nenhum bastião brasileiro. Para combater outras modalidades de atividades antissociais, estou certo de que o vernáculo oferece muitas possibilidades, que serão empregadas se for o caso.

 

Dilma cancela presença na Bahia

 

            A Presidenta tomara a iniciativa de convidar Angela Merkel para a partida em Salvador entre Alemanha e Portugal.  A Chanceler alemã – que gosta de futebol e costuma prestigiar os jogos da seleção de seu país - aceitou prontamente.

            No entanto, pelo visto, Dilma Rousseff mudou de ideia.  Já no início desta semana,  cancelou a presença na Arena. Não foi dado o motivo para o súbito repensamento. Será acaso o temor de uma vaia, alimentada pela sua crescente impopularidade e acirrada pela tendência negativa nas pesquisas? 

 

Fiasco à vista ?

           Para quem partira com o mirífico objetivo de desbancar o reino do PSDB em São Paulo, o resultado do Datafolha desta semana não é um balde de água fria, mas verdadeira torrente que faria muito bem à Pauliceia se fosse desviada para a reserva da Cantareira. Não é que Alexandre Padilha (PT) patina nas pesquisas, sendo o último dos candidatos ao governo paulista, com pífios 3% das preferências?  Geraldo Alckmin lidera com 44% das intenções, seguido de longe por Paulo Skaf (PMDB), com 21%,  e ainda na frente do ex-ministro da Saúde, o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), com 5%.

          Se confirmados esses totais, Alckmin seria eleito no primeiro turno, pois tem mais que o dobro do total de seus adversários.

Na mídia, o que significará a Copa para nós ?

           Somente um ingênuo pensará que a mídia europeia, mormente a inglesa e a francesa, serão lenientes com as nossa mazelas do subdesenvolvimento. Em certos setores, tais características, notadamente as mudanças abruptas e imprevisíveis, fazem parte das chamadas regras, que são tiradas da algibeira em momentos de crise.

          Nunca me esquecerei de reunião no Palácio do Alvorada, em que colega nosso acalmou as continuas reclamações de hermano latino-americano, que se queixava amiúde de bruscas (e lesivas) mudanças na aplicação dos acordos comerciais. Como escusa, em tom factual, bastou que o colega brasileiro lhe relembrasse  que não há nada de seguro no subdesenvolvimento. Para minha surpresa, surtiu efeito; o sul-americano perdeu a fala. Bastou lembrar ao companheiro de Latino-America  que ambos estávamos no mesmo barco, e que não se poderia exigir-nos o que eles tampouco não tinham condições de manter, se os papéis se invertessem.

            A minha primeira reação foi de considerar cínica a postura admonitória do meu companheiro de delegação,  mas logo me dei conta de que se tratava de condição então tácita, extra omnes, ( válida para tudo). Trocando em miúdos, era o rochedo do rebus sibi stantibus (se as coisas ficam como estão), o lema para os negociadores do governo Sarney e para seus contemporâneos do embrionário Mercosul, que nos salvavam a nós brasileiros das quebras de promessas..

            No entanto, a crítica da revista Spiegel (alemã) e dos tabloides ingleses se compraz e viceja nas notícias do quanto pior melhor. Eles projetam nas suas reportagens aquele menosprezo que o general de Gaulle votava aos países de lá bàs. Hoje, em que Totonio Rodrigues dorme profundamente,  dispomos de bilhetes do estadista francês que ressumam de entranhado menosprezo por Pindorama – c’est pas um pays sérieux (não é um país sério), que, à maneira de um Ukase mandava  engavetar o pedido de agrément do embaixador Vasco Leitão da Cunha. O humor estava em que o pedaço de papel que negava aprovação (agrément) para o novo embaixador golpeava o mais britânico e aristocrático de nossos diplomatas de então, com eterna postura de gentleman e que estivera no norte da Africa, quando de Gaulle lá esteve na preparação de enésimo desembarque nas costas europeias (na época, ocupadas pelas divisões do Eixo). Ironicamente, por ser brasileiro, era fulminado pelo raio Vasco Leitão, Comandante da Cruz de Lorena. Esse grande diplomata mais parecia saído de clube inglês, desses ultra-exclusivos e fechados, que se reserva a fidalgos, e uns poucos gentlemen.. Que outro título de seriedade sair de tais clubes para negociar a situação do crustáceo (que daria nome ao brancaleônico conflito da chamada guerra da lagosta e ao nosso direito a explorar-lhe) Ainda não vigia no capítulo a Convenção do Mar, que nos daria plenos direitos, e de que me honra haver contribuído institucionalmente para a sua transformação em lei pelo Congresso Nacional.  Não importa, se de um lado ficou o sobranceiro menosprezo de Velho general e herói nacional, pelo Brésil, de outro – e é o que conta – a Convenção do Mar, com todos os seus institutos jurídicos que protegem os países ribeirinhos, nos tem como Parte Contratante da Lei do Mar, com direito à defesa de nosso mar territorial, da Zona Econômica Exclusiva e de nossa Plataforma Continental, que espero devidamente demarcada pela Marinha do Brasil.

              Por isso, o melhor tapa-boca será levarmos o Caneco, com o que nos lavamos em água de descarrego da suposta tragédia nacional do frango de Barbosa convertido em chute histórico do ponteiro Ghigia.  Talvez o já-ganhou – os jogadores receberam na véspera, em São Januário, um local de concentração muito pouco adequado, as faixas de campeões do mundo. Embalados pelas canções de ninar do sempiterno otimismo dos times nacionais – de que a mídia é a insufladora, a par da ingenuidade de nossos torcedores (que costumam julgar o futuro sob as premissas do passado, o que é epistelogicamente correto, mas de franciscana pobreza em termos de defesas para súbitas transformações, como a da Celeste uruguaia, liderada por Obdúlio Varela, o capitão do time que venceu por dez a zero nas baixarias e na guerra psicológica.

            Eles tiveram o seu momento de glória no velho esporte bretão. Depois, nunca mais. Se chegarmos lá, o chefe da delegação deverá emitir uma singela instrução: pensar na vitória sempre, jogo leal mas sem atenções descabidas e mesuras cretinas. Pensar como o Juquinha – só no triunfo e deixar para depois dos noventa minutos, qualquer pensamento desgarrado sobre a zebra de dezesseis de julho de 1950. E o resto será o resto, porque time por time, os uruguaios não tem gente com classe para se contrapor aos nossos.

 

Tiananmen. Nota bibliográfica.

 

            Lançado nos Estados Unidos o livro de Louisa Lin, escritora chinesa, que acaba de lançar, sob o título “The People’s Republic of Amnesia” ( A República Popular da Amnésia)  obra sobre a tragédia da praça de Tiananmen, acontecida a quatro de junho de 1989, há portanto um quarto de século. A estrutura do governo burocrático chinês, que é decorrência do malogro desse projeto da juventude estudantil acadêmica, se tem empenhado em tentar transformar a desgraça na praça, com as milhares de mortes ceifadas pelo  Exército Chinês, de que Deng Xiaoping exercia o controle partidário, constitui até hoje acontecimento que as instâncias burocráticos do poder sino-comunista tratam ainda como um patético não-evento, que persiste, malgrado o passar das décadas e o minucioso expungir das diversas memórias de uma geração perdida, como uma drummondiana pedra no meio do caminho da nomenclatura que persiste em denegar a visão do grande crime, que buscou sufocar a esperança-projeto de uma generosa geração estudantil chinesa, estimulada pelo exemplo de Hu Yaobang, presidente e secretário-geral do PCC, abruptamente desligado pelo velho líder Deng Xiaoping em 1987. Zhao Ziyang, que contribuíra para a modernização da China ao suceder a Hu, de quem era próximo, modernizou econômica e financeiramente a RPC, libertando-a dos entraves do controle do PCC, mas não conseguiu completar a obra, por causa de editorial de Deng, com acusações pesadas e provocatórias contra as lideranças estudantis. Esse golpe intrapartidário, iniciativa da camarilha de Li Peng, aproveitou-se de viagem oficial de Zhao a Coreia do Norte, para o recrudescimento dos protestos estudantis, que caíram na rede do PCC e no posterior massacre. Zhao, muito popular na China, a ponto de que a sua morte, em 2005, após longa prisão domiciliar, foi tornada segredo de estado, para evitar o retorno dos protestos por causa da morte de Zhao (assim como ocorrera com Hu, também dispensado abruptamente pelo ancião Deng).

 

           Será interessante verificar do êxito (ou não) da política estatal de silêncio sobre  a terceira reforma do Estado Chinês, que com a introdução de democracia moderada a traria o Império do Meio para o mundo civilizado, libertaria o Nobel Liu Yaobo, Prêmio de 2010. Entrementes, por advogar modestos avanços constitucionais, ele cumpre ignóbil sentença de onze anos na masmorra de Jinzhou. Por sua vez,  o anel se fecha, com a esposa Liu Xia em prisão domiciliar. A ditadura burocrática de Xi Jinping reúne a Secretaria-Geral do PCC, a Presidência da República (ambos a partir de 2013) e a Comissão Militar Central. Como se vê, pela sua eleição ritual pelo Grande Congresso, Xi reúne todos os principais poderes na China (excluído o povo...). Por missão burocrático-institucional, nesse último avatar de um poder que nos tempos do criminoso Mao Zedong pendia da ponta do revolver, Xi tem por incumbência enfeixar todos os poderes que poderiam criar-lhe eventuais problemas. É sua competência, portanto, através de estrutura burocrático-policiesca voltada contra as expressões da liberdade, seja estruturada ou embrionária, tudo isso em prol do grande desenho da manutenção da intimidação e da corrupção sistêmica para trabalhar em prol do grande futuro da República Popular da China que cresce no mundo como a herdeira presuntiva da atual Superpotência...

 

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo, O  Globo; Louisa Lin, The People’s Republic of Amnesia; e ‘Prisoner of the State – The Secret Journal of Premier Zhao Ziyang; e Mao, Jung Chang )

 

 

 

 

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