A reação popular em São Paulo ao aumento do bilhete único foi muito mais forte do que no Rio de Janeiro.
E, no entanto, conforme se verifica pelo anterior, em que trato do preço da passagem, e de suas condições de aplicação nas duas principais metrópoles do país, o carioca dispõe de condições ainda menos favoráveis (com mais 25 centavos do que o paulista que tem bilhete único, incluindo o metrô e mais uma hora de duração).
Se houve excessos nas manifestações – com pichações de imóveis públicos e tombados, além de vandalismo atingindo também a bens privados -, a violência esteve muito presente na polícia militar. Na quarta jornada, segundo a Folha de S. Paulo, “a reação agressiva da polícia agravou os confrontos. A série de bombas de efeito moral lançadas por PMs apavorou pedestres e motoristas, que chegaram a abandonar os carros nas ruas. Jornalistas foram feridos. Dezenas de manifestantes foram presos, muitos deles antes mesmo do começo do ato. (...) Na rua da Consolação, onde manifestantes tentaram passar por bloqueio da PM, a Folha presenciou um policial agredindo, com chutes, um manifestante já imobilizado, no chão.”
Dois jornalistas da Folha foram atingidos no rosto por disparos de bala de borracha da Tropa de Choque da PM. A repórter Giuliana Vallone foi ferida no olho esquerdo. De acordo com testemunha, “um policial mirou e atirou covardemente nela”.
Essa reação das chamadas forças da ordem relembra episódios da ditadura militar, nas suas investidas contra as passeatas.
A Anistia Internacional manifestou a sua preocupação no que concerne à desenvoltura na repressão. Há jornalistas detidos, além de um número grande de manifestantes, a que se aplicaram acusações de ilícitos penais não afiançáveis.
Na saraivada da reação do governo estadual em São Paulo, a acusação genérica de formação de quadrilha provoca estranheza ao ser aplicada a protestos da cidadania contra a elevação de tarifas.
Se temos de conviver com o exercício da democracia – que pressupõe o direito de manifestar, de forma civil, a própria inconformidade com a elevação dos preços de transporte público – carecemos de criar um ambiente consentâneo a tais demonstrações.
Confrontar os manifestantes de forma agressiva – de que outra maneira descrever as bombas de ‘efeito moral’, as balas de borracha e o emprego da brutalidade indiscriminada – não constitui a melhor maneira de preservar, de uma parte, o direito do usuário de expressar a sua inconformidade com alças abusivas no preço das passagens, e de outra, de criar condições para que o restante da comunidade tenha respeitado o seu igual direito de ir e vir.
Muita vez, o despreparo da Polícia Militar para lidar com esses fenômenos – manifestações civis, se regradas, não devem confundidas com tropelias ocasionadas por alegadas quadrilhas – representa o estopim para acirrar os ânimos, e transformar protestos de cidadania em supostas confusões de rua.
A educação cívica pressupõe o respeito mútuo, em que o policial respeita o manifestante, e vice-versa.
O nosso aprendizado democrático tem de passar por aí. Se o vandalismo é inadmissível, também o é a violência da PM, que muita vez se esconde por trás do biombo do suposto desacato à autoridade.
A democracia, como regra geral, deve prescindir da violência, venha ela fardada ou não.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
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