Antunes o Conquistador (3)
Na sexta, como
era seu feitio, Antunes chegou mais cedo. Podia entrar logo, mas preferiu
esperar o Tavares. Este veio pouco antes
do espetáculo começar, o que deixou irritado o outro que viera na hora. Havia
muita gente, o que, pelo dia da semana, era de
prever.
“Hein, seu
Tavares, sempre atrasado, né?”
Esbaforido, o companheiro engrolou desculpa
que o amigo mal escutou.
“Vamos tratar
de entrar logo, se não a gente acaba ficando lá pra trás.”
Naquele
tempo, os espetáculos do Walter Pinto faziam muito sucesso. Mulheres bonitas e
bons cômicos, a sua receita. A censura era o problema que tinha de enfrentar. Precisava
medir as roupas das vedetes e das coristas. Naqueles tempos moralistas, em que
tudo fechava na semana santa, o empresário tinha a missão de mostrar o máximo
das curvas das meninas, sem afrontar os censores. Por isso, seria mais
cuidadoso na estréia. Não podia, contudo, exagerar no bom comportamento, porque
com isso o público torceria o nariz, e nos dias seguintes viria menos gente.
Agora, se
exagerasse nos decotes e no que entremostrasse, podia ser apanhado pela
censura. Assim, a turma do ramo admirava Walter Pinto, pela sua notória
habilidade em navegar por aqueles mares com tantos recifes e redemoinhos, e
acabar sempre tendo a casa cheia.
Antunes, o
sisudo, riu bastante com José Vasconcelos e Brandão Filho, gostou da plástica
de Mara Rúbia e das capitosas insinuações de Virginia Lane, mas entusiasmou-se
mesmo pelo jeito e formas de uma das coristas.
Em meio ao
mulherio do espetáculo, algo viria a prender-lhe a atenção para a fileira de
trás das moças. Estavam lá para compor o quadro. Emolduravam, assim, com passos
não muito coordenados, o fundo da cena e o veludo das cortinas traseiras do
palco. Não espantaria, portanto, que por aí não costumassem pairar as excitadas
vistas dos espectadores.
Não
obstante, ao contrário dos demais, os olhos de Antunes caíram sobre a jovem
alourada, e a procuraram com tamanho afinco que ele, na sua ilusão de neófito
naqueles domínios, chegou a pensar que a sua eleita corista se apercebera do
interesse.
Na saída,
como Tavares acenasse em afastar-se da calçada fronteira ao teatro, achou
esquisito que o amigo não arredasse pé dali.
“Ô Antunes,
não tou te entendendo... Parece que estás esperando alguém...”
O outro
desconversou, mas continuou parado.
A maior
parte da assistência se afastava sem muita pressa, rumo aos pontos das
conduções. Alguns grupos comentavam o espetáculo, e falando alto, lembravam as
passagens mais divertidas. A noite, cálida mas aprazível, os livrara da
canícula do dia, e para muitos, ela ainda era uma criança.
Como o
companheiro ficasse plantado, Tavares acabou perguntando:
“O que,
afinal, ‘cê tá esperando ?”
O amigo riu
amarelo, mas resolveu abrir um pouco o jogo.
“Tem aí uma
mulher em que estou interessado...”
“Ô Antunes,
essa turma não é pro nosso bico...”
“É o que se
verá.”
Lá com os
seus botões, Tavares, ainda que a contragosto, tinha de tirar o chapéu para a
cara de pau do amigo.
Agora, havia
pouca gente na frente do teatro. Tão só uma que outra roda de homens que, pelo
visto, aguardavam a saída do elenco. Enquanto Antunes não aparentava ansiedade,
o companheiro esfregava as mãos repetidas vezes. Era como se sofresse por
antecipação em ver o outro quebrar a cara.
“Fica calmo
Tavares. Só te peço pra não me atrapalhar.”
Minutos
depois, por uma porta lateral começou a sair gente. A princípio, homens e
mulheres apressados, que pareciam pessoal de serviço. Depois, mais devagar, moças
bem apessoadas, que os dois presumiram fossem as coristas do show. Logo ao seu encontro se
encaminharem diversos conhecidos.
Em pouco
tempo, acompanhadas, quase todas se afastaram. Das três que ficaram, duas
cochichavam, e olhavam em torno, como se esperassem quem viesse buscá-las.
Antunes, ao
vislumbrar a terceira, quase não teve dúvidas. O coração batendo, apertou o
passo na sua direção.
“Você é ainda mais bonita de perto...”
A jovem o
encarou, entre divertida e intrigada.
“Nos
conhecemos, por acaso ?”
“Sou seu
admirador, desde que você apareceu no palco...”
Sentiu que
a moça, tocada pelo galanteio, o olhou com outro jeito.
“Você é
muito amável, mas tenho um compromisso...”
“Seja quem
for, ele não te merece.”
A resposta,
de bate-pronto, a pegou desprevenida.
“Você é muito ousado...”, disse ela, quase num
cicio.
Incontinente,
Antunes, que lhe dera o braço, saíu com a corista, em busca de táxi.
De longe,
Tavares acompanhara toda a cena. Ao ver, surpreso, o desenlace, resmungou,
entre dentes: ‘Esse Antunes, hein, que
sacana... Nunca pensei...’
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário