A crença em que as pessoas podem
mudar e, sob o chicote da realidade, se empenhar em outro caminho, responde a
um comportamento que muitos julgam seja comum à maioria .
Em termos de psicologia, a coisa
funciona da seguinte maneira. Se, no passado, um modo de comportamento mostrou-se
redondamente equivocado, é comum a suposição de que diante de manifesto
fracasso, esta pessoa venha a rever
a sua posição diante de um determinado curso de ação.
Nessas
condições, comprovada a ineficácia da solução proposta a determinado problema, quem quer que
seja, se tiver algum juízo, há de procurar não repetir o erro, e tentar outras
veredas.
Por vezes,
mesmo verificando que no plano do sujeito comum, a superação de determinada postura existencial, a menos que
surja intervenção de fora – o chamado deus
ex machina – não é a reação mais provável, eis que esse ator tende a
persistir na mesma rota, e, por conseguinte, a repetir os mesmos erros que
determinaram a situação em que se
encontra. Para ele ou ela, será determinação
ou força de vontade, para seus
próximos, que podem vir a pagar a conta, será teimosia ou burrice.
Assim, a aparente recaída de Dilma, voltando ao seu
comportamento precedente, atende às características da personagem. Ela usou
esse antimétodo no primeiro quadriênio e a despeito das demências fiscais e da
piora sustentada da situação econômica brasileira, ela decerto se apóia no
estelionato eleitoral dos comícios de 2014 como se tal conjunto de erros fosse
justificável por um triunfo obtido pela quase generalizada ignorância do
desastre do primeiro quadriênio, a que se conjuga a esperteza tornada possível
pelo aparelhamento do Estado, e assim
escapar, ainda que por um triz, de um potencial algoz nas urnas do segundo
turno, i.e. Marina Silva. Os gerarcas do PT – de Lula para baixo – sabiam que a
estória seria diversa se a carismática e honesta acreana fosse a sua adversária
na hora da onça beber água. Por isso, sequer direito de resposta lhe seria dado
para um filmete de João Santana, que apresentava autonomia do Banco Central
como se fosse igual a tirar a comida da mesa do pobre.
A eleição
determinante de Dilma – a da sucessão de Lula da Silva – se deve a um erro do nosso primeiro presidente
operário, que não duvidou da possibilidade de eleger a Mulher do Lula (ele não
alimentava dúvidas sobre tal êxito, daí a sua ascensão como eleitor de postes).
Na verdade, esse erro é fruta da conhecida húbris.
Colocando a figura do coronel político em nível
presidencial, Lula da Silva não se atarda sequer em cogitar sobre as
possibilidades de que o despreparo de Dilma Rousseff, a sua falta de convivência com os desafios de
um cargo no máximo nível, poderia ter danosas consequências para Pindorama.
Desde cedo,
o torneiro mecânico transformado em líder operário, cuidou de não pensar muito
nas consequências de colocar no Planalto alguém que nunca concorrera a cargo eletivo, e cujas funções na
Presidência não eram, como ele propalava, de gestora dos Ministros, mas sim de chefa de gabinete. Com o seu otimismo – e
interesse em preservar o posto para eventual retorno seu – ele tratou de
preterir o punhado de medalhões petistas, que teria mais condições de ser
Presidente da República, com plena compreensão das capacidades (e perigos)
dessa cadeira.
Infelizmente, não foi assim. Tampouco teve sucesso seu plano de voltar em 2014, porque, entre o
(pouco) que aprendeu na planície (ainda que dourada), a ficha caíu quanto à
capacidade de presidente em exercício de pleitear a reeleição (salvo alguns
casos terminais). A despeito da mediocridade de sua gestão, Dilma reuniu força
bastante para assegurar-se da capacidade de pleitear a reeleição. O esperto
Lula que pensava tudo saber teve que apreender essa amarga lição. Adaptando a
frase do argentino Ingenieros, os medíocres podem ter a sua hora. Contra a sua
expectativa, Lula da Silva foi escanteado e teve de ficar chupando o dedo,
enquanto o cortejo de Dilma passava.
Agora, ele
tem outros fantasmas a cuidar. E por mais esperto que seja, Husserl já nos
ensina que a realidade é multifacética, e por isso a prudência e por vezes a aurea mediocritas (a mediocridade
dourada), pode ser muito importante se alguém pretende retornar ao poder. E
este parece ser o caso de Lula.
Mas voltemos
ao tópico de Dilma e de sua aliança com Joaquim Levy. Como Presidente, o seu
espaço encolheu. Teve de delegar, na prática, a coordenação política a Michel
Temer. Por outro lado, e as últimas votações no Congresso o demonstram à
saciedade, a capacidade de fazer com que as suas propostas legislativas sejam
aprovadas entrou em área de muita perturbação.
Vamos
repassar o manual político. O que faz um presidente ser obedecido e ter as
respectivas mensagens ratificadas? Dispor de maioria no Congresso que por ele (ou ela) tenha respeito. O medo
se é reação bastante humana não deveria ser abusado, seja porque provoca
reações imprevisíveis, seja por ser dificilmente sustentado por período mais
longo em uma democracia.
Agora, se
não se tem medo de Virgínia Woolf, não creio que um político, com seu saudável
cinismo, vá hoje ter receio de Dona Dilma. Paúra
dela podem ter os integrantes de sua roda palaciana, porque uma dílmica
explosão no caso dessa gente – que em geral não tem muita relevância, sendo
para eles apenas indispensável o lugar físico junto do poder qualquer que ele
seja – pode ter consequências molestas.
Tome-se,
v.g., o caso de Aloisio Mercadante. Desde muito, que ele surge como “o
favorito” da Presidenta. Por isso, que
está na Chefia do Gabinete Civil, e por isso também conseguiu superar a procela
causada pela eleição de Eduardo Cunha, o novo Presidente da Câmara, e desafeto
de Dilma (pelo menos, por enquanto).
Mas
voltemos a uma equação que a nós
brasileiros mais interessa do que essas quizílias palacianas. Reporto-me
à relação Dilma Rousseff – Joaquim Levy.
Não sei se
a Presidenta terá em mente de forma bastante clara que se ela não deseja
terminar como alguns de seus antecessores – e a foto que se terá presente é a
de um Sarney que não podia sair de Palácio, se não quisesse ter pela frente o
incômodo do ônibus presidencial cercado
e imobilizado pelo Povo Soberano. Nessa ocasião, bastante irado com os contos
do vigário que lhe haviam sido passados pelo ex-presidente da Arena e do PDS, e
que por um cochilo da Deusa Fortuna acabara Vice de Tancredo Neves.
Se Dilma
pensa dispensável empenhar-se pelo apoio às medidas propugnadas pelo Ministro
Levy, ela pode ter até sucesso em termos de Schadenfreude – aquela
doce alegria que alguns sentem com a desgraça alheia - mas
seria bom relembrar-lhe que a História não costuma ser generosa com esse tipo
de torpeza. A deusa Túxe (Fortuna) pode até favorece-la por um tempo, mas as
perspectivas não seriam boas para alguém que, dispondo de pessoa capaz,
competente e respeitada, não só prescinde dele, mas volta a chamar para
orientá-la aquela velha turminha que lhe trouxe a situação presente.
Nunca me
esqueço do almoço no Palácio no Planalto, que ela, nas primícias do primeiro
mandato, reuniu para discutir da inflação. Chamou então Delfim Netto, Luiz
Gonzaga Belluzzo e Arno Augustin, seu
Secretário do Tesouro, que tanto se distinguiu na contabilidade fiscal criativa.
Obviamente, os convivas entendiam de inflação, mas é discutível que o
seu conhecimento servisse para controla-la.
Agora, bem-informada, ela colocou na
Fazenda quem está preparado para enfrentar o desafio. Mas não é decerto medida
para ganhar tempo e iludir a arquibancada. Ou será que Dilma desconhece o que aconteceria
se ela se limitasse a assistir o malogro do Plano Levy ?
Pode-se
garantir que não será belo espetáculo, nem proporcionará uma bela vista.
O que
se poderia adivinhar é que a correnteza irá aumentar, a tal ponto que um
partido notório pela fraqueza na sua determinação, reuniria a coragem
necessária para protocolar na repartição competente o processo que seria
cabível em tal infausta ocasião.
(Fontes: O
Globo, Folha de S. Paulo )
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