Imagem x Realidade
Peço vênia para discordar de
algumas observações do interessante artigo de
Matias Spektor –
A Virada, publicado na
Folha de 25 de junho de 2014. Reporto-me
à discussão entre realidade e imagem, no contexto da utilização pontual de
grandes eventos. Sem desmerecer da função marqueteira, cuja importância cresce
na atualidade, as embaixadas
não
semelham incluir
tais encargos em suas
funções precípuas. Sem dúvida, é um trabalho que tem muito mais a ver com as
repartições consulares e os serviços comerciais.
Nesse
contexto, continua válida a itemização por Hildebrando Accioly dos deveres do
agente diplomático para com o seu próprio Estado. Tais encargos são óbvios, mas
carecem de ser especificados. Como é sabido, eles se dividem em três
categorias: representação, observação e proteção. São os deveres clássicos do
agente diplomático para com a sua sede de origem, usualmente denominada de
Secretaria de Estado.
Já
com relação ao Estado onde esteja exercendo suas funções, o agente diplomático
tem outras obrigações, que como Heffter
o assinalou, são deveres de lealdade para com o soberano estrangeiro. O
linguajar pode parecer antiquado – o “Tratado de Direito Internacional
Público”, 2ª edição, é de 1956 – mas tais funções nas duas esferas de ação são
aplicáveis à atualidade. Os meios disponíveis – aqui entra o progresso – podem
mudar, mas as respectivas funções não variam.
Assim,
quando se fala em embaixada atuando para a divulgação de uma imagem determinada,
na essência a função continua a mesma, se nos ativermos ao objetivo precípuo,
mas não aos meios que devam ser empregados. Sendo repartições permanentes, as
respectivas chefias, por iniciativa própria ou coordenadas pela Secretaria de
Estado, poderão ocupar-se de questões atinentes à imagem do país. Não estão,
decerto, entre as funções específicas de uma missão diplomática, dada a
mutabilidade de uma imagem respectiva.
O
que me parece mais consentâneo é que a política de promoção de determinada
imagem seja concertada nos seus grandes traços pela embaixada, que se encarrega
da missão política de promoção do país. A viabilização dessa campanha caberá a
serviços auxiliares, dada a orientação tópica da questão.
No
meu serviço na carrière, em que
completei dez lustros, tive mais de uma vez de lidar com esse falso problema,
que é a suposta contraposição entre a dita imagem e a realidade subjacente. Na
verdade, a promoção da imagem – qualquer que seja – é uma função tanto
individual, quanto coletiva.
É
bem verdade que essa questão se reporta mais aos anos finais da minha presença
no Itamaraty. Seria um vezo da última década do século vinte, quando surgiram
na Casa de Rio Branco assessorias encarregadas especificamente da dita imagem.
Convém, no entanto, precisar que, como toda política promocional, ela
deve ser manipulada com cautela. A sua
premissa é a realidade que o agente diplomático representa. O que ele não deve
esquecer é que a embalagem, por melhor que seja, não altera a qualidade do
produto. Por episteme, dispomos da
verdade que o país representa. Por
maiores habilidades e meios tecnológicos de que o agente disponha, há um limite
bastante claro quanto à mensagem a ser passada para Garcia. Na promoção de
campanha para a obtenção de patrocínio para grandes eventos, há uma normativa a
ser seguida. Na transmissão da imagem, o conteúdo é importante, não só nas suas
qualidades técnicas, mas também na medida em que reflita algo concreto e
factível, e não estórias da carochinha, com curtíssimo prazo de validade.
Contrariando a opinião de um colega – que infelizmente não está mais
entre nós – permiti-me referir minhas
dúvidas sobre a validade de política que privilegiasse os aspectos superficiais
da imagem em detrimento do conteúdo.
É o
antigo debate entre valor epistêmico de uma questão e a sua derivada projeção
como imagem.
A
imagem, se veraz, será necessariamente um aspecto adjetivo de uma determinada
situação. As posições políticas, os dados relativos ao estado presente de nosso
país, são relevantes enquanto projetam uma determinada realidade. A imagem
decorrente será necessariamente adjetiva, por constituir função de um estado de
coisas preexistente.
Por
ser derivada, a imagem só terá real importância se corresponder à realidade.
Nesse caso é bom lembrar a sapiência popular sobre a mentira. Ela
costuma ter as pernas curtas.
E
quando a imagem, uma vez projetada e fixada, briga post-factum com a realidade, o desserviço ao interesse nacional tem
de ser multiplicado por um coeficiente na razão inversa de seu suposto êxito quando
de sua tópica utilização
E
aí se volta a verificar um velho truísmo. A imagem será tanto mais deletéria
quanto mais contrária for determinada a sua relação com a realidade.
Poroshenko assina acordo com U.E.
Estão
pendentes de esclarecimentos futuros as razões que levaram o então Presidente
Viktor Yanukovych a jogar na cesta o acordo comercial longamente discutido e
negociado com a União Européia. Por força desta inopinada decisão – que os
escaninhos da História um dia hão de esclarecer – Yanukovych bateu de frente
com a vontade majoritária do povo ucraniano, vontade essa que não tardaria em
repontar na Praça da Independência e na continuada rebelião civil que se
espalharia pelos diversos prédios oficiais de
Maidan, numa épica resistência que recordaria as revoltas da Paris
oitocentista, com as suas barricadas e a coragem dos populares.
Agora,
o pleito nacional com a sua abertura para a Europa ocidental - leia-se promessa de progresso econômico e
financeiro, em ambiência democrática – é atendido pelo novel presidente Petro
Poroshenko, com a firma nesta sexta, 26 de junho, dos acordos com Bruxelas. Ao
contrário da via estreita da submissão ao Kremlin, pela adesão à União
aduaneira que a Rússia quer impor, o presidente ucraniano preferiu a senda mais
ampla e promissora da abertura para o Ocidente. Dos benefícios de tal opção –
que gospodin Vladimir Putin alegando
sérias razões deseja à força impedir – basta um olhar para a vizinha Polônia
para cientificar-se do potencial proveito de ingressar na União Europeia. O caminho para tal propósito, como muitos
ideais, principia por um passo singelo, quase burocrático, i.e., a firma do pacote
de acordos negociados com as instâncias de Bruxelas. O povo ucraniano, máxime
aquele das regiões ocidentais, deseja desvencilhar-se do sufocante amplexo do
urso russo, que é um misto de autoritarismo, dependência, e estreiteza
burocrática, em uma receita que, por conhece-la bem, o ucraniano opta pela
promessa de tempos melhores da Comissão de Bruxelas.
Segundo Amanda Paul, do Centro
de Política Europeia, o grande perdedor nesta questão seria o Presidente Putin:
‘Criou uma série de problemas internos para a Ucrânia, mas só conseguiu jogá-la
ainda mais nos braços do Ocidente de o que antes acontecera.’ Sem embargo, as ‘sérias
consequências’ mencionadas pelo governo russo começam a concretizar-se. Dentre as medidas retaliatórias – não se deve
esquecer que o Kremlin controla a torneira do gás para a Ucrânia – está
incluída a retirada de tratamento preferencial para as suas exportações para a
Rússia.
Coincidindo a cerimônia em Kiev com cerimônia diplomática no Kremlin,
Putin fez a seguinte declaração: “A aguda crise na vizinha república nos
perturba muito (sic). O golpe
inconstitucional em Kiev e intentos para artificialmente impor uma escolha
entre a Europa e a Rússia pelo povo ucraniano empurraram essa sociedade para
uma fratura e dolorosa confrontação.” Mesmo para conhecedor superficial das
relações da Ucrânia com o seu poderoso vizinho, essa declaração é um amálgama
de inverdades e omissões. A escolha
europeia do povo ucraniano custou-lhe a anexação da Criméia, em cínica agressão
ao direito internacional e ao princípio dos pacta
sunt servanda.
Também
por trás das tentativas de secessão na região oriental está o governo Putin,
com o envio de ‘voluntários’ (alguns dos quais voltam em caixões), assim como apoio aos milicianos pró-Rússia
nas províncias do Leste, notadamente os diversos centros servidos por via
férrea na bacia do Don, em cuja fronteira se acham 40 mil homens do exército
russo. Há uma visão russa – que Putin deseja firmar com a ideologia eurasiana,
que claros pendores autoritários - de
que é chamado “o exterior próximo” (near abroad), cujos países deveriam
pautar-se por uma visão deferencial com relação ao vizinho do Kremlin, como
principal herdeiro da União Soviética.
As
sanções impostas pelo Ocidente – inclusive os Estados Unidos – ainda são de
natureza ‘light’, e refletem a
ambivalência diante dessa ‘potência
regional’, como a definiu Obama em relação a Moscou.
A
própria OTAN (organização do Tratado do Atlântico Norte) tem evidenciado
atitudes conciliatórias no que tange à Federação Russa. Essa vontade de
conciliação não favorece muito a países que desejem liberar-se do sufocante
amplexo do urso russo.
Por
isso, malgrado as alusões do presidente Poroshenko, não semelham muito
brilhantes por ora as perspectivas de em futuro próximo serem admitidas na
União Européia a Ucrânia, a Moldova e a Georgia. O pretexto seria a oposição da
opinião pública europeia a uma ampliação da UE, considerada já demasiado grande
e de difícil manejo (conta atualmente 28 membros plenos). No entanto, a
assinatura do acordo comercial (e de outros correlatos) pelo governo de Kiev é
um marco relevante, porque caracteriza o início de um processo, que pode levar
a uma eventual adesão política da Ucrânia (como foi o caso da Polônia).
Por
sua vez, a organização favorecida pelo Presidente Vladimir Putin – a União
Eurasiana, que deverá começar a funcionar em 2015, só registra por ora três
membros: a Federação Russa, a Bielo-Rússia e o Kazakhstão. Por oferecer pouco
mais do que o amplexo hegemônico do antigo império russo, o interesse em aderir
dos países ativamente requestados tem sido baixo, mais preocupado em preservar
a própria autonomia, do que cair nos braços de um imperialismo de que têm
sobejo conhecimento.
Captura de suspeito no ataque de Benghazi
Os comandos da
Marinha estadunidense - os
Seals
(focas) que realizaram o
raid que
levou à eliminação de
Osama ben Laden -
capturaram na Líbia o principal suspeito pela morte do Embaixador americano
J. Christopher Stevens e outros três
americanos. O assassínio do embaixador Stevens resultou de ataque terrorista à
missão americana em
Benghazi, e a
instalações vizinhas, utilizadas pela CIA.
Segundo
investigações posteriores, do Congresso e de comissões especiais, a ação em
apreço fora tornada possível por segurança deficiente no ‘compound’ americano, inclusive
no que dizia respeito à proteção do chefe da missão. O ataque em que morreram
quatro cidadãos americanos, inclusive o Embaixador, se efetuou na noite de onze
de setembro de 2011.
Detido em navio de guerra americano, o suspeito, Ahmed Abu Khattala, levado
em seguida a New York, e daí transportado de helicóptero para Washington. Na
capital, neste sábado, 28 de junho corrente, compareceu perante um juiz, para o
respectivo indiciamento relativo a três imputações, a cargo do Departamento de Justiça, e
relativas à ação criminosa em Benghazi, em setembro de 2011.
Por
intermédio de seu advogado, o suspeito alegou inocência.
( Fontes:
Folha de S. Paulo, The New York Times )