sexta-feira, 22 de maio de 2015

Notícias direto do Front


                                         

Dezesseis anos e quinze crimes

 

        Que comentário se pode fazer sobre um de menor que já cometeu quinze crimes e ainda tem mais dois anos pela frente de menoridade?

        Com dezesseis anos – é indispensável repeti-lo – um brasileiro é considerado apto a alistar-se e obter título eleitoral, que o habilita  a eleger o Presidente da República.

        E, no entanto, o estatuto da infância e da juventude – empunhado por um grupo coeso e convicto – habilita esse jovem a matar e a voltar às ruas. Escusado dizer que esse suposto ‘direito’ o torna um assassino e, ainda por cima, cruel.

        Não só Jaime Goldman  foi covardemente assassinado.  Com um facão e golpe soez, covarde,  o bandido - cujo nome nem foto não podem ser publicados - cortou a existência de médico empenhado no seu trabalho e em salvar vidas.

        Apesar de não ter reagido – isso é que os protetores desses facínoras recomendam com insistência às potenciais vítimas  – tal não foi bastante para que o promissor facínora se abstivesse de um golpe de faca que ele sabe ser mortal, pois perfura intestino e estômago, áreas do corpo humano de densa irrigação sanguínea.

        Mas ele cujo nome está protegido por férrea lei,  dentro em pouco estará de volta às ruas e às praças, sobretudo em horas do crepúsculo e da noite.  Pois ele tem de aproveitar o seu tempo  de menoridade que lhe resta, e não será decerto para preparar-se para a vida em sociedade.

       Mas, atenção, ele não é um animal. É ser humano, que comete atos que sequer as feras praticam.

       E a esse propósito a frase do governador do Rio de Janeiro quanto à inanidade das prisões de tais  de menores, reflete constrangedora realidade pois não é que sabe-se lá que depois de preso  um desembargador pode logo liberá-lo  com uma liminar ?

 

Palmyra, tragédia anunciada

 

        O E.I. já se apossou de Palmyra. Por enquanto, nada fez de o que se teme possa fazer, eis que no Iraque se ‘assinalara’ por destruir  ruínas catalogadas pela UNESCO.

        A própria desenvoltura do Exército Islâmico já constrange.  De um lado, a terra de ninguém na Síria – que a conjunção dos quatro principais responsáveis pela ação de defesa externa dos Estados Unidos propôs ao Presidente Barack Obama, ao fim do seu primeiro mandato, que a Aliança dos Rebeldes na Síria fosse armada para evitar o predomínio de extremistas.  Obama, no entanto, preferiu não armar os rebeldes sírios reconhecidos pela Liga Árabe. Nisso, contrariou Hillary Clinton e os demais chefes dos departamentos encarregados de fazer frente a ameaças externas.

           Agora,o presidente americano utiliza o poder aéreo para tentar controlar situação de ameaça em muitos lugares. E, sem embargo, embora o ISIS apareça agora em muitas aéreas, todas elas fazem parte do espaço aberto por um conflito  de baixa intensidade, e que antes reunia óbvias condições de derrubar o tirano Bashar al-Assad.

           Não foi por acaso que a guerra civil síria – que parecia prestes a derrubar o regime dos Al-Assad – de repente se tornou um vácuo político. Carente de armas e de apoio logístico, a revolução síria perdeu o ímpeto inicial, ímpeto esse que apontava para a iminente fuga do Presidente sírio.

          Como a natureza abomina o vácuo, com a perda da força da liga que batalhava por uma Síria livre, mal ou bem o regime de Assad conseguiu reforçar as próprias posições ameaçadas. No interior da Síria, a fraqueza da União da Síria livre abriu espaço para o que viria a ser o Estado Islâmico.

          O ISIS exerce algum poder de atração sobre a juventude – na verdade, o proletariado interno[1] – em países como a França e Reino Unido – a ponto de que sua migração para a Síria tenha passado a ser monitorada pelos serviços de segurança.  Carece de ser realizado um trabalho antropológico para determinar o que contribui para a adesão desses jovens. Muito terá a ver com a vida sem atrativos do proletariado interno condenado ao preconceito e à pobreza estrutural, como os descendentes de árabes da Argélia e do Magreb em geral, que ‘radicados’ na França foram chamados, a seu tempo, de “racaille” (ralé) pelo então Ministro do Interior Nicolas Sarkozy.

         Essa minoria cresce – e como! – nos países europeus em que se estabelece, de que são exemplo além da França e Reino Unido,os Países Baixos e a própria Bélgica. A Alemanha mantém também a sua minoria – que no caso são os turcos – os quais também sofrem preconceito, e tem, como os demais, altos níveis de natalidade.

        O E.I. – que é uma forma de barbárie, dispondo, no entanto, de armamento altamente sofisticado, e o que talvez seja mais inquietante, uma estranha capacidade de aliciamento dessa  juventude, cuja maior parte fica à deriva, nos bidonvilles (favelas) do primeiro mundo, e sem eira nem beira -  coloca a sua candidatura para qualquer forma de radicalismo, que venha a dar algum sentido para as suas pulsões. E dado o potencial de agressividade que esses rejeitados do Primeiro Mundo – com a agravante de nele viverem, porém à margem – causaria surpresa que tais movimentos radicais como o ISIS venha a atraí-los?

          Assim, quanto mais anti-establishment, melhor!  Daí a bárbara e crudelíssima encenação das decapitações, em geral decretadas com a mesma facilidade de que nos séculos XV e  XVI as cabeças de “infiéis” eram decepadas, se não gritassem a tempo Allah Uk Akhbar”!, que é uma espécie de confissão relâmpago, do tipo prêt-à-porter[2]...

           Agora o islamismo radical que tira o seu fundamento para tal comportamento de uma suposta base histórica.  O Profeta Maomé, para fundar o respectivo predomínio, teve de afastar a idolatria.  O que foi feito com a destruição dos templos.

            É esse comportamento datado – e que correspondia à eliminação – pelos meios da época – de uma ameaça concreta, que serve de “base” para a política do ISIS de destruição sistemática do passado, sobretudo aquele artístico e religioso, que deve desagradar sobremaneira uma atitude tão redondamente filisteia quanto às professadas por esse pretenso Califado do Povo Islâmico.

            Contando com o apoio de núcleos sunitas – que é versão do tradicionalismo islâmico – a que se opõe a corrente xiita dissidente, aborrece ao Exército Islâmico que o passado – sobretudo em obras de arte até hoje conservadas e catalogadas pela UNESCO como do patrimônio universal da Humanidade – possa vir a afrontá-los, por mais ridícula que seja tal postura tão entranhadamente filisteia.

           Daí, como o Ocidente criou condições para que um vácuo surgisse na Síria, e por outro característico próprio de tais situações, eis que a natureza abomina o vácuo, surge o Bicho-Papão do Exército Islâmico agredindo a mídia e fazendo uma propaganda da estupidez militante (que pode impressionar a mais gente que imaginar-se possa) através da destruição sistemática de obras de arte oriundas do passado da Humanidade, que por estranha coincidência não provêm do mundo islâmico (note-se que o muçulmano não favorece a representação da imagem humana).

           Por cortesia do Ocidente, portanto, e da recusa anterior do Presidente Obama, criaram-se as condições de vácuo de poder no interior da Síria. Ora, como a natureza abomina o vácuo...

           Preparem-se, portanto, para outra terraplanagem bestial do passado de velhas civilizações, que a crer-se pelas atitudes niilistas dos membros do E.I. devem representar ameaça terrível para os mui determinados membros do Califado.

           Lembram-se acaso do Talibã no Afeganistão, e da sua boçal destruição das colossais estátuas que buscavam espelhar um perigoso radical, conhecido como Buda?

           Como todo movimento menor, ele procura incomodar o mundo à sua volta. É o que o ISIS está fazendo, através de seu plano de destruição (que não é total, quando o artefato pode ser vendido a peso de ouro no mercado paralelo...)

           Obama, no entanto, ainda acha possível – ou não tem outra opção por causa de  sua passada falta aguda de visão  – que, em recorrendo ao poder aéreo, tais ações possam ser combatidas...   Não é, porém, o que a prática vem mostrando...

 

( Fonte:  Folha de S. Paulo )




[1] No sentido toynbeano do termo.
[2]  De uso imediato.

Nenhum comentário: