Em verdade, o Brasil, essa Terra da Santa Cruz, não deixa de surpreender-nos. Descoberto oficialmente por Pedro Álvares Cabral a 22 de abril de 1500, com o desembarque a 23, antes que a frota seguisse para as Índias, elaborou Pedro Vaz de Caminha, como escrivão da Armada, carta a el-Rei D. Manuel, o venturoso, relatando o descobrimento e os primeiros pormenores das novas possessões. E não é que nessa correspondência, que permaneceu inédita por tanto tempo na Torre do Tombo, Caminha julgou oportuno inserir um pedido pessoal ao monarca, para atender um parente seu ?
Desse modo, o que mais tarde se apelaria fisiologismo já marcou a comunicação oficial – trazida para a metrópole por uma das treze naus que compunham a maior armada até então destinada pelo reino a alto mar – enquanto as demais rumavam para as Indias e o massacre de Calecute. A missão de Cabral não seria tão exitosa quanto a de Vasco da Gama, retornando a Portugal sete naus, duas delas sem carga (as demais carregadas com pimenta e especiarias). Terá sido a crueldade de Cabral nas Índias – diferindo do humano tratamento dado aos índios na Terra de Santa Cruz – que o terá doravante afastado do comando da armada, a ser de novo concedido a Vasco da Gama.
Muitas perguntas restam sobre o que causara o estranho desvio da esquadra, antes de demandar a já tão conhecida rota das Índias. Oficialização de um descobrimento já feito, e que D. Manuel decidira não mais deixar em segredo, antes que algum outro aventureiro desse com os costados nesses vastos domínios, para reivindicar-lhe a posse para alguma outra potestade cristã ? Pois é difícil engolir a história oficial do caráter acidental do descobrimento, dada a notória experiência lusitana nesse mister.
Será que é preciso ir tão longe para entender o fisiologismo de tantos brasileiros ? Esta válida pergunta me foi suscitada pelo comportamento dos ministros do Tribunal de Contas da União, logo imitado por tantos meretícimos juízes por esses brasis.
Pois não é que descobriram nas arcanas leis disposições que asseguram o auxílio-alimentação. Nesse sentido, os ministros do colendo Tribunal de Contas tomaram a vanguarda, votando para si mesmos a atribuição dessa vantagem, que reputaram lhes seria devida. E como sói acontecer, havia a questão dos atrasados, que os senhores membros do egrégio tribunal que, supostamente, devem examinar as contas da Administração Pública reputaram ter, por igual, direito a receber.
Não é que esse exemplo foi graciosamente acolhido pelos juízes togados e desembargadores de oito estados da União (v.g., Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Pernambuco,Roraima, Sergipe e São Paulo !).
No entanto, o Conselheiro Bruno Dantas, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) resolveu, por liminar, suspender o pagamento retroativo do tal auxílio-alimentação, que se estende a magistrados aposentados e em atividade, além de pensionistas dos citados tribunais.
Causa pasmo a imaginação do legislador. Para que serve o tal auxílio-alimentação ? Não se trataria, acaso, de um bis in idem (i.e., o mesmo para o mesmo), porque para a malta dos demais funcionários a remuneração já presume uma parcela para os respectivos alimentos. É estranhável, por conseguinte, que ora se invente mais esta pleonástica disposição e ainda por cima se julgue cabível que sejam concedidas de forma retroativa.
Segundo o CNJ, foram pagos R$ 249,3 milhões de auxílio alimentação a magistrados em 12 estados. O que mais pagou atrasados foi o Estado do Rio, com R$ 56,1 milhões. Desse total, R$ 49,6 milhões para juízes em atividade; R$ 693 mil, aposentados; e R$ 192 mil, pensionistas. Um magistrado do Rio recebeu sozinho R$ 68.116,27.
No seu despacho-liminar, o Conselheiro Bruno Dantas, do CNJ, só contestou o pagamento a aposentados: “ O auxílio-alimentação é verba que possui caráter eminentemente indenizatório, destinada a custear despesas alusivas à alimentação do magistrado em atividade, daí porque o benefício não pode ser estendido ou incorporado pelos membros na inatividade.”
O plenário do CNJ se pronunciará acerca da liminar em tela, acatando-a ou não.
O próprio conselheiro ponderou que a questão ainda não foi objeto de decisão do Supremo. De todo modo, há vários precedentes no sentido de que verbas dessa natureza não possam ser pagas de forma retroativa.
O que fica esquecido no caso é a validade do auxílio alimentação. As remunerações de Suas Excelências, além de serem atualizadas a cada ano, não são porventura suficientes? E qual o outro trabalhador, seja de alto, médio ou baixo posto, que faz jus a esse tipo de auxílio, que nos vencimentos dos demais mortais já se acha incluído no montante total ?
( Fontes: O Globo, Enciclopédia Delta Larousse )
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