sexta-feira, 22 de abril de 2016

Os submarinos de Putin

                                        


        Não eram desconhecidas as ambições de Vladimir V. Putin em transformar a Federação Russa em autêntica herdeira da URSS. Com a pacífica implosão da União Soviética, que, ao cabo de 1992, literalmente desaparecera do mapa, sendo sucedida pelas inúmeras nacionalidades, antes abrangidas pelo poder de Moscou, surgiria  nova realidade no mundo, com o predomínio da única Superpotência.
       Passado quase um quarto de século, a realidade, se mostra  os Estados Unidos, com uma situação de poder ainda na categoria super, duas potências repontam com grandes pretensões. Trata-se, obviamente, da República Popular da China e da mesma Federação Russa.
       Sob a liderança autoritária de Putin, Moscou voltou a ter maior presença internacional - veja-se, não só, a sua guerra não-declarada contra a Ucrânia, mas também a intervenção na Síria e, agora, a ênfase no emprego de submarinos, nucleares ou não, como instrumentos de atuação militar e, por conseguinte, de influência.
        Tudo isso depois que gospodin Putin ouvisse de Barack Obama que cuidasse dos próprios assuntos, eis que o seu país passara a ser um poder regional.
         Nada que tire Vladimir Vladimirovich mais do sério do que um put-down[1] do gênero.  A provocação de Obama foi dita após a intervenção branca russa no seu grande vizinho ao sul,         que é a Ucrânia. Se por ora, Kiev não tem que lidar com as contínuas entradas em suas fronteiras à oeste, e máxime naquelas próximas do mar Negro - exemplo disso foi a invasão e tomada da Criméia, que hoje deixou o estrangeiro perto para transformar-se em mais uma província da Federação Russa, malgrado a condenação pela Assembléia Geral das Nações Unidas.[2]
           Contudo, a política americana pode conter um viés maquiavélico que poderia levar a Rússia a experimentar as mesmas dificuldades que levaram a Superpotência soviética a desaparecer do mapa por conta da implosão que hoje se credita à política de Ronald Reagan.
            Sem embargo, ainda é cedo para fazer prognósticos a respeito. Deve-se dizer, no entanto, que Vladimir Putin encara seriamente esse desígnio de voltar a ser super-potência, como por tanto tempo Washington considerou como tal Moscou.  Pode ser que mesmo antes que Reagan  causasse intencionalmente aquecimento na capacidade motora do Kremlin que à la longue não lhe seria suscetível resistir, já a URSS buscasse ir ao limite para manter a ficção da paridade entre as duas superpotências.
              Tenho comparado muitas vezes Vladimir Putin com Benito Mussolini. Em muitos pormenores histriônicos, os dois líderes têm muito em comum. O torso nu do Duce o revemos em Putin, que gosta de aparentar força física, apesar de ser de baixa estatura. Mas gostaria agora de referir-me à similitude de maior peso entre os dois líderes autoritários.
               Mussolini quis fazer da Itália uma grande potência. As potências européias da época - Alemanha, França e Grã-Bretanha - por motivos diversos - fizeram de conta que acreditavam em que tal projeto correspondesse à verdade.
               Putin foi afastado do G-8 pela sua intervenção na Ucrânia. Mas ele não alimenta qualquer dúvida quanto ao lugar que deva ter Moscou no concerto das nações. Para tanto, o presidente russo comissionou a elaboração de uma doutrina eurasiana, que existe somente para dar suporte ideológico às pretensôes e às posições do Kremlin.
                A ajuda a Bashar al-Assad não foi de graça. O titubeante e enfraquecido Raïs da Síria concedeu-lhe um porto no Mediterrâneo oriental - em águas quentes! - e agora cedeu território para construção de uma base moscovita.
                 Por fim, Putin está despejando em frota de submarinos nucleares somas enormes que devem sobrecarregar deveras a capacidade financeira de Moscou - que é sempre bom lembrar depende prioritariamente do petróleo para os seus projetos de grandeza. Nessa estreiteza de fontes - a economia russa dispõe de outras, é claro, mas a dependência do ouro negro salta aos olhos - aí encontramos outro traço que o aproxima de Benito Mussolini, a quem, como já se observou, Vladimir  Putin admira, malgrado o caráter secundário no concerto das grandes potências da época que cabia ao líder fascista.
                    Não é decerto blefe o engajamento de Putin através da presença de seus submarinos em muitas áreas visitadas pelo Ocidente. A maior participação nesses jogos bélicos da Rússia, incentivada pelo seu presidente, vai acarretar uma grande sobrecarta para a economia de Moscou. Dadas as conhecidas limitações diante dos mais escassos meios de que dispõe hoje o Kremlin para equiparar-se ao papel militar do Ocidente, não será sem sacrifício da própria economia que tal incrementada presença poderá ser viabilizada.
                    Contrastar a Aliança dos países da OTAN faz, assim, parte do projeto restaurador de Putin. Partindo de base menor, a manutenção desse jogo por Putin depende de uma série de fatores.
                     Por enquanto, os seus propósitos semelham ser pacificos. Conquanto tal assim não parece à primeira vista,  dado o ethos autoritário do Senhor de Todas as Rússias, isto pode ser até levado como elemento de consideração.
                      Em se tratando, porém, de Vladimir Putin e de seus sonhos (ou projetos) de grandeza, tudo é admissível, menos subestimá-lo.
                       Assim, se a cotação do petróleo brent voltar a níveis mais remunerativos, a mão de Putin tenderá a ficar mais pesada.  Se, porém,  as coisas piorarem para esse lado, gospodin  presidente pode chegar até com mais verossimilhança a interessar-se pelas perspectivas de paz fundada na justiça...

( Fontes: The New York Times, The New York Review of Books )    




[1] chamada à ordem
[2] Por ordem de Dilma, a diplomacia brasileira se absteve na Recomendação aprovada pela AGNU. Tal representou vergonhosa mancha para a diplomacia brasileira, ainda mais por votar contra determinação expressa da Constituição de 1988;

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