Há muitas prescrições para as manifestações que irromperam em São Paulo e se espalharam por esses brasis afora no correr nervoso da primeira semana. As comparações chovem – do maio parisiense até a revolta do vintém, na última década do império de D. Pedro II.
Perpassa a
todas elas uma ânsia contraditória, ou de que os movimentos utópicos passados
são inimitáveis, ou que adiante de cada movimento paira o monstro da reação,
seja no golpe do dezoito Brumário, seja nas perseguições do macarthismo.
Estará
necessariamente no código genético da manifestação – e sobretudo quando ela se
espraia, inelutável e incontornável, pelos remansos, rios e mares, conhecidos
ou não, das gentes de um país-continente – que deva conformar-se a passadas e
perenes regras ?
Na verdade,
se os protagonistas não mudam, nem as diferenças na sorte e no poder, e se o
futuro, como já diziam os gregos, será invisível, onde está escrito que a
História, este folhetim de muitos autores e de enredos contrastantes, deva
produzir sempre os mesmos roteiros ?
A
manifestação multitudinária será sempre um rouco grito não só contra a gente do
palácio – lá empoleirados pela sorte se acreditam parte da paisagem – senão contra
as injustiças e as maldades do dia-a-dia. Não se enganem, por isso, os que contemplam
de cima a rotina massacrante das conduções públicas, como se fosse um
documentário, monótono e sem sobressaltos.
A mais-valia
pode estar fora de moda, mas ela hiberna, com paciência indescritível e
insondável, na encruzilhada do monótono e na aparência infindável do padecer
das massas anônimas. Podem ser momentos breves ainda que brilhantes, na longa jornada
que algum ignoto demiurgo terá imposto, sem outra razão que o acaso passageiro da
força. Quantas auroras serão necessárias para que se faça justiça, para que
caia a máscara dos senhores de turno, e dos vastos, mas contingentes pelotões
que lhe estão jurados no apoio e na assistência – que será eterna enquanto dure
?
Porque a
violência é uma besta-fera sem outra ideologia que o próprio interesse. O deus
cronos costuma ser cruel e cruento, mas ele também obedece a regras fixas que
estão escritas com tinta caprichosa e invisível.
A gente do
palácio se acredita dona do poder. Vivem embalados por essa doce, mas estranhamente
volúvel ilusão. Pois se pensam na eternidade como programa do poder, em toda
esquina, em toda praça, em todo desconforto das conduções, está o espírito
arisco e inaferrável de um mundo mais justo, e menos sujeito à cega repressão
da burguesia, não importa se alta ou baixa.
Não se
esqueçam daquele filme de René Clair em que havia um personagem que corria para
o passado, em busca do bom, velho tempo antigo. Ah, ele deveria saber que o
lugar de correr está no presente. Nesse momento mágico, em que se resume a
própria vida, está a oportunidade bendita de transformar o sonho em realidade.
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