quinta-feira, 13 de junho de 2013

Cartas ao Amigo Ausente (X)


                                            X  

    
       

        Meu sempre estimado Mestre Pedro,

 

         beiramos a passagem do terceiro mês da tua, para nós, tão súbita saída de cena.

        Quando atendi o telefonema do Rezende e ouvi de sua voz arrastada e queixosa o prenúncio da morte do amigo comum embutido na expressão “triste notícia”, duas forças se chocaram na mente ansiosa, a um tempo transida de amarga e irracional certeza e aguilhoada pela humana revolta contra o absurdo. Dir-se-ía que fora eu um crítico teatral que assiste atônito aos caprichos de novel diretor, movido pela ânsia da contestação barata, a desrespeitar o ritmo de uma peça, de que pensávamos saber de cor o texto e a evolução, e que, de repente, afasta contra qualquer expectativa o personagem de quem prelibávamos a esperada e decisiva intervenção para a solução de mistério destramente guardado até o último ato. Mais do que perda, a abrupta retirada do palco do protagonista nos turba pela interrupção sem sentido, a recusar-nos com sádico engenho ou estúpida inépcia a tão conhecida mas sempre renovada participação na libertadora catarse de um enredo que, malgrado tantas vezes repetido, sabe guardar o viço de domesticada surpresa.

        Não te inquietes, todavia, diante deste aparente desalinho em nossa correspondência. A introdução semelha apegar-se ao presente, se bem que sob aspecto estritamente pessoal. Trato de inteirar-te da situação de Therezinha, precipitada pelo extemporâneo do passamento, um pouco talvez conforme a tua maneira de ser, no passo estugado com que te lançavas para tomar assento no pullman como se fosse saltar para os degraus da entrada do ônibus, à maneira de antanho nos bondes da Light, a velocidade reduzida pelo solícito motorneiro, e os passageiros pulando para os amplos estribos da viagem de volta à casa.

         E se esse cuidado persiste, tão presente será igualmente o surdo, desentranhável protesto contra os descaminhos do destino, e mais, a raiva vestida de luto que carrega a impotência defronte da morte antecipada, quase tão sem sentido quanto a frase aristotélica, a cujo estudo e análise dedicaste cerca de quinze anos da tua existência. Resulta difícil entendê-la à medida que, com a pachorra dos antigos inspetores de polícia, se procura costurar retalhos à primeira vista incongruentes, tal imagem dadaísta, comparar depoimentos amiúde contraditórios, pensar, refletir, meditar, debaixo da negra sombra de um desenlace inamovível, no baldado intento não de conceber ou enxertar aqui e ali alguma inferência ou dedução, mas, em fim de contas, não tanto compreender mas na verdade aceitar o que, meu pressuroso e voluntarioso amigo, tu tornaste sem remédio.

        Por isso, esta carta, na realidade, não difere muito das anteriores. O presente, esse conceito elusivo e inaferrável, que, como no paradoxo de Zenão, se subdivide em infinitesimais parcelas, e dessarte demonstra a sua lógica inexistência, apontando para um futuro para sempre condenado a ser futuro e, por conseguinte, inatingível e imprevisível, ora este maldito presente nos confronta, a se atravessar e, de certa forma, desestruturar as nossas vidas. Dirás que o Estagirita soube superar a aporia eleática e que, ipso facto, o argumento não é válido. Replicarei que, como o degrau de uma escada, o problema, supostamente ou não, resolvido, permanece e, a fortiori, se afigura ironicamente indispensável para os seus sucessores.

        De modo idêntico, a tua morte clama por uma explicação. Neste caso, porém, não há prestidigitação possível que logre revertê-la, seja por um mágico passe, seja pela sua implacável desconstrução, como se a laboriosa, percuciente realização do desarrazoado constituísse uma espécie de deus ex machina, que viria, para gáudio dos teus amigos, em triunfal socorro do desastrado diretor.

       Baldado será, assim, o esforço do investigador. Neste fait divers não há, convenhamos, suspeitos. Demonstrada está a autoria, e é o bastante para realimentar-nos a negação de interpretação que conduza não ao registro fático e notarial, e sim ao resignado acatamento de uma, digamos, consequência biológica natural. Aqui se fala de prazos e de nada mais. Sabemos o nosso destino, conquanto discordemos sobre o post mortem.

        Mais cogite, mais especule acerca do ocorrido, mais me convenço de que não era chegada a tua vez e a tua hora. O nosso Filósofo acreditava que o cérebro seria um órgão frio e que o pensamento, a razão se situavam no coração. Perdoe-me o amigo pelo afeto da expressão, e no entanto hoje a tua morte se me afigura um arremedo dessa estranha noção dos tenteantes primórdios da ciência médica.

        Agiste por impulso, de forma quase pueril, na afirmação menos de um princípio do que de um vezo. Se o falecer faz parte do nascer e viver, se o fim é uma decorrência do princípio, se a morte pode ser vista como bruta e desapiedada, o homem aprendeu a conviver com a irracional e sempiterna apreensão da sua vinda, primeiro por ignorá-la, mais tarde por considerá-la contingência alheia, e ao fim, ao admitir-lhe a importuna e inarredável companhia.

       Não obstante o destino humano de carpir os entes que entram na barca de Caronte, e a macabra medição do consequente sofrimento, a aceitação, posto que penosa, será sempre menos dificultosa se depara diante dela motivo suficientemente forte para nele arrimar-se.

        Haverá decerto repulsa orgânica, acompanhada de temor sub-reptício e egoístico, que nos induza a não explicitar os fatores, como se encarássemos as Erínias à feição de monstros em letargo. Deixemô-las dormir, por ser imprudente despertá-las, eis que poderiam vir em nosso encalço.

       Amigo Pedro, por isso este longo intróito o encontrarás nas entrelinhas das missivas precedentes, em isoladas menções, e quiçá em frases de bem-comportada admoestação. Não há, pois, nada a fazer, o que talvez já seja um começo.

       Por falar em fazer, há mais de semana que os e-mails relacionados com a tua sucessão se aquietaram. Não me atrevo a afirmar que está tudo resolvido, mas se pode dizer que as principais questões foram atendidas. A rotina do pagamento mensal da pensão vitalícia já se iniciou, aberta a conta em Miami com o número pertinente, e a remessa dos talonários de cheque aguarda apenas que o depósito do seguro se realize.  As nuvens no horizonte concernem à reorganização da vida da Therezinha. Este mês de agosto será ainda atípico, com a gordura extra dos atrasados de junho. A partir de setembro o contracheque refletirá a sua efetiva renda mensal. Sugeri ao Dr. Brito que aconselhe Thérèse a, se possível, não mexer  no capital do seguro, e inverter o dinheiro em time deposits. Basta uma instrução ao banco e ela poderá ter, por exemplo, dois time deposits com vencimento trimestral. O juro é calculado com base na taxa vigente no dia inicial da aplicação e para maior comodidade se autoriza a renovação automática. Quanto aos juros que renderem, ela pode dispor que sejam creditados em conta, ou agregados ao respectivo time deposit. Com a atual elevação da taxa pela Reserva Federal, esse investimento se tornou mais lucrativo. Se a tua esposa souber gerir esta soma, poderá eventualmente comprar algo de que necessite, sem endividar-se e manter um trem de vida um pouco superior àquele proporcionado pelo contracheque do Itamaraty. Cabe ao Dr. Brito, que tem ido semanalmente a Petrópolis, bem orientá-la para que não dilapide o capital. A presença dele se afigura também importante, não só para afastar os mouros da costa, senão para convencê-la a livrar-se de despesas inúteis.

        Como vês, a maior parte das providências se transfere para a Visconde do Uruguai. O meu papel tende, portanto, a diminuir. A propósito, em correspondência com o Rezende de oito de agosto, escrevia eu: “Sem o Dr. Brito não teria sido possível montar o esquema de sustentação da Therezinha. Mantenho com este amigo secreto do Pedro um diálogo constante através da internet. Veja a ironia. Sem o computador, que o nosso Pedro abominava, como seria factível realizar tanta coisa à distância, vencer os óbices burocráticos, valendo-me de apoios pontuais e determinantes. Lá de cima, ele poderá ver que o novo paradigma não é tão feio quanto lhe parecia... Muito pelo contrário.”

        Trocando em miúdos, meu caro amigo, as coisas se vão ajeitando. Em ordem de tentativa prioridade, restam a venda do carro, a decisão de possível mudança e a redução da criadagem, a venda da tua biblioteca e a publicação do “Animal Político”.

         Semelha não haver motivo válido para não vender o automóvel. Hás de convir que a sua serventia é pequena, a par de acarretar gastos permanentes como o imposto anual, o óleo e a gasolina, para não mencionar a conta da oficina, tão corriqueira nos velhos carros. Quiçá o maior benefício de aliená-lo, será a oportunidade de afinal liberar a viúva desse traste que é o Hermes (x), com o pretexto irretorquível de que não há  mais necessidade de chofer.

        Sei o quanto o casal apreciava residir em casa espaçosa, cercada por muros caiados de branco, pátio lajeado e a viçosa, florida vegetação serrana.  Sei, igualmente, que a Therezinha muito aprecia esse pequeno, particular, protegido mundo de que é senhora. Embevecidos, os seus olhos contemplam as alvas cópias de estatuetas neoclássicas que às mancheias lhe compraste, ora disseminadas  pelo verde dos canteiros, como se fossem petrificados visitantes em um jardim de antanho. O problema não seria  tanto o medo que senti também envolver a mansão, as cortinas e venezianas sempre cerradas, quanto limitações mais prosaicas ditadas por fundos insuficientes para sustentarem a simples permanência na rua Visconde do Uruguai, 128, naquele cenário um pouco fora de moda, por ti destinado para entreter as fantasias de uma pessoa enclausurada por audição deficiente e velhos hábitos cristalizados ao longo de cinquenta anos de matrimônio.

        Muita vez, os dispêndios se avultavam diante de ti, crescendo desproporcionais para os recursos remanescentes, que terás visto escorrer como as águas  dos temporais, a entranhar-se na terra ávida e luxuriante da mata atlântica. Na ânsia de atender aos desejos da companheira, que podiam parecer modestos, posto que não cessassem, viste definhar a tua conta bancária. Do solar na larga chácara da Barão do Rio Branco para a residência no terreno do condomínio fechado de Valparaíso, as economias amealhadas em carreira encurtada pela tardia entrada no Itamaraty foram sendo sangradas, quase à feição dos odiados picadores, a quem incumbe debilitar a besta taurina, para que os toureiros famosos, com seus trajes de luces refuljam nos espetáculos da rápida temporada da acanhada plaza de toros quitenha.

        Hoje, o que antes seria leve, inconsequente suspeita, cai dentro de mim com a dureza das amargas verdades. Pedro, agora vejo que a tua existência retornara aos apertos de dinheiro da juventude. Com efeito, o salário creditado em conta estava longe de ser consentâneo com a criadagem, a mansão e os inocentes caprichos da esposa. O próprio Dr. Brito se espantara com a modéstia da tua declaração anual do imposto de renda, preenchida à mão, no modelo verde simplificado. Agora, como compreendo o teu esquadrinhar do contracheque, na busca incansável de erros ou de deduções descabidas, cuja eventual descoberta aumentasse um pouco que fosse a paga, e ainda mais neste instante, me envergonha a minha sobranceira indiferença defronte da suposta perda de tempo em tentar desvelar os arcanos mistérios da contabilidade estatal. Pesa-me dizer-te que agora me confrange a tua incredulidade diante do meu olímpico distanciamento dos ítens e sub-ítens da folha de remuneração. Sem o perceber, marcava eu, e não com risco de giz, a diversidade na condição, e o que é pior, a tua gravosa falta de meios.

       Com a implacável frieza das operações aritméticas, a insensível sobrecarga de uma existência a requerer sempre mais, não é difícil conceber a posteriori o real significado de que a totalidade dos teus haveres se resumia a poupança de dez mil reais na Caixa Econômica Federal. Nada mais possuías, ou, o que certamente corresponderá melhor às tuas perspectivas, a tal nível havia chegado o que dispunhas para uma emergência.

        Como as peças da pancada da véspera se evaporam, sob os raios do meridião, em fugazes, volúveis, iridescentes brumas, assim o teu saldo bancário se viu reduzido a zero, por causa da breve e trágica estada na vizinha casa de saúde, para a qual foste conduzido às pressas, praticamente in extremis.

        Ao repassar a crise que atravessavas, sob a soturna guia da introspecção que nos ajuda a recoser o gobelino dos anos terminais da tua vida, compreendo tantas coisas – as tuas rápidas falas ao telefone, quando me ligavas; a voracidade no restaurante, que acenava com frugais refeições caseiras; as pesquisas no sebão da rua do Carmo, e os livros deixados com o Henrique, para “comprar depois”; o cheque escrito às pressas, na conversão demasiado conservadora, em paga de volumes por mim trazidos do estrangeiro; as postergações dos almoços no Rio e o seu espaçamento nos últimos anos, que erradamente eu atribuía à velhice, e não à hesitação em incorrer em mais despesas; as invectivas contra o plutocrata Roberto Marinho, que não seriam mera implicância, mas raiva visceral diante da acintosa riqueza e das mofinas apoquentações de uma pobreza demasiado próxima.

        No entanto, meu bom e generoso amigo Pedro, existe no teu drama – que pode até explicar a tua primeira negativa de internação – uma gritante contradição. Linhas acima, falo de desembolsos com a criadagem, a mansão e os caprichos de Thérèse. E, sem embargo, mergulho no relato não só de dificuldades financeiras, mas também na importuna aproximação de um sentimento de pobreza, nascido não de fúteis apreensões, mas da diuturna realidade.

       Deparavas, entre confuso e agoniado, reversão lenta porém na aparência inelutável. Gozavas de boa saúde – pelo menos, dizias manter-te à distância dos consultórios médicos, embora não julgaste apropriado confiar-nos a existência do terceiro amigo, por coincidência um clínico que te tomava regularmente a pressão, em almoços quinzenais no Falcone; guardavas a lucidez, a álacre busca do saber e o gosto por um bom chope bem gelado, às vezes com o tempero de um gole da Ipioca do Rezende; se bem que um tanto emagrecido, continuavas de porte desempenado e efusivo nos cumprimentos; em uma palavra, sabias compartimentalizar a angústia da crescente discrepância entre a tua bolsa e as obrigações que, ao invés de dissipar-se nos vales serranos, inchavam sempre mais.

      Este intruso, a roupa sovada e brilhosa, o colarinho puído, os punhos encardidos, não era criatura de romance, mas a reificação da ameaça que sentias sobrepairar acima dos teus  bem-cuidados muros. A cada ano, terás lobrigado esse lento e irresistível avanço, enquanto progressivamente se rasgava o tecido inconsútil com que pensaras envolver o teu projeto existencial. As concessões à tua mulher não constituíam o único fautor da morna e morosa descida para as precisões e vergonhas da necessidade. Representavam, sem dúvida, um componente do quadro, mas a clef de voûte desta construção se acha nos fundos da propriedade, guardada pela coruja de Palas  Atena e encimada pelo dístico Humanitas.

      A contradição se exacerbava, carregada de um fado cruel. Aos livros dedicaras a vida, refugiando-te nos páramos de Quito, não só para manter distância de visitas importunas, mas, sobretudo, para dispor de tempo e lazer, daquela sxolé (3) que seria impensável na azáfama das grandes embaixadas e nas repetidas concessões no comportamento, sob as vistas indiscretas de exíguo grupo que luta por migalhas de um poder, no contexto geral, em verdade medíocre.

     Como em romance da Comédie Humaine, pensarias porventura na aparição da esquálida choldra dos credores e seus prepostos, quando tocasse o dobre da impecúnia? A angústia que bate à porta do futuro devedor, de quem assiste impotente ao irreversível exaurimento das minguadas posses e que perplexo se vê prestes a cair, tangido pela força inercial da geleira da inadimplência, nas agruras do fiado nas vendas e quitandas da vizinhança, nos sobressaltos dos juros escorchantes do cheque especial, e as imagens sombrias, nas noites insones, da penosa passagem sob as forcas caudinas da renovação de míseros papagaios.

      No confinado horizonte da montanha, já entreverias ao longe esse cortejo de mau augúrio. Terás pensado no velho companheiro e presença bissexta nos almoços, que importunava os convivas com a desfaçatez de achacar-lhes uns trocados, sob as constrangidas vistas da dupla ? Só a evocação te faria horror, eis que não eras talhado para esse triste papel.

        E, não obstante, à falta de outros recursos, o quadro sombrio se prefigurava mais do que verossímil, máxime nos fins de mês,  quando o cerco se delineava mais nítido.

        Como poderias contemplar a hipótese da terceira mudança – de fato, uma quarta, se  computado o duplex na Joaquim Nabuco.  Todas essas travessias teriam parte no processo lento e perverso de te tornar o futuro inda mais acanhado. Com a alienação de outro usufruto e a carga dos impostos, que perspectivas te restavam ? Como retirar Thérèse do seu encolhido castelo e trazê-la para um apartamento sem verdes espaços nem lugar para estatuetas que pareciam replicar imagens de daguerreótipos ? Como seria concebível, enfim, arrancar os milhares de livros do anexo, com a imensa escrivaninha e múltiplas estantes, para colocá-los onde ?

       Refarias, então, ao inverso, o longo e largo caminho que os depositara no sobrado que fizeras construir em cima da garagem ? Só que a volta não tornaria para escala na bucólica Barão do Rio Branco e sim infletiria para os desvãos dos corredores, dos cômodos mofinos, e de pé-direito atarracado, quase claustrofóbico, de apartamento em que sequer poderias ambicionar lá dispor parcela importante da biblioteca ?

      A forçada renúncia ao teu ambiente existencial, por acaso terias lograda reprimi-la nos porões do subconsciente, daquele id em que vivem tantas pulsões inconfessas, talvez embalado por sonhos difusos e teimosas procrastinações ?

      Se assim foi, meu caríssimo Amigo, permita-me que contigo me alegre, pois as Parcas te pouparam do sacrifício ignóbil de um atroz, pungente recuo para dentro da caverna, como se os deuses te quisessem castigar pela œâñéò[1]  da posse da tua errante biblioteca, saída da pensão no Catete, com a tua incipiente série filosófica, crescida em torno da obra do único filósofo brasileiro, Farias Brito, e que já visitara tantos rincões (Lutécia, Lima e enfim Quito), onde transcenderia os limiares da coleção privada, para alçar-se, na imitação  dos verdejantes montes que abraçam a capital equatoriana, a espaços mais largos e profundos.

        A pergunta, portanto, não cabe, porque o teu silêncio, ao invés do adágio latino, não implica aprovação.

       Esta correspondência se estendeu quem sabe demasiado. Mas se algo pode vislumbrar por entre as sombras do Hades e as trevosas névoas do Tártaro, estará a certeza de que, enquanto vivo foste, lograste, posto que a duras penas, conservar a aparente realidade de um mundo ameaçado, porém felizmente intato até a tua partida à francesa que pode até ser a moveable feast se desatarmos as travas da imaginação e enveredarms pelos recônditos mistérios que se encerram em teus incontáveis livros, comprados, seja nos tempos das vacas gordas, seja das magras, com alegria, amor e ambição, sem falar do deslavado apego na busca insana e infindável das miríades de recantos nas tortuosas veredas do humano conhecimento.

       Meu grande amigo e generoso mestre, não sei quando terei a oportunidade de trocar não dedos de prosa, senão descansadas conversas em ignotas paragens, mas a minha acidental proximidade do Olimpo me acena com a certeza dessa reunião, despojada dos cuidados e das maçadas do espaço terráqueo.

        Com o abraço que traz em si a saudade, esse dúbio dom da língua portuguesa, que pretendemos cinzelar em placas de granito em uma nova Torre de Babel, cujos planos, dizem, andam adiantados, e que talvez se alevante, na arrogância que associam às alturas, no terreno hoje conhecido como Ground Zero, 

 

                                                 *              *




[1] húbris.
(2) pseudônimo.
(3) estudo; lazer.

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