sexta-feira, 20 de junho de 2014

Assessores militares, de novo ?


                                      

      Quem se lembrará hoje de assessores militares?  Pois não custa recordar que o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnam – com as consequências que todos conhecem – se inicia na década de cinquenta, na administração do republicano Dwight D. Eisenhower, após a derrota francesa em Dien Bien Phu, para tentar respaldar o governo sul-vietnamita de Saigon contra o Vietnam do Norte.

      A princípio esses assessores tinham as mesmas funções de os que agora Barack Obama anuncia em conferência de imprensa. É verdade que o presidente americano enfatizou-lhes  o caráter acessório – nas suas palavras  os assessores militares não entrarão em combate, e se limitarão às funções de avaliação, assessoria, planejamento estratégico e coleta de informações.

      Não se exclui, em verdade, que os ataques aéreos de alta precisão estejam descartados, mas tampouco estão previstos para ocorrerem de imediato. Nesse contexto, avulta no quadro o emprego dos chamados drones, que são os aparelhos aéreos teleguiados, cuja utilização tem sido reservada para fins ditos cirúrgicos, eis que visam a eliminar focos alegadamente terroristas.   

      Que uma tal iniciativa e a fortiori dirigida contra o Iraque, parta do 44° presidente, não se pode omitir a implícita ironia que esse anúncio traga consigo. Pois Obama construiu a sua base de lançamento para a bem-sucedida campanha presidencial – tanto nas primárias, onde prevaleceu sobre Hillary Clinton muito por causa de que a rival democrata apoiara de início a guerra contra Saddam Hussein, quanto no pleito de novembro de 2008, pela sua mensagem ao país de terminar com a ruinosa aventura no Iraque.

      Após dois anos e meio da retirada das tropas americanas daquele país, o avanço das milícias do Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis), que já se apoderou da área iraquiana que confina com a Síria, e ameaça a capital Bagdá, torna periclitante o poder xiita no resto do país. 

       Como já referi no blog, uma das causas do ressurgimento sunita está na inépcia programática do gabinete de Nur al-Maliki.  A própria Administração americana considera insustentável o atual governo de Maliki – que se empenhava em prolongá-lo por mais uma legislatura (a terceira). Uma das causas – talvez a principal – do avanço do Isis está no caráter sectário do governo Maliki, que tem governado com e para os xiitas, afastando com singular cegueira política os sunitas e mesmo os curdos de qualquer participação.

        O auto-isolamento de Maliki, e a sua crescente dependência do Irã xiita, tem empurrado para reação militar a minoria sunita. Para Maliki, o ódio sectário semelha instrumento de governo. Ao agir dessa forma, não terá deixado alternativa para a minoria sunita. Os Estados Unidos, pela palavra de Obama, se empenha em criar condições políticas de efetiva sustentação de governo para todos os iraquianos. Como asseverou o presidente americano “está claro que apenas líderes capazes de governar com uma agenda inclusiva poderão genuinamente unir o povo iraquiano e ajudá-lo a atravessar essa crise.”

         Seria, contudo, prematuro supor que Nur al-Maliki, apesar de todo o mal que fez, esteja afastado da possibilidade de um (desastroso) terceiro mandato.  Tem ele o apoio de Teerã, que se tornou o principal poder de sustentação do gabinete xiita de Maliki. A pesada ironia da determinante influência dos ayattolahs iranianos nas questões do Iraque mostra na sua contra-medalha o presente e relativo enfraquecimento político dos Estados Unidos naquele país.

         Será difícil, por conseguinte, montar um esquema governativo que exclua Teerã, que por uma série de fatores tudo fará para preservar a respectiva influência em Bagdá. O avanço do Isis – que é o braço militar sunita nessa luta intestina  - terá decerto precipitado a reação estadunidense. 

         Está em curso o processo de seleção do Primeiro Ministro.  O partido de Malik tem 92 deputados (165 são necessários para formar maioria). Outros grupos xiitas  conseguiram 57 cadeiras e os sunitas, 23 ! De fora estão os curdos, que dispõem de uma área autônoma ao norte.  

         Dada a importância da seita sunita,  o  número de deputados eleitos é um reflexo das disposições do regime favorecido por Maliki.  Entra-se, por conseguinte, em uma fase em que se tentará formar um gabinete sob direção xiita, mas que seja inclusivo. O nome de Chalabi, que tem o apoio de Washington, é apresentado, mas a sua tendência pró-americana pode contribuir para a sua inviabilidade política, dada a oposição provável de Teerã.

         Se é assegurada ao Hades e àqueles que lá se encontram alguma participação na observação dos fatos terrenos, Saddam Hussein deve estar assistindo prazeroso às dificuldades de montar um gabinete xiita no Iraque, dificuldades essas acrescidas pelo avanço do braço militar do Isis, e pela cegueira sectária do Premier  Nuri Maliki  e de sua base de sustentação...

 

( Fontes:  O Globo, The New York Times )

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