sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Saída Militar para o Caos dos Refugiados ?

                               

         Acontecem coisas muito estranhas nos altos foros diplomáticos. Tome-se, por exemplo, a declaração do Secretário de Estado John Kerry de que o Presidente Barack Obama lhe determinou entrar em contato  com o seu homólogo  Sergei Lavrov para que se estabeleçam conversações entre os militares dos dois países sobre a crise dos refugiados sírios.

         A propósito, Kerry referiu que o Presidente americano acha-se persuadido  de que esta seria a melhor maneira de lidar com a crise.

         Antes que tentemos aprofundar a questão, deve-se ter presente que a iniciativa estadunidense tem causa bem determinada. Antes que acusem Obama de tautologias, cumpre não esquecer que ele foi contactado pelo presidente russo nesses últimos dias.

          O objeto da iniciativa de Vladimir Putin se afigura bastante óbvio.  A propósito da crise dos refugiados sírios, o senhor do Kremlin propõe ao presidente da superpotência que ambos conversem sobre meios e modos de resolver essa situação.

          Ou muito me engano, o Presidente Obama discerniu nesse oferecimento de seu colega russo não só a proposta nua e crua de trocar idéias e – quem sabe? – acertar procedimentos acerca de crise (na verdade, caos) de refugiados, que está colocando para a União Europeia um magno problema de que dão a impressão de não terem condições ou a vontade de enfrentar, equacionar e, se possível, resolver esse magno desafio.

          Semelha hipótese digna de crédito que o presidente Putin viu na crise dos refugiados a oportunidade de sair de sua posição de quase-pária internacional, posição esta criada pela recente anexação da Crimeia por Moscou. Trazer de volta para o século XXI o menosprezo do direito internacional público, através de cínica e sorrateira invasão de um país vizinho mais fraco carreou para a Rússia a condenação internacional, manifestada em recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas. A ilegalidade desse ato de arbítrio contra o direito das gentes foi condenada pela[1] grande maioria dos Estados-Membros. A reação dos Estados Unidos e de países europeus foi correspondente ao desrespeito de Putin pelo direito internacional e o princípio de pacta sunt servanda. As sanções de Washington e de Bruxelas foram pontuais e tiveram o objetivo de castigar Putin e o seu grupo de poder, como a professora Karen Dawisha o demonstra com proficiência em seu recente livro Putin’s Kleptocracy (A Cleptocracia de Putin).

           Por outro lado, a jogada anterior de Putin, relativa a outras crises, em que recuou para a suposta obscuridade de ser por quatro anos Primeiro Ministro de seu leal aliado Dmitriy Medvedev, alçado este entrementes à Presidência, mostraria a frieza e a habilidade de Vladimir Vladimirovich Putin.

          Quatro anos depois Putin retomaria as rédeas da presidência, fazendo ainda jus a uma avaliação de respeito pela sua respeitável jogada política. E não se deve esquecer que para abocanhar a Crimeia, no seu plano de reconstituição do antigo poder, ele optou por malbaratar todo um prestígio de personagem confiável na arena internacional. Naquela ocasião a Rússia foi sumariamente afastada do Grupo dos Oito, o tradicional Grupo das principais potências mundiais.

            O Presidente Obama terá julgado demasiado cedo para a reabilitação de Putin. Ter-se-á de resto presente que as sanções aplicadas ao grupo de Putin foram, pela sua acurada informação, bastante sensíveis, em termos de ligações financeiras junto ao capital internacional. Sentar-se com Putin para discutir a crise dos refugiados sírios o seria por uma causa importante, mas Obama que não faz muito apodou a Federação Russa de Poder Regional há de ter julgado que seria apagar depressa demais  grave agressão contra um país vizinho, que, ao que conste, apesar de a guerra na Ucrânia não ser ultimamente motivo de  maior cobertura internacional, não se deve levar a cegueira a ponto de acreditar que mais esta agressão a vizinhos seus (aqueles sobre quem pesa o ominoso perigo do estrangeiro próximo que é como Moscou tradicionalmente se refere aos países com que tem fronteiras).

             Por tudo isso, Obama fez através de seu Secretário de Estado a contraproposta de um diálogo entre autoridades militares. Sem desfazer dos colegas de farda, será forçoso reconhecer que o Presidente americano pensa menos em desmerecer Moscou, do que em instituir um mecanismo que ele julga possa adequar-se à presente crise, encontrando soluções pontuais para o drama dos refugiados.

             Por ora, cabe verificar qual a resposta de Vladimir Putin. Depois, dados os múltiplos falsos encaminhamentos dessa relevante questão,  atitudes que só tem agravado o sofrimento dos refugiados sírios, quero crer que seria o caso de aprofundar um pouco mais esse magno tema que hoje mostra uma dupla crueldade: a maneira fria e egoista com que grande número de países tem tratado um problema humano dessa magnitude, sem falar da causa primeira desse escândalo ético, moral e humano, que continua a ser varrida para baixo do tapete.

 

( Fontes: Karen Dawisha – Putin’s Kleptocracy;  O Globo )



[1] A abstenção do Brasil vai contra toda a nossa tradição diplomática, e constitui erro gravoso da Presidente Dilma Rousseff, que terá julgado ser um acróstico razão suficiente para enlamear um grande e secular legado diplomático.

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