terça-feira, 4 de junho de 2013

CIDADE NUA VI -- Estórias Rodriguianas

                               
         Antunes, o conquistador   (1)
       
         Antunes residia na Júlio de Castilhos, no Posto Seis. Não havia muitos moradores no prédio, que ficava perto da Raul Pompéia, então rua tranquila, com muito pouco tráfego.

          Ele era havido na cercania como meio esquisitão. Vestia sempre terno com paletó cruzado, o que intrigava os vizinhos, que se perguntavam o quê fazia, e por que, dado o calor, nunca circulava em mangas de camisa.

          Sendo, no entanto, um tipo fechado, de poucas palavras, nem o mulherio do edifício se atrevia a indagar de seu trabalho. Dado o mistério, e a humana propensão a querer desvendá-los, circulavam a propósito diversas versões a respeito da própria atividade, que íam do prosaico ao cabeludo.

          Entrementes,  seguia com a sua vida. No entanto, se lhe ignoravam a atividade, as moradoras notavam que era homem de horários fixos, tomando o ônibus 12 na avenida Copacabana às 8:30 hs. Regressava em torno das seis, pela mesma condução.

          Como o ponto final desse coletivo ficava na Central do Brasil, supunham que ele, ou trabalhasse no subúrbio, ou descia antes, lá pelo centro. Descontavam que o seu destino fosse mais perto, pois faria mais sentido que, neste caso, preferisse o bonde. Para tanto, havia o doze e o catorze, com itinerários diversos, mas tal alternativa não lhes parecia provável. Nisto, dona Filomena era terminante: nunca o viram ir para o ponto da Francisco Sá, por onde passavam os bondes a caminho da Nossa Senhora de Copacabana. Para mim, completava ela, deve ser empregado em alguma repartição.

          Naqueles tempos, é bom não esquecer, o Rio era a capital da República, e havia repartições federais a dar com o pé.

          Os meses passavam e a rotina não mudava. A única diferença estaria na vestimenta. Naqueles anos, apesar da canícula do verão, as estações eram bastante bem definidas. No inverno, Antunes agregava um pulôver ao terno. Para os atentos olhos de dona Filomena, ele não usava colete, mas alternava a roupa de linho para os meses estivais, e outra de casimira, para os do frio. Embora a indumentária fosse modesta, ele nunca estava mal-ajambrado. Com suas vistas experientes, a vizinha achava que os trajes vinham de lojas de meia-confecção, e que Antunes – vivendo sozinho e sem empregada – sabia manter as aparências, repassando sempre que necessário o friso das calças.

          A curiosidade, ao invés de arrefecer, crescia. Chegaram a conjuminar uma reuniãozinha na casa de Filomena, a pretexto do aniversário da filha. Dos assuntos do prédio, estava o interesse da mãe em casá-la. Chamava-se Júlia e era meio feiosa. Por isso, Filomena, posto que só o conhecesse de bom dia – boa tarde, se abalançou a convidar Antunes para o cafézinho depois do jantar.

          Para a ocasião, chamou mais um par de gatos pingados, mas para os conhecidos estava claro o objetivo da reunião. Assim, com dois dias de antecedência, ela colocara debaixo da porta de Antunes bilhetinho acerca do encontro e do prazer que teriam com a sua companhia.

          Nâo contavam, porém, com a reação do vizinho. De manhã cedinho – por acaso já estava de pé – com igual sorrateirice, ele passou, devidamente envelopada e endereçada,  cartinha em que lamentava não poder comparecer. Para surpresa de Filomena, nenhum motivo foi aduzido para justificar a recusa. Só dizia lamentar e nada mais.

         A velha mordeu os lábios de raiva e chegou a pensar em negar-lhe o cumprimento.  Por fim, pensou melhor, e continuou a dar-lhe bons dias e boas tardes, nas raras jornadas em que seus caminhos se cruzavam.
                                                                     *
                                                                                                                               ( a continuar)

Nenhum comentário: