quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Crise Começa pelo Governo

                                   
         As manifestações do passe livre podem ser atacadas por representantes de direita e esquerda, enquanto a presidente as elogia, quiçá na tentativa de inseri-las na longa lista de tantos movimentos de muita grita e pouco futuro.
         No entanto, a aliança do cinismo e da corrupção encontra um desafio maior, pela orgânica incapacidade de seus corifeus de acreditar na possibilidade de que existam causas fundadas no interesse da coletividade, e não nos próprios inconfessáveis propósitos de grupelhos, ávidos de vantagens privadas vestidas de trajes públicos, no sovado mas sempre proveitoso figurino patrimonialista.
        Tem demasiadas causas a pacífica revolução saída das ruas de São Paulo e logo irrompida no Rio de Janeiro, e em seguida por todos esses brasis. Se o governo paulista acreditara possível sufocá-la através da violência da polícia militar, fê-lo fundado na triste experiência da ditadura permanente, em que o protesto popular será sempre havido como desordem e tropelia.
        A exemplo da fábula, a truculência dos PMs se quebraria na fonte demasiado visitada e vilipendiada. Por baixo de linguagem patronizante, na provada fórmula do populismo em todos os seus avatares, e sem estruturas partidárias confiáveis (até a UNE foi cooptada !), o povo e sobretudo os jovens criaram as suas lideranças. Não havia melhores condições para tanto. Além da insensibilidade dos governantes, a carga brutal de imposição tributária, de maus serviços e de menosprezo de comunidade soterrada pela avalanche de impostos, a par das obras faraônicas dos estádios monumentais, construídos sob as prescrições dos anões da FIFA, tudo isso e tantas coisas mais arrastaram a multidão de jovens e menos jovens a levantar a cabeça e a reclamar a atenção da gente dos palácios.
        A princípio, eles enfrentaram a odienta hipocrisia das armas de “efeito moral” – bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e, no seu cúmulo, as balas de borracha, ditas não-letais.  Por trás desses meganhas, atuantes, entre outros lugares, e não só em São Paulo, mas no Rio e em Belo Horizonte, estava a perene arrogância do poder, que vê nas manifestações da rua tão só a arruaça ou até – na fórmula absurda e desonesta dos leguleios de plantão – formações de quadrilha.
          Esta arrogância se expressaria duplamente: nas negativas peremptórias quanto à impossibilidade de qualquer redução no preço das passagens, senão no emprego da violência oficial, de que as Polícias Militares são o exemplo. A sua permanente utilidade – a serviço dos militares, e agora dos civis – mostra a urgente necessidade de que sejam elas submetidas a  reeducação política, para que lhes nasça a consciência de que estão a serviço da população, e não dela instrumentos de repressão. Nada tem de utópica essa sugestão, que foi aplicada na Alemanha pelo princípio da liderança interior, de modo a dissociar exército e formação militar da pecha do nazismo.
         A vitória das manifestações populares – que ainda persistem – mostra sobejamente o limite da autoridade. Os nossos governantes, depois de eleitos, depressa se esquecem  da respectiva origem popular do sufrágio. Talvez o significado maior do movimento do passe-livre, nascido em São Paulo, continuado no Rio e, em seguida, por todos esses brasis, está na assunção pelo Povo Soberano de seus direitos inalienáveis. Não basta o preâmbulo da Constituição para que se tenha presente a autoridade – que funda todas as outras – do Povo Soberano.
       O movimento da juventude paulista e brasileira se assinala por vários basta. Não é por tostões, mas por direitos que na verdade esta gente desceu às ruas e logradouros, enfrentando as formações do poder delegado, que sói acreditar-se vestido da legitimidade no uso da violência repressiva.
       Vemos ora nos reclamos das altas autoridades, seja do governo Geraldo Alckmin, seja do novel Prefeito Fernando Haddad, seja no olhar atravessado do prefeito Eduardo Paes, seja na aparente mansuetude do governador Sergio Cabral, as expressões conformadas de quem teve de engolir o que lhe foi prescrito por alguém por muito tempo esquecido de que é a fonte de todo o Poder.
        O Palácio se olvida a maior parte do tempo deste princípio singelo  que é o fato de que todo o poder vem do Povo soberano, e que, portanto, só deve ser exercido conforme o interesse dele próprio.
        A nossa Presidenta, que pelas suas inabilidades e falta de experiência política é a bola da vez em termos de responsabilidade, tratou de correr pressurosa para receber em São Paulo as instruções do Lider Máximo, Luiz Inácio Lula da Silva.
       Por não haver na Constituição Federal tal preceito, as cousas vão mal na República. Não me animaria a dizer que Dilma Rousseff é a responsável por esse estado de coisas. O responsável é o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, que apesar de simples cidadão, não é comum (como tampouco o é o seu aliado José Sarney). Consoante o que diz, ele tem eleito vários postes por esse Brasil afora. Todos sabemos quem é o maior deles, e quiçá esteja nesta circunstância o princípio de muitos erros.
       Por ora, nas ruas se alevanta um outro poder – que é contra não só os aumentos indevidos nas conduções públicas, a brutal e estúpida carga tributária, mas também contra a corrupção, a Pec-37, e tantas outras que grassam por todos esses brasis. Se por fim o gigante dá mostras de ter acordado, que ponham as barbas de molho todos os fâmulos, cortesões e vis aproveitadores da cousa pública.
       Para eles, os tempos correm o risco de se tornarem interessantes, na velha fórmula chinesa das horas de provação. O Povo soberano está nas ruas. Para quê, quem viver, verá.

 

 
(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

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