A reação do Ministro da Saúde,
Arthur Chioro, é tristemente típica da atitude de boa parte das autoridades
diante da dengue. Em entrevista à imprensa em São Paulo, tentou a princípio
negar que houvesse epidemia no país. Confrontado com os números, acabou
confirmando: “Tivemos 745.957 casos até o dia dezoito de abril e sabemos que
esse número aumentará. O Brasil vive uma situação de epidemia.”
Nessa
atitude, está encapsulada a reação da população brasileira diante do desafio.
Na primeira resposta, a negação da evidência; diante da realidade que a
imprensa não ignora, a autoridade a reconhece, ainda que forçada.
Essa postura
de avestruz, não serve a ninguém. Em meio a uma epidemia, essa tentativa de
apequenar a ameaça, posterga apenas a sua solução
Para
entender melhor esse fenômeno, tão tristemente brasileiro, que é o de tentar
esconder o sol com peneira, repassemos com a rapidez possível os fatos.
A dengue,
que tinha sido eliminada no Brasil no tempo de Juscelino Kubitschek, voltou com
força mais tarde. Terá vindo através da Venezuela. A realidade é que convivemos com o Aedes
Aegypti desde o século passado.
O desleixo e
a ignorância da população, a par da ausência da autoridade municipal e
estadual, são os grandes fatores para o alastramento dessa perene ameaça.
Caro leitor,
se nunca teve a dengue, pergunte a seu redor, dando preferência aos
trabalhadores e empregadas. Essa mini-estatística o informará acerca da inquietante expansão
desse flagelo,mas não deve, no entanto, tranquiliza-lo.
Pois o maldito e rajado mosquitinho não faz exceções. Se o subúrbio e as
favelas, pela falta de saneamento básico, concentram os grandes viveiros da
praga, ela não se cinge às classes menos favorecidas, pois o danado do mosquito
ataca a todos, e é rapidamente fecundado e em condições de fazer o mal, em
espaço muito curto de tempo. Só carece de poças d’água, de preferência limpas,
e de todas as gretas da incúria para levar a doença e até a morte àqueles que
vivem em tais áreas.
Assim, a
falta d’água em São Paulo (capital e interior) funcionou como um cruel inimigo
de nossa gente. O poder mandou armazenar água, pela sua frequente falta nas
torneiras. As donas de casa e suas eventuais empregadas obedeceram. Só que o
mandonismo da autoridade, posto que bem intencionado, esquecera um pormenor:
essa água deveria estar coberta, porque
sem o saber a boa gente dispunha as condições ideais para a criação dessa peste
(que, repita-se, só se forma em águas limpas). Vejam só! De um esforço
bem-intencionado, o que se lograva era uma contribuição poderosa para
incrementar o maldito mosquito Aedes Aegypti.
Para
combater o flagelo da dengue e para diminuir-lhe os casos (e as mortes), se
carece de uma ação sustentada. O fogo de palha, no entanto, parece ser mais
veraz quanto à atitude não só da população, mas também no que concerne às
autoridades. O nosso defeito é que nos falta continuidade no empenho. Sob o látego da
epidemia – e de suas piores consequências – há uma certa conscientização da
população (e dos governos, notadamente o municipal). No entanto, aquela
tendência de avestruz (recusar-se, após um primeiro momento, de conscientização
pelo medo) que prefere tirá-la da mente, como se isto bastasse para fazê-la
desaparecer, paira sempre nos arredores. Arrefecida a ameaça, pensam deixar a conscientização e o medo para
trás, como se a página tivesse sido virada.
É
importante não esquecer que a dengue se espalha por causa do subdesenvolvimento
cultural, da falta de capacidade de manter o entorno residencial sem poças e
sem espaços para os criadouros infernais. É uma enfermidade, fruto do
subdesenvolvimento e do atraso cultural.
Também é
relevante ter-se presente que precisamos de uma qualidade que nos falta: a
persistência, a atenção ao próprio entorno, a vigilância (que não convive nem
deixa conviver com casas fechadas, nem com piscinas não-cloradas), pois o
direito à privacidade não se acompanha do direito de propagar o mal, pela
própria incúria ou desmazelo.
A
continuidade e a persistência, além da
limpeza, são indispensáveis nessa guerra. De nada serve que a autoridade – seja
federal, estadual ou municipal – se encastele na presunção de que escondendo o
mal, a sua imagem ganhará com isso. Nada mais cretino e autodestrutivo do que tal
atitude.
Recordemos, portanto, que o flagelo da dengue é o distintivo do
subdesenvolvimento, com o seu desleixo e falta de higiene.
A
conscientização das comunidades não deve ser peneirada pela hipocrisia e o
preconceito.
Vejam
os países em que a dengue se alça, com as negras raias do Aedes Aegypti, e de
outros parasitas menos populares – não haverá distintivo mais façanhudo e
desmoralizador para aquelas nações – como o Brasil – que através da corrupção e
da ignorância se crêem na senda do desenvolvimento ? De que serve isso, se a epidemia se alastra,
mostrando pelo esgar desdentado o que valhe a estatística que não se traduz em
qualidade de vida.
( Fontes: O Globo,
Folha de S. Paulo )
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