Sob Augusto o Império Romano alcança seu
apogeu. Como na formação dos estados universais de cada civilização – e Roma,
ao cabo das guerras civis que se seguiram ao assassínio de Caio Júlio Cesar chegava em meio às derradeiras lutas intestinas à
pacificação interna - no governo de
Otavio atingiu o chamado Principado. Havia sido superado o que Toynbee denomina o Time of Troubles (tempo de
contestações) e se entrava na era da paz, com o domínio de um só sobre o vasto
mundo romano, ao cabo de extenso período de lutas contra diversos rivais. O
principal repto viria de Cartago, a cidade-estado. Situada no atual Magreb
(Túnis) exigiria três acirrados conflitos, em largo espaço de tempo, para ser
subjugada. Hanibal representaria no curso da segunda guerra púnica o mais sério
desafio feito a Roma desde a sua fundação no século oitavo a.C., até que se
consumasse sua decisiva derrota em Zama,
em 202 a.C. por Publius Cornelius Scipio Africanus.
Não foi decerto por acaso que, às
margens do Tibre, o Imperador Augusto mandou levantar o Ara Pacis - o altar da paz –
consagrado à sua vitória e ao consequente período de tranquilidade de que
passou a gozar o maior império que até
então fora levantado nas margens do Mar Mediterrâneo.
No entanto, o Império de Cesar Augusto – que
se estenderia até o século quinto no Ocidente e até o século quinze, no Oriente
– pelo seu próprio tamanho e as comunidades bárbaras que estavam além do limes romano, era condicionado, dentro
da lógica dos estados universais de civilização determinada pela necessidade de
crescer além das próprias fronteiras, na busca da impossível segurança para o
respectivo estado dito universal. Esse período de alargamento do mundo romano
sofreria na Germânia, nos baixios da floresta teutoburguense, pelas tribos dos Querúcios, sob o comando de Arminius,
decisiva derrota com o aniquilamento de
três legiões romanas de Publius
Quinctilius Varus, no ano nove da era cristã. Varus, pela ética romana, suicida-se
com a própria espada, e o Imperador Augusto, que contara estender os seus
domínios além de Colônia e da pequena província Germânia a leste do Reno, passa
os últimos anos de seu principado amargurado pelo revés . A leste, o limes romano não mais se alargará além do
Reno na Germânia, e do Danúbio, até o Mar Negro. Oito legiões velarão sobre o limes
do Reno (entre as atuais Holanda e
Suiça), enquanto da linha do Danúbio ficarão encarregadas sete legiões. Os queruscios de Armínio manteriam a liberdade da
maioria das tribos germânicas, com a sua exclusão da civilização latina.
Mas voltemos à Bagdá, com a rápida
vitória do exército de Rumsfeld que não levaria, de acordo com o planejamento
do Pentágono, à pacificação do Iraque. O fácil esmagamento da guarda republicana
de Saddam Hussein não conduziria à paz desejada pelos neoconservadores, que a
anelavam pelo controle do país e de seu petróleo.
No entanto, fora dos planos do
Pentágono, a paz logo se transformou em pandemônio de guerrilhas, em multiplicidade
de focos. Iniciava-se, na prática, a segunda
guerra do Iraque, que continuaria a dessangrar o Erário americano, enquanto
o esforço bélico, em nova conformação determinada pelos supostos vencidos,
constituiria magno desafio na suposta administração do triunfo. Essa vitória se transmutaria no inferno da
luta de guerrilhas, com o aumento de baixas causado pela fragmentação dos
núcleos de resistência.
Não é intenção desta exposição
descrever as várias fases de um surdo combate contra inimigo que não se
constrangia pelas limites da guerra convencional.
A rápida ação encarecida pelos
alegres proponentes da expedição contra Saddam Hussein e o desvelar das míticas
armas de destruição em massa (WMD) se
transmutaria em confusa porfia contra adversário irrequieto e elusivo, em que,
ao contrário das normas da guerra convencional, era o guerrilheiro ou o
atirador solitário que dispunha sobre a hora e os confins dos eventuais
combates.
Apesar das enormes diferenças, a
lembrança do Vietnam se faria presente, porque, na mor parte dos entreveros,
quem determinaria local e hora seria o adversário, em geral escondido ou
valendo-se do império sobre o momento da iniciativa.
Daí a comparação com atoleiro que
foi dada à tal fase do conflito, não programada pelos cúpidos neoconservadores,
que julgaram factível estabelecer o clássico regime político parlamentar
no Iraque pós/Saddam Hussein.
A imprevisibilidade de uma vitória
fugaz, logo sucedida por guerrilha sem regras e sem fronteiras, consumiria todo
o restante dos dois mandatos de George W. Bush. A Missão Cumprida a
dezenove de agosto de 2003 entrava agora
nos tétricos finalmente, em que o
despreparo, a cobiça e a falta de objetivos precisos (eis que o vencido lhes
surrupiava o ensejo da vitória pro-forma)
se transformaram nas colossais despesas acarretadas por guerra que se augurava
fácil e profícua, numa repetição quase farsesca de antigas veleidades
guerreiras, que a realidade do terreno transmutaria em grandes, incomensuráveis
dispêndios, levando a resultados de todo imprevistos, com enormes e gravosas
consequências.
Além das amplas e imprevistas
lesões na sociedade americana, a antes isolada Superpotência se viu
enfraquecida moralmente pela tortura e todo o seu arquipélago de práticas
indefensáveis sob a laboriosa construção de estruturas de calabouços adrede –
como o presídio de Guantánamo na
ilha de Cuba - e os infames lugares de rendition, a que se prestaram diversos
países aliados de Washington, para
receber e conceder o espaço necessário para a detenção e tortura pela CIA dos inúmeros suspeitos.
Proclamando em diversas
oportunidades que não admitia a tortura,
Bush se tornou, por associação, o seu eterno proponente. Quanto mais – e
pateticamente – declarasse que não era torturador, a designação infamante mais
se colava ao próprio período de governo.
O 43° Presidente, quanto mais
negava, mais se afundava nas areias movediças da inverdade como palavra de
ordem. Pela teimosa iteração Bush mais chegava àquilo que denegava. Barack H.
Obama que construíu a sua pretensão à presidência na negação da aventura
iraquiana, preferiu olhar para o outro lado, em termos de acusações torpes, mas
que pela força inercial dos esforços em contrário mais funda se implantava no
consciente coletivo.
Pouco antes de passar o bastão
da maioria no Senado para o GOP, o Partido Democrata pôde publicar os
relatórios confidenciais sobre a tortura e a sua cultura. Como um câncer, essa
prática não pode ser mais reprovável e insana para quem julga dela se servir
para arrancar do adversário as confissões de eventual culpa. Como todo o
processo ilegal e imoral, a tortura não só macula, mas deforma as eventuais
informações, que como um rebotalho inservível só servem para poluir a partir
dos porões, mas em tendência ascendente atinge os andares nobres de Administração
roída pela mentira e a violência disfarçada em suposta legalidade.
O Legado da Guerra de Bush.
Despreparado para o governo –
essa condição se evidenciara desde o começo, quando apanhado em sala de aula,
George Bush toma conhecimento da investida terrorista contra as Torres Gêmeas.
Nunca a sua condição mental e respectivo
despreparo intelectual seriam expostos de forma tão cruel, pois a verdade – e
ainda por cima vinda de chofre – pode ter requintes de crueza que vão muito
além das Taprobanas do dia-a-dia.
Uma vez estabelecida, a cultura
de Guantánamo, é tumor de difícil extirpação.
A própria tentativa de Obama de fechar este cárcere saldou-se pelo malogro,
que, se de um lado tem a ver com as indecisões do jovem Barack, também relevam
do enredado inicial do erro e do arbítrio, que muita vez só podem ser cortados
por gesto de Alexandre Magno.
Mas infelizmente o legado
maldito de guerra oportunista e de escopos mal-esclarecidos se provaria muito
árduo de desatar e desfazer. As raízes da injustiça, plantadas ou por ignaros,
ou por pressurosos aproveitadores, terão sempre consequências gravosas para
todos, mas, muita vez, e de modo surpreendente, para quem as plantou, seja por húbris, ou por outros desígnios.
O despreparo do jovem
Presidente – o primeiro a ter a eleição ‘decidida’ por sentença da Corte
Suprema, que sustou a contagem dos votos da Florida, o que muito provavelmente
daria a vitória no colégio eleitoral ao Vice-Presidente Al Gore (que de resto
superou George Bush na contagem numérica da votação geral) – e a sua falta de
legitimidade o tornariam refém do grupo de neo-cons
(novos conservadores).
Ao lançar a superpotência
nesta aventura – apenas com o apoio do solícito Primeiro Ministro inglês Tony Blair – mas sem o aval das Nações
Unidas, na busca das alegadas armas de destruição em massa (WMD), Bush de certa forma se colocou à
margem da legalidade, e por isso o seu procedimento ulterior, avalizando a
tortura (ainda que de forma sub-reptícia) não lhe deixa imagem favorável. O
quadro se agrava quando as tais armas se comprovam inexistentes.
O prejuízo causado ao
Tesouro estadunidense e à sua economia não é facilmente computável, embora
inegável seja o enorme estrago provocado e suas consequências sobre a economia
estadunidense são tão desastrosas, quanto irretorquíveis.
Ao adentrar a areia movediça
do Iraque, por um escopo artificial e não conforme à realidade, o impulsivo e
limitado descendente da dinastia do pai George Herbert Walker Bush, ele também
presidente dos Estados Unidos, mas de um só mandato, o prejuízo inicial para os
cofres do Tesouro americano foi de 770 bilhões de dólares. Como todo
empreendimento mal construído e mal planejado, os custos adicionais seriam
muito superiores àqueles da condução da guerra segundo os planos, eis que as
despesas com a ocupação e a invasão do Iraque montam a US$ 2,2 trilhões !
Esse brutal impacto provoca
o empobrecimento do hinterland americano,
em que os galpões cerrados e as Main
Street sem o bulício de outrora, passam a constituir a regra do fenômeno do
declínio.
Essa nova fase induzida pela
aventura iraquiana na antes próspera América tem sido objeto de atenta
pesquisa. Dentre os que nas cidadezinhas americanas, muitas antes florescentes,
se propõem estudar a queda no nível da atividade econômica, em que as portas
cerradas de inúmeras lojas, galpões e fábricas, são objetos de reportagens e
estudos de George Packer, que se tem dedicado à análise e à descrição de
um novo mundo – que não tem nem a promessa, nem a força da situação anterior
pré-Iraque – configura a demasiado sensível queda na atividade econômica, com a
consequente inexorável redução no padrão de vida.
Desse novo entorno, com atenção, seriedade
e a necessária análise minudente se vem ocupando, entre outros, o jornalista George
Packer,
com relatos bastantes vivos e tristemente verazes na revista New Yorker.
De forma clara, os Estados
Unidos, ex vi dos fatores acima
descritos, adentra uma nova fase em sua história. São poucas as potências que
após atingirem o respectivo zênite, conseguem remontar a força inercial e
deletéria das causas da decadência.
Os políticos não são
onipotentes. Mas eles têm a capacidade
de receber uma economia equilibrada, com um balanço superavitário – como foi o
caso com o tão combatido Bill Clinton – e com o toque mágico
ao revés transformar a límpida água em turva e até fétida poça. O empreendimento mor de George W. Bush que as
forças políticas chegaram a chancelar – a despeito da negação internacional –
se transformou em fator de mortes, colossais déficits orçamentários e plano meio
sem pé nem cabeça de grupelho de conservadores de trazer a democracia para região. Como o Iraque, pelos
sucessivos governos – da monarquia às ditaduras militares - tinha suas características próprias, e na
prática a desconhecia, teria que dar no
que deu.
Os impérios muita vez começam
a própria decadência pelo esforço de um par de tolos, que em geral chegam ao
poder por erros da maioria do povo, ou, nos regimes dinásticos, pela cegueira
da Fortuna. No caso em tela, nem isso. Quem pôs Bush jr. na Casa Branca foi a
Suprema Corte, em polêmico veredito, mas
que acabou valendo...
( a
continuar )
(Fontes: Arnold Toynbee, A Study of History;
Encyclopaedia Britannica, Der Neue Brockhaus; Nouveau Larousse Encyclopédique;
The New York Times; George Packer, The
New Yorker )
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