domingo, 23 de junho de 2013

Colcha de Retalhos A 22

                                       
Aumenta o déficit externo

            No passado, a balança comercial, com os seus largos superávits, ajudava o Brasil a equilibrar as próprias contas. Tal não acontecerá em 2013. A primeira estimativa do Banco Central para o saldo do balanço de mercadorias fora orçada em torno de US$ 15 bilhões. O Banco Central, no entanto, se viu forçado a rever a estimativa, baixando-a para menos da metade em 2013, com um pífio superávit de US$ 7 bilhões. Tal se deve, por um lado, a menor demanda estrangeira de commodities (produtos de base), que continua a ser o forte da pauta brasileira de exportações. Por outro lado, cresceu deveras a procura pela indústria nacional de bens de capital do estrangeiro, com  correspondente maior peso nas importações. Além disso, as compras de petróleo e sobretudo de gasolina pela Petrobrás, por falta de suficiente capacidade de refino pelas nossas indústrias acarreta uma carga adicional de importações para o Brasil. A falta de investimentos no setor – e a circunstância de a Petrobrás ser por vezes obrigada a praticar preços fora do mercado (e portanto com prejuízo) por considerações macro-econômicas, vem a constituir mais um fator negativo com vistas à formação de um saldo positivo maior na balança comercial e, em consequência, um menor fundo para inteirar o balanço de contas correntes.
           Nesta balança de contas correntes – que é tradicionalmente deficitária no Brasil – se as despesas de brasileiros em viagem ao exterior tem sido bastante salgadas – a par de os turistas estrangeiros estarem dispendendo menos em nossa terra – a perspectiva com a desvalorização do real perante o dólar estadunidense pode acenar com alguma luz no fim do túnel. Com efeito, é muito provável que a farra em dólares do turista nacional diminua por força de passagens e gastos de estada consideravelmente mais altos, causados pela queda no valor do real e, em consequência, o maior dispêndio individual para cobrir as viagens externas. Caindo as vantagens comparativas nesses deslocamentos, o turista de Pindorama tenderá ou a gastar menos no Norte maravilha, ou a conformar-se, e passar as suas férias no território nacional.
           O encarecimento do dólar americano é um fenômeno geral e tem a ver com a recuperação progressiva da moeda estadunidense, e das prováveis mudanças do Federal Reserve Bank em relação à cotação de juros. O Ministério da Fazenda zerou o IOF (imposto sobre operações financeiras), com o intuito de atrair investidores em dólares. O resultado extremamente favorável não se fez esperar: nos dezenove primeiros dias de junho entraram U$ 4,9 bilhões para aplicação financeira, soma superior ao total de janeiro a maio, que foi de US$ 4,2 bilhões.
             Por outro lado, a inversão em IEDs (investimento estrangeiro direto) segue favorável e acima do esperado. Em junho, entrou no país US$ 3,9 bilhões em IEDs, bem acima da expectativa. A previsão do B.C.  para todo o ano continua em US$ 65 bilhões.
            Duas considerações: a inversão em IED, por ampliar a capacidade das fábricas aqui instaladas, é superior àquela em aplicação financeira, que tem um caráter mais especulativo.
            Por outro lado, o atrativo do Real tenderá a ser menor em relação ao dólar estadunidense. Em junho, US$ 3,5 bilhões em investimentos na Bovespa saíram do país. Com o incremento dos juros – e a correspondente maior vantagem para o investidor em comparação com economias que mantêm taxas mais baixas – há possibilidade de que, para tais inversões especulativas, o resultado venha a ser positivo para o Brasil.

 
O longo asilo do Senador Roger Pinto

               O asilo de mais de ano na Embaixada do Brasil do Senador boliviano Pinto – desafeto do presidente Evo Morales  parece afinal encaminhado para a solução. Em se tratando de asilo diplomático, há duas situações possíveis: (a) ou ele perdura com prazo indefinido, que é a chamada situação Haya de la Torre, em que a autoridade territorial de então se negou por anos a fio em conceder-lhe o salvo-conduto; e (b) a autoridade territorial concorda em que o asilo termine com a saída da embaixada do asilado, que tem o trânsito assegurado até o aeroporto (ou porto, ou estação ferroviária), de onde ele parte para o país que lhe concede o asilo territorial.
               A vontade política que torna possível o fim do asilo está expressa em documento pelo qual a autoridade do Estado em que se refugiou o asilado assegura o seu respectivo livre trânsito, por meio de documento, que é o salvo-conduto.
               Até o presente, malgrado as boas relações entre Brasil e Bolívia, e em especial a liderança do P.T. e o presidente Evo Morales, o governo boliviano tem negado a concessão deste documento, alegando a periculosidade do Senador Roger Pinto.
               Segundo o noticiário da Folha, Evo Morales estaria disposto a permitir que o asilado saia da embaixada e vá para o Brasil. Ainda nesse contexto, se noticia a ‘solução diplomática da crise’, solução esta que traduza a boa vontade da autoridade territorial em permitir a partida para o Brasil do asilado. Para tanto, se compromete em não obstaculizar-lhe a partida.
                Como estamos na América Latina, o Governo da Bolivia se recusa – por razões não declinadas – a emitir o citado salvo-conduto. Não obstante, o governo brasileiro – que concederá ao senador o asilo territorial – semelha de acordo com esse estranho ‘arreglo’ em que o documento exigido pela praxe secular desse asilo – e de sua terminação – que é o dito salvo-conduto não será disponibilizado para o chefe da missão que concede abrigo ao asilado, para que a citada situação seja resolvida de forma definitiva.
                 Diante disso, só se pode afirmar que: se o Brasil, através de seu representante legal, concordar com essa esdrúxula solução, tanto o asilado, quanto quem concede o asilo, não terão segurança legal de que o procedimento será respeitado, e que o asilado seja encaminhado incólume, pelo meio de transporte adequado, ao seu destino em território brasileiro.

 
Angela Merkel x Recep Erdogan  

                  A Chanceler Angela Merkel condenou a repressão política na Turquia aos manifestantes que pedem a saída do Primeiro Ministro Recep Erdogan. A esse respeito, Frau Merkel se disse ‘chocada’ com as cenas da violência policial empregada para a desocupação do parque no centro de Istambul.
                  A intervenção da Merkel deu ensejo a Erdogan de levantar o diapasão na defesa dos brios do estado turco. Satisfações diplomáticas foram exigidas e contra-exigidas, pelos respectivos ministérios em Âncara e Berlim, com a convocação dos respectivos embaixadores, que terão o cuidado de defender os próprios chefes, sem incorrer em maior desdouro da autoridade local, o que, nessa hipótese improvável, implicaria na sua sumária expulsão do posto.
                 Não é de crer-se que as coisas cheguem a tal ponto de parte do senhor Erdogan. Quanto à Chanceler Merkel, seria tida pelo governo turco como uma das principais causas de que a Turquia não logre o seu ingresso na União Européia.
                 Como se sabe, existe uma comunidade turca de antigos imigrantes (cerca de dois milhões) – acolhidos pela Alemanha como Gastarbeiter (trabalhadores convidados), para suprir as deficiências da RFA em termos de mão de obra.
                 A crer-se, o Ministro turco para a União Européia, Egemen Bagis, Frau Merkel estaria tentando ganhar votos ao criticar o governo de Âncara, eis que a próxima eleição para o Bundestag (assembleia federal) na Alemanha será em setembro vindouro. Por ora, é pouco provável que a Chanceler desça a esse nível. Como a candidatura turca se encontre mal parada, por uma série de motivos que aqui não cabe desenvolver, o melhor para ambas as partes será deixar a questão no nível em que ela hoje se encontra.

 
A  Cura Gay.

                 Se alguém acordasse de um coma prolongado e fosse informado de que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados aprovara o projeto de decreto legislativo 234/11, apelidado de ‘Cura Gay’, a sua primeira instintiva reação seria duvidar da veracidade da notícia. Provavelmente, se perguntaria como a presidência do PT na Comissão teria permitido tal sandice.
                  Na verdade, essa indagação teria objetivamente razão. O  PT desinteressou-se da presidência desta comissão e ao invés de cuidar por que ela fosse adequadamente preenchida, a deixou disponível para a franja evangélica. O próprio Presidente Henrique Alves (PMDB/RN) não terá dispensado à dita Comissão sequer a sua benigna negligência. Ocupado em amealhar votos para a respectiva eleição, julgou ter questões mais importantes para tratar.
                 No particular, a atuação do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) é digna de nota. A sua operação de empolgar a presidência da Comissão de Direitos Humanos teve dois resultados que chamaram a atenção: (a) o pastor evangélico passou do dia para a noite de um obscuro deputado do baixo clero para expoente da reação conservadora na testa de Comissão; (b) a CDH saíu do seu letargo e de aurea mediocritas para transformar-se em arena circense de manifestações, que, apesar de tudo, trouxeram água para o moinho do pastor.
                 Uma das perguntas que se colocam é de saber onde estava a Secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosario (PT/RS), que, no mínimo, não alertou as cabíveis instâncias para as implicações de o deputado Marco Feliciano assumir a CDH. Mais uma vez surpreendida por iniciativa do presidente Marco Feliciano, Maria do Rosario ora condena a votação: “O projeto significa um retrocesso na medida em que não reconhece a diversidade sexual como um direito humano. Quando se fala em cura, se fala na verdade que as pessoas estão doentes. Somos cientes da responsabilidade de dialogarmos mais para que o projeto não venha a ser aprovado.”
                 Dentro de linha retrógrada e preconceituosa, o projeto legislativo, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), suspende dois trechos de resolução do Conselho Federal de Psicologia, que determinam aos psicólogos não colaborarem em eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades; assim como a não participar na mídia de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais.     
                  Acresce assinalar que o projeto do deputado Campos  foi rejeitado pelo CFP, que também se recusou a participar de audiência pública na Câmara para debater a aludida iniciativa.
                  Fundado na suposta existência de uma bancada evangélica na Câmara com oitenta deputados, o deputado Marco Feliciano deleitou-se com a oportunidade de vir a público – em uma hora tomada pelo movimento do passe livre – para brandir ameaças tanto para a ministra, quanto para ... a presidenta. Assim, no seu ‘recado’ à Ministra Maria do Rosario: “é muito perigoso dizer que o Governo vai interferir no Legislativo. É perigoso porque ela mexe com a bancada inteira... Acho que ela está mexendo onde não devia. Senhora ministra, juízo, fale com a sua presidente porque o ano que vem é político.”                        

              

 Derrota de Cristina Kirchner

                  O neo-populismo chavista sofreu importante revés na Argentina. O empenho da presidente Cristina viúva de Kirchner em obter maior controle do judiciário tropeçou na decisão da Suprema Corte, que declarou inconstitucionais os artigos centrais da lei nr. 26.855, aprovada recentemente pelo Legislativo.
                  Por seis votos contra apenas um a Corte ratificou a sentença da juíza Maria Servini de Cubria, que derrubara os artigos da citada lei, que aumentara de treze para dezenove os membros do Conselho da Magistratura, encarregado de designar e julgar a atuação dos juízes de todo o país.
                 Por conseguinte, o Conselho continuará funcionando com treze membros designados por seus pares. A presidente e o peronismo intentavam quebrar a neutralidade da magistratura, com a pretendida eleição de nove membros através de eleições populares, o que se procederia juntamente com as eleições para a Câmara e o Senado.
                 A respeito, Alejandro Fargossi, membro do Conselho da Magistratura, observou: “Estamos muito satisfeitos. Se esta lei tivesse sido confirmada, estaríamos nos transformando na Venezuela.”

 
Perseguição política na Ucrânia

         Com a esperteza dos tiranos, Viktor Yanukovich nada faz para atender aos insistentes reclamos pela liberdade para a perseguida política Yulia Timoshenko, há anos enfurnada em um lazareto em Kharkov, na Ucrânia.
         Em iniciativa do governo de Angela Merkel, a Alemanha se disse pronta a transferir via aérea, do  cárcere no interior da Ucrânia para hospital especializado para tratamento de seu sério problema de coluna, a ex-Primeiro Ministro Timoshenko.
        Yanukovich tem procurado desviar a atenção da gritante injustiça contra a líder da oposição, com manobras de liberação de alguns líderes de menor importância do partido da Timoshenko, em uma bisonha tática de ganhar tempo, enquanto mantém a prisão política de sua principal adversária no cenário ucraniano. Por conta da judicialização do processo político naquele país vizinho da Federação Russa, a associação de Kiev à União Europeia está em compasso de espera.

 
O Calvário Grego

         A coalizão helênica tripartite sofreu um abalo com a iniciativa do Primeiro Ministro Antonis Samaras de fechar a emissora estatal, em decisão que teria sido tomada à revelia dos outros partidos (Pasok e Esquerda Democrática), que apoiam o governo.
        Com o desemprego de 27% e após de recessão – desde a implosão do modelo helênico e a consequente crise na U.E., e a aplicação in extremis da austeridade – a Grécia continua a arrastar-se, sob os olhos do sistema europeu.
         Sendo a convocação de eleições antecipadas remata loucura, o gabinete Samaras se reconstituiu com a diarquia da Nova Democracia e do Partido Socialista, e com o apoio externo da Esquerda Democrática, que sai do gabinete.
        Nesse sentido, o editorial do Kathimerini emite opinião largamente partilhada: ‘Se isto não é suicídio, é auto-mutilação que deixará o sistema político cronicamente instável – ou o Primeiro Ministro Antonis Samaras convoca eleições ou tenta prosseguir de forma capenga (limp on)’.
        Vista de fora, essa atitude não seria muito diversa de o que vem acontecendo na República Helênica, que sobrevive como verdadeira refém de potencial mega-crise financeira, a qual funciona como uma espécie de botão de juízo no ameaçado mundo da União Européia.

 
A  Eleição presidencial iraniana       

       O significado da vitória do moderado clérigo Hassan Rowhani, nas recentes eleições presidenciais no Irã, carece de tempo para ser analisada. Importa lembrar que presidente na república dos Ayatollahs é autoridade de segundo escalão, subordinada aos ditames do Supremo Líder Ali Khamenei.
      O triunfo em primeiro turno de Rowhani – que venceu os concorrentes radicais – tem sido atribuído em parte à habilidade de Khamenei.
      É importante ter presentes, no entanto, as seguintes considerações:

      - a eleição no Irã é um exercício de democracia subordinada.  A verdadeira oposição, formada pelo movimento verde de Mir Hossein Mousavi e o clérigo Mehdi Kerroubi (ambos se acham muito provavelmente em prisão domiciliar) está mais do que marginalizada;

      -  Mahmoud Ahmadinejad foi criatura do Supremo líder Khamenei, a quem ele deve a fraudulenta eleição de 2009. Posteriormente, o desgoverno de Ahmadinejad foi tolerado pela teocracia, restando determinar a margem de manobra de Rowhani diante do Ayatollah Khamenei.

 
 
( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, International Herald Tribune )

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