sábado, 16 de abril de 2016

O Paladino de Dilma


                                

        O desprendimento do Advogado-Geral-da-União, José Eduardo Cardozo, em uma defesa, sem peias, do mandato de sua Presidenta, Dilma Vana Rousseff, tem provocado reações de surpresa, admiração, estupefação e  contida reserva do respeitável público.

         A surpresa é decorrência dos cínicos mores da capital, em que faz figura rara a dedicação à personalidade que desce manifestamente o Sunset Boulevard, em movimento inercial a que não semelham existirem freios em disponibilidade. Mais ainda, o desprendimento exibido pelo personagem, que está pronto a aparecer em todos os cenários, para repetir, em diversas versões, o seu discurso de advogado em tribunal, para tentar salvar alguém que está com a causa mal-parada. 

          A admiração surge nos públicos os mais diferenciados porque o comportamento do Ministro Cardozo tende a diferenciar-se da usual atitude da gente de Brasília que, se tem modulações, segue um padrão que é o de tirar o chapéu para quem está por cima, e ignorar a presença de quem está por baixo. Pode ser que os mais cínicos aventem a hipótese de que Cardozo esteja comprando na baixa, mas é suficiente acompanhar-lhe as reações para ver que lhe rege a postura um desprendimento que pouco tem a ver com o padrão de Brasília. Pois Cardozo não tem medido esforços no seu afã de defender a sua Presidenta. E há um óbvio, manifesto e ardoroso empenho de jovem advogado, quase solicitador na sua disposição de lançar-se a todos os possíveis caminhos, mesmo os mais improváveis, e não é que o faça pro-forma, com a intenção de tapar bocas,  mas sim a de tentar todas as vias, mesmo as mais contorcidas e sinuosas, que, de alguma forma, admitam ser vistas como podendo contribuir para o bom cumprimento da respectiva missão.

           No mundo hodierno, em que a vontade de cumprir o próprio dever,  nas circunstâncias que sobrepairam esta nobre vinheta do drama da Presidente Dilma Rousseff, não deixa de causar espécie naqueles que só costumam prodigar-se mediante régios pagamentos nas moedas da progressão funcional, que ainda se possam divisar personalidades que tenham tal capacidade  de ir além de o que esperar-se possa de alguém nas condições do  Advogado-Geral da União.

           Será por isso que caberia no caso uma atitude emotiva mais forte, a estupefação. Falo do Ministro Cardozo pelo que, diante dos padrões vigentes, teria de meritório a sua atitude. Não exageremos, porém. Dilma Rousseff tem diante dela a perspectiva de uma interrupção no seu segundo mandato, por erros e alegados crimes cometidos tanto no primeiro, quanto no segundo - que para ela, apenas começava. Nesse sentido, se não posso comparar a abnegação e o desprendimento do Ministro José Eduardo Cardozo, com a coragem e a serena certeza dos riscos em que incorria do Marquês de Malesherbes[1], que se dispusera a vir à tribuna  do julgamento pela Convenção de Luís XVI[2], para defender o seu antigo soberano da quase certeza da guilhotina, guardadas as enormes diferenças - o Ministro Cardozo decerto não corre nenhum risco, muito menos o de ser guilhotinado, como o foi Malesherbes. Este último, como se sabe, tinha sido Censor enquanto reinava Luís XVI, e nessa condição recebeu quatro grandes cartas do filósofo Jean-Jacques Rousseau[3], sobre o ofício de escritor e a liberdade.

           Mas voltemos à relativa segurança do século em que vivemos. Dentre os parâmetros dos séculos, os riscos existenciais dos chefes de Estado são felizmente mais humanos do que os arrostados por alguns de seus similares em séculos passados.
         
          No caso do Ministro José Eduardo Cardozo, diga-se de paso que a sua atitude prodigando-se na defesa de sua Presidenta, merece os elogios que vem recebendo quiçá pela circunstância de que ela excede os parâmetros usuais, o que só tende a sublinhar-lhe os traços de generosidade, dedicação e empenho, dados de uma forma que só dignifica a quem os prodiga.


           Acrescente-se e não de paso que o Ministro Cardozo foi afastado do Ministério da Justiça, em que servira a, por vezes, irascível Presidenta desde a sua posse em primeiro de janeiro de 2011, no seu mandato inicial. Não obstante haver servido com distinção e discrição Dilma Rousseff, as dificuldades terminais do seu mandato forçaram a Chefe de Estado a lembrar-se do demissível ad nutum também para aquele que ocupara o Ministério mais antigo com exação e a possível discrição.

 
            Não pretendo elencar os seus trabalhos - e refiro a palavra tendo presente o respectivo significado lendário - mas, ao encarregar-se da missão impossível de salvar o mandato de Dilma, posso dizê-lo - e não me conto entre seus partidários - quão magnífico foi esse esforço.

 
(Fontes: Correspondance Générale de J.-J. Rousseau, Enciclopédia Delta-Larousse, Constituição da República Federativa do Brasil-1988, Sunset Boulevard, de Billy Wilder, Tradição Helênica)



[1] Chrétien de Lamoignon de Malesherbes (1721-1794)
[2] Luís XVI (Versalhes 1754-1793). Sua sentença de morte foi votada por pequena maioria da Convenção, e guilhotinado  em 21 de janeiro de 1793.
[3] Jean-Jacques Rousseau (Genebra 1712-Ermenonville 1778), o filósofo precursor da Revolução Framcesa;

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