terça-feira, 5 de maio de 2015

Dengue: isto é Brasil ?


                                        

        A reação do Ministro da Saúde, Arthur Chioro, é tristemente típica da atitude de boa parte das autoridades diante da dengue. Em entrevista à imprensa em São Paulo, tentou a princípio negar que houvesse epidemia no país. Confrontado com os números, acabou confirmando: “Tivemos 745.957 casos até o dia dezoito de abril e sabemos que esse número aumentará. O Brasil vive uma situação de epidemia.”

         Nessa atitude, está encapsulada a reação da população brasileira diante do desafio. Na primeira resposta, a negação da evidência; diante da realidade que a imprensa não ignora, a autoridade a reconhece, ainda que forçada.

          Essa postura de avestruz, não serve a ninguém. Em meio a uma epidemia, essa tentativa de apequenar a ameaça, posterga apenas a sua solução

          Para entender melhor esse fenômeno, tão tristemente brasileiro, que é o de tentar esconder o sol com peneira, repassemos com a rapidez possível os fatos.

          A dengue, que tinha sido eliminada no Brasil no tempo de Juscelino Kubitschek, voltou com força mais tarde. Terá vindo através da Venezuela.  A realidade é que convivemos com o Aedes Aegypti desde o século passado.

          O desleixo e a ignorância da população, a par da ausência da autoridade municipal e estadual, são os grandes fatores para o alastramento dessa perene ameaça.

          Caro leitor, se nunca teve a dengue, pergunte a seu redor, dando preferência aos trabalhadores e empregadas. Essa mini-estatística  o informará acerca da inquietante expansão desse flagelo,mas  não deve, no entanto, tranquiliza-lo. Pois o maldito e rajado mosquitinho não faz exceções. Se o subúrbio e as favelas, pela falta de saneamento básico, concentram os grandes viveiros da praga, ela não se cinge às classes menos favorecidas, pois o danado do mosquito ataca a todos, e é rapidamente fecundado e em condições de fazer o mal, em espaço muito curto de tempo. Só carece de poças d’água, de preferência limpas, e de todas as gretas da incúria para levar a doença e até a morte àqueles que vivem em tais áreas.

           Assim, a falta d’água em São Paulo (capital e interior) funcionou como um cruel inimigo de nossa gente. O poder mandou armazenar água, pela sua frequente falta nas torneiras. As donas de casa e suas eventuais empregadas obedeceram. Só que o mandonismo da autoridade, posto que bem intencionado, esquecera um pormenor: essa água deveria estar coberta, porque sem o saber a boa gente dispunha as condições ideais para a criação dessa peste (que, repita-se, só se forma em águas limpas). Vejam só! De um esforço bem-intencionado, o que se lograva era uma contribuição poderosa para incrementar o maldito mosquito Aedes Aegypti.

            Para combater o flagelo da dengue e para diminuir-lhe os casos (e as mortes), se carece de uma ação sustentada. O fogo de palha, no entanto, parece ser mais veraz quanto à atitude não só da população, mas também no que concerne às autoridades. O nosso defeito é que nos falta  continuidade no empenho. Sob o látego da epidemia – e de suas piores consequências – há uma certa conscientização da população (e dos governos, notadamente o municipal). No entanto, aquela tendência de avestruz (recusar-se, após um primeiro momento, de conscientização pelo medo) que prefere tirá-la da mente, como se isto bastasse para fazê-la desaparecer, paira sempre nos arredores. Arrefecida a ameaça,  pensam deixar a conscientização e o medo para trás, como se a página tivesse sido virada.

              É importante não esquecer que a dengue se espalha por causa do subdesenvolvimento cultural, da falta de capacidade de manter o entorno residencial sem poças e sem espaços para os criadouros infernais. É uma enfermidade, fruto do subdesenvolvimento e do  atraso cultural.

              Também é relevante ter-se presente que precisamos de  uma qualidade que nos falta: a persistência, a atenção ao próprio entorno, a vigilância (que não convive nem deixa conviver com casas fechadas, nem com piscinas não-cloradas), pois o direito à privacidade não se acompanha do direito de propagar o mal, pela própria incúria ou desmazelo.

               A continuidade  e a persistência, além da limpeza, são indispensáveis nessa guerra. De nada serve que a autoridade – seja federal, estadual ou municipal – se encastele na presunção de que escondendo o mal, a sua imagem ganhará com isso. Nada mais cretino e autodestrutivo do que tal atitude.

               Recordemos, portanto, que o flagelo da dengue é o distintivo do subdesenvolvimento, com o seu desleixo e falta de higiene.

               A conscientização das comunidades não deve ser peneirada pela hipocrisia e o preconceito.

               Vejam os países em que a dengue se alça, com as negras raias do Aedes Aegypti, e de outros parasitas menos populares – não haverá distintivo mais façanhudo e desmoralizador para aquelas nações – como o Brasil – que através da corrupção e da ignorância se crêem na senda do desenvolvimento ?  De que serve isso, se a epidemia se alastra, mostrando pelo esgar desdentado  o que  valhe a estatística que não se traduz em qualidade de vida.

 

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )   

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