Antunes, o Conquistador (9)
Lentamente, vai adentrando os espaços que restam por serem explorados.
Embora esteja no seu
apartamento, a sensação que experimenta
é de estranheza. Invade áreas que se bem sejam suas, naquela hora as vê
transformadas em recantos do desconhecido.
Aos
poucos, o exame dos lugares o irá tranquilizando. Com a exceção de tantas
cousas fora de seus lugares, ali nada de terrível acontecera.
Gradualmente, Antunes se pilha recuperando o próprio controle.
Sem embargo, à medida que as batidas
cardíacas se normalizam, e a impressão se firma de que o pior não ocorreu,
outras percepções se insinuam. Ouvira dizer que o diabo está nos detalhes, e
naquele instante compreendeu de que se tratava.
Se nada de importante ali acontecera, nada
que pusesse o seu apartamentinho na primeira página da Luta Democrática e dos demais diários sensacionalistas, não escapou
a Antunes que lá existia fundamento para registro de ocorrência policial.
Pelos
dados que coleta na mente, várias roupas e outros pertences seus não tinham
sido desdenhados por Corina de tal,
corista de espetáculo de variedades na Praça Tiradentes. Para azar dele, lhe
dera tempo suficiente para juntar numa trouxa, com os lençóis de suposta noite
de amor, o que de melhor possuía no modesto guarda-roupa... O único haver salvo
fora o seu pé-de-meia – uns míseros dois contos de réis – que ele escondera em
canto à prova de larápio.
Vítima de
um arroubo romântico, Antunes acusa o golpe, mas não deixa de apegar-se ao
orgulho singelo da gente do norte. Mais grave do que a perda material, seria
para ele o ridículo de ter sido ludibriado por uma reles corista de teatro de
revista.
Para
manter aquele segredo de honra – que não era decerto hermético, pois o
faxineiro do prédio bem podia ter bispado o que levava a fulana na trouxa com
que fugira do apartamento do reservado Antunes – o nosso herói diria ao Tavares
da sorte que tivera com a corista do Walter Pinto...
Da
ocorrência policial, do escândalo na porta do teatro, e coisas do gênero, nem
pensar...
* * *
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