Quem se lembrará
hoje de assessores militares? Pois não
custa recordar que o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnam – com as
consequências que todos conhecem – se inicia na década de cinquenta, na
administração do republicano Dwight D. Eisenhower, após a derrota
francesa em Dien Bien Phu, para
tentar respaldar o governo sul-vietnamita de Saigon contra o Vietnam do Norte.
A princípio
esses assessores tinham as mesmas funções de os que agora Barack Obama anuncia
em conferência de imprensa. É verdade que o presidente americano enfatizou-lhes
o caráter acessório – nas suas palavras os assessores militares não entrarão em
combate, e se limitarão às funções de avaliação, assessoria, planejamento
estratégico e coleta de informações.
Não se exclui,
em verdade, que os ataques aéreos de alta precisão estejam descartados, mas
tampouco estão previstos para ocorrerem de imediato. Nesse contexto, avulta no
quadro o emprego dos chamados drones, que
são os aparelhos aéreos teleguiados, cuja utilização tem sido reservada para
fins ditos cirúrgicos, eis que visam a eliminar focos alegadamente terroristas.
Que uma tal
iniciativa e a fortiori dirigida
contra o Iraque, parta do 44° presidente, não se pode omitir a implícita ironia
que esse anúncio traga consigo. Pois Obama construiu a sua base de lançamento
para a bem-sucedida campanha presidencial – tanto nas primárias, onde
prevaleceu sobre Hillary Clinton muito por causa de que a rival democrata
apoiara de início a guerra contra Saddam Hussein, quanto no pleito de novembro
de 2008, pela sua mensagem ao país de terminar com a ruinosa aventura no Iraque.
Após dois anos e
meio da retirada das tropas americanas daquele país, o avanço das milícias do
Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis), que já se apoderou da área
iraquiana que confina com a Síria, e ameaça a capital Bagdá, torna periclitante
o poder xiita no resto do país.
Como já referi
no blog, uma das causas do
ressurgimento sunita está na inépcia programática do gabinete de Nur
al-Maliki. A própria Administração
americana considera insustentável o atual governo de Maliki – que se empenhava
em prolongá-lo por mais uma legislatura (a terceira). Uma das causas – talvez a
principal – do avanço do Isis está no caráter sectário do governo Maliki, que
tem governado com e para os xiitas, afastando com singular cegueira política os
sunitas e mesmo os curdos de qualquer participação.
O
auto-isolamento de Maliki, e a sua crescente dependência do Irã xiita, tem
empurrado para reação militar a minoria sunita. Para Maliki, o ódio sectário
semelha instrumento de governo. Ao agir dessa forma, não terá deixado
alternativa para a minoria sunita. Os Estados Unidos, pela palavra de Obama, se
empenha em criar condições políticas de efetiva sustentação de governo para
todos os iraquianos. Como asseverou o presidente americano “está claro que
apenas líderes capazes de governar com uma agenda inclusiva poderão
genuinamente unir o povo iraquiano e ajudá-lo a atravessar essa crise.”
Seria,
contudo, prematuro supor que Nur al-Maliki, apesar de todo o mal que fez,
esteja afastado da possibilidade de um (desastroso) terceiro mandato. Tem ele o apoio de Teerã, que se tornou o
principal poder de sustentação do gabinete xiita de Maliki. A pesada ironia da
determinante influência dos ayattolahs
iranianos nas questões do Iraque mostra na sua contra-medalha o presente e relativo enfraquecimento político dos
Estados Unidos naquele país.
Será difícil,
por conseguinte, montar um esquema governativo que exclua Teerã, que por uma
série de fatores tudo fará para preservar a respectiva influência em Bagdá. O
avanço do Isis – que é o braço militar sunita nessa luta intestina - terá decerto precipitado a reação
estadunidense.
Está em curso
o processo de seleção do Primeiro Ministro.
O partido de Malik tem 92 deputados (165 são necessários para formar
maioria). Outros grupos xiitas
conseguiram 57 cadeiras e os sunitas, 23 ! De fora estão os curdos, que
dispõem de uma área autônoma ao norte.
Dada a
importância da seita sunita, o número de
deputados eleitos é um reflexo das disposições do regime favorecido por Maliki. Entra-se, por conseguinte, em uma fase em que
se tentará formar um gabinete sob direção xiita, mas que seja inclusivo. O nome
de Chalabi, que tem o apoio de Washington, é apresentado, mas a sua tendência pró-americana
pode contribuir para a sua inviabilidade política, dada a oposição provável de
Teerã.
Se é
assegurada ao Hades e àqueles que lá
se encontram alguma participação na observação dos fatos terrenos, Saddam
Hussein deve estar assistindo prazeroso às dificuldades de montar um
gabinete xiita no Iraque, dificuldades essas acrescidas pelo avanço do braço
militar do Isis, e pela cegueira sectária do Premier Nuri Maliki e de sua base de sustentação...
( Fontes:
O Globo, The New York Times )
Nenhum comentário:
Postar um comentário