No mundo islâmico muitas contestações se agregam à longa luta. Com efeito, o embate entre a ditadura alauíta de Bashar al-Assad, que está no campo xiita, e o levante da maioria sunita já entra no terceiro ano e terá colhido mais de oitenta mil mortos. Após ter sido dada como em vascas de agonia, a tirania de Bashar, com a assistência pertinaz da Rússia de Putin, e do Irã do ayatollah Khamenei (que traz a dúbia dádiva da aliança da milícia Hezbollah), continua a enfrentar os mares encapelados de tenaz resistência, movida esta menos pelas escassas armas, do que pela determinação de abater regime injusto e covarde, cuja força aérea bombardeia a própria gente enquanto objetivo militar prioritário.
A guerra civil síria faz tremular a rubra fâmula da rebelião quase sem se dar conta, como a figura imortal de Carlitos se descobre, à sua revelia, na liderança de marcha de desempregados, enquanto agita o subversivo pano vermelho em tempos da Grande Depressão.
A revolução na antiga terra da passagem continua a contagiar os autoritarismos. O Primeiro Ministro Recip Erdogan, embora apoie a causa da Liga Rebelde, quiçá por sua longa permanência no mando, está habituado a fazer prevalecer a respectiva vontade. O mal-estar irrompeu na sexta – dia santo para os muçulmanos – quando árvores foram arrancadas da praça Taksim, com o escopo de transformar um parque tradicional de Istambul em um mall moderno e numa réplica de quartel do tempo do Sultão.
O fogo se alastrou pelo país, nessas queimadas imprevisíveis, que semelham dormir sob as macegas. A reação truculenta das autoridades só contribuíu para acirrar ainda mais os ânimos, e em breve intento quase sem importância se transmutou em desafio ao regime do partido islâmico de Erdogan, no mando há um decênio. As manifestações se estenderam a todo o país, atingindo a própria capital Âncara. Tiveram é certo o apoio da oposição leiga, mas só os néscios duvidarão que o descontentamento existe com o crescente autoritarismo do Primeiro Ministro Erdogan, e só aguardava a faísca de um tolo ato arbitrário para avançar.
No Egito, a Suprema Corte Constitucional considerou inválidas as leis a regerem a eleição da única câmara do Parlamento em atividade, assim como a assembleia que votou a constituição pos-revolucionária. Existia largo descontentamento com a maneira adotada pelo majoritário partido da Fraternidade Muçulmana, assim como os procedimentos autoritários do Presidente Mohamed Morsi.
Há muitas dúvidas sobre os efeitos práticos dessa sentença, atendida a circunstância de que a Constituição foi aprovada por referendum popular. Muitos militantes da revolução que surgiu na contestação à trintenal ditadura de Hosni Mubarak, se perguntam sobre as esperanças tripudiadas e ignoradas do movimento saído da praça Tahrir, diante das características do novo governo, que como os Bourbon de França semelham nada ter apreendido com o longo afastamento do poder.
Os ventos da revolta, sem embargo, não se limitam à Síria, Turquia e Egito. Nota-se uma contraposição entre sunitas e xiitas em grande parte do mundo islâmico. No Iraque, ora dominado por gabinete chefiado pelo xiita Nouri Kamel al-Maliki, por certo o primeiro ministro não se tem assinalado por excessos de tolerância. A sua insensata perseguição aos líderes da minoria sunita não se afigura como política que vise à concórdia. E terá, por conseguinte, logrado o dúbio êxito de transformá-los em inimigos, e plantar as sementes da rebelião, diante de política que emula à de Saddam Hussein, só que às avessas.
Nas terras próximas ao matadouro sírio, a discórdia está em alta. Dessarte, a forte milícia do Hezbollah – que tem participado ativamente de ataques aos rebeldes sírios, com as consequentes mortes de seus ‘voluntários’ – tem despertado oposição inusitada no velho Líbano, em que os demais segmentos mostram agitação e indisposição antes desconhecidas.
Por fim, o Reino da Arábia Saudita e o emirado do Qatar apoiam com dessultórios envios de armas a Liga Rebelde. No entanto, a intervenção dos xiitas de Teerã – com a sua arma auxiliar da milícia do Hezbollah – provoca a ira de clérigos sunitas também no Qatar, a ponto de o xeque Yusuf al-Qaradawi,do Qatar, fazer um apelo aos sunitas de todo o mundo para ir à Síria combater o Hezbollah e o Irã, como inimigos do Islã.
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