Antunes, o conquistador (1)
Antunes residia na Júlio de Castilhos, no Posto Seis. Não havia muitos moradores no prédio, que ficava perto da Raul Pompéia, então rua tranquila, com muito pouco tráfego.
Ele era
havido na cercania como meio esquisitão. Vestia sempre terno com paletó cruzado,
o que intrigava os vizinhos, que se perguntavam o quê fazia, e por que, dado o
calor, nunca circulava em mangas de camisa.
Sendo, no
entanto, um tipo fechado, de poucas palavras, nem o mulherio do edifício se
atrevia a indagar de seu trabalho. Dado o mistério, e a humana propensão a
querer desvendá-los, circulavam a propósito diversas versões a respeito da
própria atividade, que íam do prosaico ao cabeludo.
Entrementes, seguia com a sua vida. No entanto, se lhe
ignoravam a atividade, as moradoras notavam que era homem de horários fixos,
tomando o ônibus 12 na avenida Copacabana às 8:30 hs. Regressava em torno das
seis, pela mesma condução.
Como o ponto
final desse coletivo ficava na Central do Brasil, supunham que ele, ou
trabalhasse no subúrbio, ou descia antes, lá pelo centro. Descontavam que o seu
destino fosse mais perto, pois faria mais sentido que, neste caso, preferisse o
bonde. Para tanto, havia o doze e o catorze, com itinerários diversos, mas tal
alternativa não lhes parecia provável. Nisto, dona Filomena era terminante: nunca
o viram ir para o ponto da Francisco Sá, por onde passavam os bondes a caminho
da Nossa Senhora de Copacabana. Para mim, completava ela, deve ser empregado em
alguma repartição.
Naqueles
tempos, é bom não esquecer, o Rio era a capital da República, e havia
repartições federais a dar com o pé.
Os meses passavam e a rotina não
mudava. A única diferença estaria na vestimenta. Naqueles anos, apesar da
canícula do verão, as estações eram bastante bem definidas. No inverno, Antunes
agregava um pulôver ao terno. Para os atentos olhos de dona Filomena, ele não
usava colete, mas alternava a roupa de linho para os meses estivais, e outra de
casimira, para os do frio. Embora a indumentária fosse modesta, ele nunca
estava mal-ajambrado. Com suas vistas experientes, a vizinha achava que os
trajes vinham de lojas de meia-confecção, e que Antunes – vivendo sozinho e sem
empregada – sabia manter as aparências, repassando sempre que necessário o
friso das calças.
A
curiosidade, ao invés de arrefecer, crescia. Chegaram a conjuminar uma
reuniãozinha na casa de Filomena, a pretexto do aniversário da filha. Dos
assuntos do prédio, estava o interesse da mãe em casá-la. Chamava-se Júlia e
era meio feiosa. Por isso, Filomena, posto que só o conhecesse de bom dia – boa
tarde, se abalançou a convidar Antunes para o cafézinho depois do jantar.
Para a ocasião, chamou mais um par de gatos
pingados, mas para os conhecidos estava claro o objetivo da reunião. Assim, com
dois dias de antecedência, ela colocara debaixo da porta de Antunes bilhetinho
acerca do encontro e do prazer que teriam com a sua companhia.
Nâo
contavam, porém, com a reação do vizinho. De manhã cedinho – por acaso já
estava de pé – com igual sorrateirice, ele passou, devidamente envelopada e
endereçada, cartinha em que lamentava
não poder comparecer. Para surpresa de Filomena, nenhum motivo foi aduzido para
justificar a recusa. Só dizia lamentar e nada mais.
A velha
mordeu os lábios de raiva e chegou a pensar em negar-lhe o cumprimento. Por fim, pensou melhor, e continuou a dar-lhe
bons dias e boas tardes, nas raras jornadas em que seus caminhos se cruzavam.
* ( a continuar)
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