terça-feira, 18 de junho de 2013

O Mal-Estar do Povo

                                             
               A juventude foi a primeira a exprimir essa difusa sensação de desconforto, de mal-estar que se estende pelo país afora. De São Paulo partiu a primeira manifestação que protestava contra a elevação das tarifas nos transportes públicos. Com aumentos similares e talvez ainda mais iníquos, dadas as condições inferiores para os usuários no Rio de Janeiro, não causou espécie se as passeatas também surgiram na antiga capital.
             A reação do poder foi apressada e preconceituosa.  Viu como distúrbios e desordens o que na verdade imantava uma percepção muito mais profunda da gastança das três esferas da Administração.
             Num país onde o povo padece de mínimas condições em termos de saneamento básico e de transporte público – e tal se verifica não apenas em grotões interioranos, senão nas próprias grandes capitais – como haveria de surpreender que o acintoso, milionário contraste na elevação desses elefantes brancos exigidos pelos burocratas da FIFA e as seculares condições do dia-a-dia que as massas têm de arrostar não viesse a provocar a revolta que ora se espraia por toda a Nação ?
            Cedo começara a instrumentalização dessas duas mega-festas, que são as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Nas trapalhadas da preparação do Pan-Americano, o Rio já tivera amostra de o que é capaz a classe política em matéria de mistificação e incompetência.
             Desde o trauma de 1950, e a Copa do Mundo perdida menos pelo valor dos jogadores, do que pelo obaoba e o pernicioso já-ganhou instilado por paredros e classe política, constitui  anseio da gente brasileira de tentar uma vez mais em nossa casa a conquista do caneco.
             Sob o pretexto de atender a tal clamor, a Administração Lula da Silva tratou de distribuir por todos os brasis esses templos da pós-modernidade, de acordo com as especificações dos burocratas da FIFA, e cuja presença, em meio à indigência das obras públicas voltadas para a saúde e o bem-estar da população nacional, há de constituir chaga permanente no que tange ao desvio dos tributos arrecadados do Povo.
              Tampouco não espantará que a primeira reação de governadores e prefeitos tenha subestimado a motivação das passeatas de protesto. Em geral essas demonstrações pacíficas, as chamadas forças da ordem as receberam com a brutalidade dos supostos meios não-letais, que na verdade, dentro da hipocrisia oficial, reúnem um arsenal com as criminosas balas de borracha (que além de cegar, podem matar), os sprays de pimenta, e a velha violência do meganha. Não há negar que esses movimentos de massa tenham as suas franjas de irresponsabilidade, com depredações ocasionais. Mas são exceções que muita vez vem a calhar para justificar a grita das autoridades e de seus canais de informação, como a Rede Globo – que no passado apoiou a ditadura militar e foi contra as diretas-já.  Por isso, foi importante a grita da liderança do movimento de protesto, a que se deve o rápido recuo da principal organização televisiva nacional
              A juventude e o Povo brasileiro ministraram ontem à noite  espetáculo de exercício de cidadania. Em multitudinárias passeatas, como a do Rio de Janeiro, ocupando, com número bem superior às cem mil pessoas estimadas, a avenida Rio Branco e a Cinelândia, e a de São Paulo, atravessando a Paulista e tantas outras grandes vias da Paulicéia,  gozaram do respeito das autoridades, respeito esse ganho com muito sofrimento nas jornadas anteriores.
              Esta presença do Povo não se cingiu às duas grandes capitais. Com algumas recaídas de violência na capital federal e em Belo Horizonte, a massa ministrou oportuna lição àqueles que pensaram poder ‘resolver’ a questão com o recurso ao cassetete e outros instrumentos mais nefandos, como as balas de borracha.
              Neste contexto, foi deplorável a ação de um bando de irresponsáveis, que atacaram o Palácio Tiradentes (que sedia a Assembléia estadual) e a imóveis históricos na Praça Quinze.
              Sem embargo, essas manchas incidentais não devem servir de pretexto para acoimar um movimento de protesto pacífico a propósito dos escândalos do aumento das passagens dos transportes de massa.
               O mal-estar que permeia a Nação vai muito além disso. Os chapas brancas, na sua condição de servos do poder, tudo justificam. Assim, desfazem das vaias a D.Dilma, e vêem conspirações e compra de manifestantes, em afoitas acusações contra supostos líderes do movimento em Brasília.
                Assinale-se, por fim, que erram feio os jornalões que tentam aguar a motivação dos protestos da rua como se fossem contra tudo.
                 Os manifestantes, que enfrentaram a sanha policial, merecem respeito. É necessário que alguém aponte a nudez do soberano.

 

(Fontes:  Folha de S. Paulo,  Rede Globo )

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