Veio à luz, agora, que o ataque inspirado
pelo Estado Islâmico na Bélgica, a 23
de março último, atingindo a estação de metrô e o aeroporto de Bruxelas, visara
inicialmente a França. Segundo o especialista Claude Moniquet, tal investida teria
por objetivo o bairro La Défense, no XVIII arrondissement, e que só fora cancelada
por causa de ultimados preparativos de segurança que levaram os planejadores
terroristas a desviarem o objetivo de
sua ação criminosa para a indefesa Bélgica.
Na Défense,
esse bairro modernoso em cuja arquitetura não reconhecemos a beleza e a arte de
outros distritos parisienses, e que se queda ao final da avenida de la Grande Armée, trabalham
milhares de pessoas, empregadas por diversas companhias, nos anônimos ambientes,
que congregam em idênticos, assépticos compartimentos, curvadas levas de trabalhadores ditos intelectuais, aí
destinados nessas grandes, mas vazias usinas da labuta moderna, engajados que
estão na sua lábil permanência laboral nesses grandes empreendimentos do
capital gaulês - Areva, Total e Société Générale. Para o incauto turista, que por motivos vários se
anima a descer a larga avenida que faz silencioso contraponto àquela que nos
parece um pouco menos retilínea e quiçá, por conseguinte, mais humana des Champs Elysées, é bom que se diga que
essa vem de outro século que é o do Barão
de Haussman. Por isso, ao chegar do outro lado da colina, que o Arco do
Triunfo encima, virá um tanto cansado da
gente, das calçadas, das lojas, dos cinemas e dos restaurantes, em que
cada quarteirão nessa subida pode ser
uma festa para o olhar, as vitrinas e as
belas moçoilas risonhas e tagarelas, e
tudo aquilo se junta, com o tumulto do tráfego, as buzinas dos chauffeurs impacientes, até que, cansado
mas com brilhos de prazer no olhar, passas por aquela grandiosa muleta na qual
verás os inefáveis turistas pendurados, até chegares a um outro ambiente, mais
para o cinzento e o embaçado, em que o tráfego se escorre menos alegre e quiçá
menos animado. É uma área que vai descendo, rumando sabe-se lá para quê, de
onde te contemplam não as janelas indiscretas dos poemas de Carlos Drummond de
Andrade, mas a indiferença das persianas realmente cerradas.
Pois, caro leitor amigo, estás, quiçá
sem o saber, a caminhar para o bairro dito de La Défense, e, portanto, aí não se acomoda o andar desse promeneur, pois o passeador, por mais
que se esforce, não logrará entrar no ritmo descansado, agradável, prazeroso,
do flaneur.
Ao invés, toca-lhe deparar a álgida frieza da arquitetura que não busca a
ática beleza da coluna, o romano encanto da cor, ou o incrível rebuscado de
floreios orientais, ou formosuras de estranhas culturas, mas a funcionalidade de enormes hangares, ali
postados para alojar por inteiras e bem estipuladas jornadas o labor anônimo
dos intelectuais operários do século XXI.
Mas visitemos outras realidades. Segundo
Moniquet, que é francês, mas está radicado na Bélgica, dois dos homens que
participaram do ataque ao Bataclan,
no dia treze de novembro e que foram mortos pela polícia em raids posteriores, provinham do chamado
Exército Islâmico.
Por outro lado, há muitas indicações de
que o Exército Islâmico vem recuando de muitos dos territórios antes
conquistados. Em função da mudança da sorte guerreira, seja pela intervenção
dos Estados Unidos e da Rússia, assim como a indústria e o empenho de povos
habituados à adversidade como os valentes curdos, as posses do Califado tem diminuído o que se reflete
nos salários dos militantes, que não mais lhes chegam com a largueza de ontem.
As terras em torno da antiga Palmira
foram recuperadas, se bem que as vandálicas destruições do grupo de ruínas antes
bastante bem preservadas - na medida em que tal seja possível - hoje são a
imagem das estúpidas ações do grupo de al-Baghdaad.
No seu curto espaço de domínio sobre aquela área em torno do Iraque e da
Síria, onde tantos monumentos de civilizações hoje parcialmente esquecidas
tinham sido preservados, agora são destroços irreconhecíveis - chagas abertas
da estúpida vandalização das construções da história da Humanidade.
Alguns desses bens foram vendidos no
mercado negro do lupino comércio de antiguidades, e deverão permanecer nos
porões de seus mercadores, à espera do esquecimento que lhes permita vendê-los
no todo ou em parte aos soturnos habitantes deste submundo que é o mercado de
tais obras de arte, que por fruto de sorte madrasta acabam nos subterrâneos
desse tráfico.
O E.I. ou DAESH - como é chamado no
mundo islâmico - ainda sobrevive, enquanto o cerco do Ocidente o constrange a
perder terreno e as rendas da explotação petrolífera. Só o futuro determinará a
sua parte na explotação da arte antiga. Como os tombaroli (ladrões de tumbas na antiga Etrúria, os milenares
ladrões dos monumentos sepulcrais no antigo Egito - só uma descoberta como a de
um faraó menor Tutankhamon desvendaria pelo acaso que lhe permitira a quase imunidade
diante da velha classe dos ladrões de túmulo). Não deixará saudades, decerto,
mas muito padecimento inútil, soezes atos de crueldade e a ilusão de que
poderiam reconstituir entidades sanguinárias, movidas pelo ódio cego, a
intolerância extrema e a impiedade dos milenaristas.
Como foi criada e integrada em
grande parte por elementos dos exércitos de Saddam Hussein, será talvez com
pensamento nostálgico que tais senhores se hão de recordar - sem dúvida
rodeados de huris, no islâmico
paraíso - que toda essa sorte lhes caíu pelo ato temerário de atacá-los de quem
se julgara um grande líder, e magno senhor dos exércitos. O seu nome é George
Walter Bush, que sob a preclara
orientação do vice-presidente Dick Cheney, dos neoconservadores, como Norman Podhoretz,
Paul Wolfowitz e Irving Kristol, que se julgaram a vanguarda do futuro
democrático no Meio-Oriente, jogaram grandes exércitos, armados pela velha
ilusão, que prevê êxitos fulminantes e que é companheira dos grandes, ruinosos
conflitos, como seria esse conflito insano para acabar com as armas de
destruição em massa (WMD), que seja dito de paso não existiam, mas que criariam
um inferno, tanto para a superpotência, que se dessangrou em bilhões de
dólares, e que doaria à comunidade estadunidense os estranhos encantos do decline, com a pobreza a invadir as
cidadezinhas antes risonhas, a esvaziar galpões e a trazer a pobreza, para os
largos espaços circumvizinhos, aonde antes pensavam viver felizes os
interioranos. E para que não se esqueçam dos grandes espíritos orientadores
nas guerras, que os atacantes sóem considerar que serão breves não nos
esqueçamos das multidões alemãs que saudavam as tropas - com os capacetes
pontudos da Grande Guerra - dizendo-lhes um até logo, pois estariam de volta wenn der Laub fällt (quandos as folhas
caírem), pois não sabiam que o assassínio do casal real austríaco lançaria o
mundo no inferno do século XX, abrindo passagem
para as trincheiras, os gases e mais tarde, na repetição geral, para os
senhores Hitler, Stalin e o holocausto ! Eis que a guerra do Iraque cuidaria de
destruir outros ambientes, que viriam empós a guerra da Palestina, sua
não-resolução, e mais tarde, já no novo milênio, viria Don Rumsfeld que
preparou tudo às carreiras, inclusive a blindagem - que para ganhar tempo e
dinheiro seria leve - e com isso houve um pequeno atraso no autêntico fim da
guerra do Iraque, comemorado com certa antecipação com Bush brincando de
aviador no porta-aviões Abraham Lincoln, e saudando o fim da guerra - só que
com a pressa dos tolos, e por isso com muitos anos de antecipação, anos esses preenchidos
por mortes, desgraças, ruínas (inclusive da Superpotência) e até contribuindo
para o nascimento do Estado Islâmico, cuja liderança - hoje em processo de
recondução ao paraíso - animada pela guerra na Síria ainda está firmemente
resolvida a prosseguir na sua marcha de destruição, a qual - sejamos justos -
eles a devem à corajosa decisão do Presidente Bush, o jovem.
(Fontes: The New Yorker, The
New York Review of Books, Carlos Drummond de Andrade, The New York Times, e
outras experiências )
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