É o caso de nosso personagem. Com
muitos lauréis na política, a sua caminhada já se tornou longa.
Terá esquecido o próprio passado?
Nascido na pobreza, migrante com a mãe, como tantos milhares veio em pau de
arara tentar a sorte na grande São Paulo, deixando o Nordeste, senão para trás,
mas ponte de referência para futuro melhor.
Se poucos repontam ao cabo da
travessia, depois de anos difíceis logrou, malgrado curta passagem pela escola,
um posto na indústria.
No Brasil, são muitos, demasiados, os
acidentados no trabalho. Se não foi exceção, o torneiro mecânico galgaria a
escada sindical. Tinha fácil a palavra, e soube grimpar os obstáculos. Através
da oratória, que sabia refletir agruras e desafios, foi-lhe crescendo o
público.
Com isso, também aumentou o diapasão
das atenções, tanto as boas, quanto as más. E um dia, a sua eloquência – que,
como os braços – se abria sempre mais, pareceu enquadrar-se na chamada segurança nacional.
Não o sabia a ditadura militar, mas
adentrava com passo decidido a sua última década. No ambiente nervoso, quase
febril, não se quedou por muito no cárcere.
Ficam as marcas, mas o alvoroço de uma
liderança nova atraíu a seu redor personagens de outros mundos, que dele
anteviam passos mais largos, além, muito além do espaço sindical.
Vieram políticos, padres,
intelectuais. No febril cenário de um regime ainda sanhudo, mas já
entremostrando a luzinha no fim do túnel, ele se tornara um personagem, a voz
rouca mas conhecida, na aparência as marcas distintivas da liderança, da prisão
e de uma promessa de ascensão na escala da existência.
Em terra de velhos partidos, fundados
por Vargas e pela oposição, o próprio PMDB de Ulysses poderia ser o próximo
presente, mas acaso seria o futuro? Por
isso, cuidaram de formar um partido diferente, que fosse a um tempo formado de
idéias e de gente do trabalho. Mas não de pelegos e sim de autênticos
trabalhadores, como o torneiro mecânico que será o primeiro presidente do
grêmio.
Por isso, o chamaram partido dos
trabalhadores. O respectivo programa, dele cuidaram os intelectuais, os
religiosos, os artistas e o punhado de gente que acorreu, atraídos pela nova
mensagem.
Acreditavam na sua missão, que sabiam
longa, mas entreviam, na distância, a luz da esperança política. Acreditando
nos próprios fins, temiam a dissidência, e por isso, sem o saber, eram
jacobinos.
Nascia o PT. E com ele, o líder
respectivo, que não devia parecer com os outros chefes de partido. Pensava
representar o novo, e por isso intransigente, monolítico na ação.
Sem empunhar armas, agia como
revolucionário. E como norte, a democracia.
Antes de empolgar o poder, assim
continuaram. Rígidos, inflexíveis, doutrinários. Concessões, alianças por baixo
do pano – jamais! Se almejam o poder, o veem como farol de um Brasil mais igual
e mais aberto. Como imaginar-se possa que alguém se oponha conscientemente a
tais propósitos?
* *
*
O Tempo, que é o senhor da
História, passou. E o poder, após a espera longa e as seguidas derrotas, acabou
caindo no colo do líder operário.
Infelizmente, outras leis começaram
então a operar. O partido, de repente, principiou a crescer em demasia, a ponto
de que viesse o inchaço. Alcançado o poder, e com ele o mando, outras leis, até
então desconhecidas, se apresentam.
Entra em cena Lord Acton. Empolgado
o poder, o Senhor é apresentado formalmente à dona Corrupção. No seu trato, a
alternativa é simples: ou se escolhe o reto caminho, ou o mole, enganoso curso
da corrupção. E sem embargo, pensando facilitar as coisas, tudo fica mais
difícil : as cortinas da dissimulação precisam
ser puxadas em todos os cômodos.
É a melhor maneira de perder o
controle. Imaginando aplanar a via, ele vai criar um sem-fim de armadilhas, estrada
visitada por incertezas, e, ao cabo, angústia e temor de ser afinal descoberto.
Por isso, quando a sorte deixa de
sorrir e madrasta se torna, a princípio ele não se dará conta. Já caminha por
um bom pedaço na avenida do crepúsculo, o Sunset
Boulevard. Continua a pensar que tudo tem sob controle. Tampouco se
apercebeu do ambiente mudado e das luzes mortiças.
Ninguém vai duvidar da
honestidade do ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica. Sai da presidência,
como entrou, com o mesmo Fusca, e a mesma casa nos arrabaldes de Montevidéu.
Uma vida simples, com o sono tranquilo.
Mas Mujica tem a língua por vezes
algo solta. Acaso não chamou Nestor
Kirchner de caolho?
E ele, já no fim de seu segundo
mandato, por que inventou dizer-lhe ser “o
mensalão a única forma de governar o Brasil” ? Agora Mujica nega. Diz que o
presidente do Brasil nunca falou de mensalão com ele. Atribui aos jornalistas, a
quem coube a versão final de seu livro de memórias, a responsabilidade. Diz,
isto sim, que “Lula teve de lidar com coisas imorais, chantagens”.
A incerteza, no entanto,
permanece. Desce a avenida, cercada por casarões construídos por milionários
para as suas amantes ou segundas esposas. Se gostasse de cinema, se lembraria
da mansão de magnata da imprensa, que na solidão pensa em brinquedo da infância.
Mas como pensar nisso – em Rosebud
por exemplo – se não há espaço na pobreza brutal do Nordeste para tais
devaneios ?
A dúvida que permanece, a
sucessão de escândalos – depois do mensalão vem o petrolão – de que servem as
negativas? E o sítio em São Paulo, reformado por amigo empreiteiro, que tanto
difere, pelas melhorias, das propriedades à sua volta? E o tríplex praieiro de
Guarujá?
Enquanto ele vai descendo a via que não parece
ter fim, rememora as idas e vindas da Lava-Jato, e as ameaças veladas ou quase,
de Ricardo Pessoa, dono da UTC, e de Leo Pinheiro, o homem da OAS, com frases
sem complemento, como se pendentes de providências que sente não poder tomar.
Às vezes, a noite cai de
repente. No ermo da avenida – nenhum carro e faz tempo – o lusco-fusco aumenta
com as velhas árvores e a basta folhagem. Tem-se a impressão de que o sol já se
pôs, com as sombras que não sabe se anunciam trevas, ou se são apenas os
piscares de uma longa jornada.
Tudo isso pesa e angustia. Solução,
de verdade, não há. Pois ele abriu a caixa dos segredos, e logo para quem... Na
posição em que se encontra, o jeito é continuar andando. Como se a noite, com
os seus vultos e espectros, ainda vá tardar...
Enquanto isso, o jeito é continuar
andando. E, quem sabe, assobiar uma que outra vez...
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