sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Difícil Reforma Imigratória

                                     
         Em sessão solene, com a presença do Vice-Presidente Joe Biden – que preside o Senado e tem o voto de Minerva – os senadores votaram das respectivas carteiras (procedimento reservado às grandes ocasiões) o projeto de lei de reforma da imigração.
         Apesar de ter trinta e dois votos contra (vindos do GOP), a proposta foi considerada pelos padrões atuais como bipartidista, eis que contou com 68 a favor (incluídos catorze republicanos).  O último obstáculo do filibuster havia sido superado na véspera por votação idêntica (é necessária maioria de sessenta sufrágios para pôr termo a essa manobra dilatória, pelo regimento do Senado, e o que deveria ser recurso extraordinário virou rotina). Tal aprovação sinalizara que a passagem da medida pela Câmara Alta já era certa.
        Para colher o placet do Senado, e em particular do Partido Republicano, o Presidente Barack Obama e os democratas tiveram de pagar um alto preço. A despeito da maciça votação dispensada a Obama sobretudo pela comunidade latina (de origem hispânica) – que foi um dos fatores de sua vitória contra Mitt Romney, o GOP persiste na sua má-vontade contra os imigrantes. Dessarte, a discussão sobre a segurança nas fronteiras – como um limes romano, a fronteira sul (com o México) será reforçada, com o dispêndio de US$ 46 bilhões (dos US$ 8 bilhões originários), que se gastará não só na elevação da cerca, mas também em dobrar para 40 mil o número de agentes. Condições sine qua non incluem a finalização dos 1.170 km de muros.  Especifica-se, igualmente, que a dita reforma só poderá ser implementada quando tais medidas foram efetivamente realizadas.
        Como se verifica, é alto o preço do preconceito e da resistência etnocêntrica. Sem embargo, como nos ensinam Arnold Toynbee[1] e o próprio autor americano Robert D. Kaplan, a eficácia de tais medidas para proteger o limes[2] está votada ao malogro no médio prazo. Foi assim no Império Romano, e a história se repetirá com os EUA.
        A lei, se aprovada pela Câmara de Representantes, pressuporá um moroso caminho para a ambicionada legalização: o candidato começa pelo fim da fila, se submete a - prova de proficiência em inglês, - verificação de antecedentes criminais  - e pagamento de impostos atrasados.  Superadas as exigências da burocracia, os imigrantes poderão enfim legalizar o seu status, com a obtenção do ambicionado green card (visto de permanência) e, por fim, a cidadania ! As primeiras estimativas orçam o procedimento global em treze anos !
        Há outras especificações quanto à concessão de vistos (até duzentos mil por ano), abrangendo trabalhadores de alta e baixa qualificação (além dos vistos temporários para os bóias frias da agricultura).  Além disso, os patrões terão que verificar o status imigratório do contratado.
        Todas essas especificações, com os encargos suplementares impostos aos candidatos ao Eldorado, trazem o ranço de uma má-vontade que não pode disfarçar, no entanto, o quanto é desejado e necessário esse aporte do imigrante latino-americano. A dinâmica está em seu favor, malgrado as aparências, mas a trilha, por enquanto, será árdua.
         Tudo isso, é claro se a Câmara de Representantes quiser entrar nesse barco. A pressão política será forte, e a pujança inercial do processo posto em marcha pelo Senado não pode ser ignorada.
         No entanto, não se pode tampouco esquecer que, em função da incompetência política do novel Presidente Barack Obama no seu primeiro biênio, foram criadas as condições por que os democratas fossem batidos na eleição de 2010 pelo famigerado ‘shellacking’ (tunda). A direita radical do movimento Tea Party (financiado pelos irmãos petroleiros Koch), junto com o GOP montaram a maioria republicana na Câmara. Essa predominância, graças ao gerrymandering[3] realizado por muitas assembleias estaduais, sobreviveu à vitória democrata na reeleição de Obama. O artificialismo da maioria republicana na Câmara - que encolheu um pouco, mas não o bastante em 2012 - permite a permanência de John Boehner, como Speaker, e toda a estrutura da Casa de Representantes nas mãos dos conservadores e radicais do GOP.
        Daí, não surpreende que Boehner tenha reagido com ameaças à votação no Senado. A dependência da bancada republicana da vontade da Nação está condicionada ao dito artificialismo das respectivas condições relativas à sua eventual recondução, mas essa aparente rigidez não é imune ao bom senso, e à eventual realização de que a sua responsabilidade em ditar o fracasso da proposta aprovada pelo Senado poderá ter as consequências do chamado quanto pior, melhor,  expondo a responsabilidade do GOP em ditar um eventual malogro na questão imigratória, o que por sua vez implicará em dissídio ainda maior das comunidades latinas e asiáticas, levando ao apoio sempre maior para o partido Democrata.  
        A esperança de efetiva cooperação da Casa de Representantes – o que pressupõe apoio à proposta do Senado, e não uma contraproposta desfigurada da Reforma Imigratória, ou mesmo a sua rejeição – parte do princípio de que a maioria do GOP na Câmara pode ser radical pela própria origem, mas, se presume, não deve ser burra. Terá, por conseguinte, diante de si o desafio de uma resposta construtiva a esse desafio nacional, se ela pretende agarrar-se às precárias condições responsáveis pelo seu controle da dita Casa de Representantes.
 

 
(Fontes:  O Globo,  International Herald Tribune )



[1] A.J.Toynbee,  Um Estudo da História.
[2] Limite romano.
[3] Modificação nos limites dos distritos eleitorais de forma a conferir vantagem indevida a um dos partidos.

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