Até que ponto a marchinha Cidade
Maravilhosa, composta em 1934 para o carnaval de 1935, corresponde à realidade
do dia-a-dia do carioca ?
Composta por André Filho, cantada por
Aurora Miranda, e com arranjo de Silva Sobreira, gravada em disco de 78 rpm,
alçada mais tarde à condição da hino da Guanabara, desde muito era a música que
todos cantavam na simplicidade da letra, e pela cadência triunfalista de seus
acordes.
É difícil encontrar por essas bandas
quem não terá entoado o estribilho do grande sucesso, tantas vezes cantado pela
irmã de Carmen Miranda, que logo sentira a potencialidade da marcha de André
Filho:
Cidade
maravilhosa, cheia de encantos mil,
Cidade
maravilhosa, coração do meu Brasil.
Se por acaso, ouvirmos a velha gravação, tingida pelo romantismo de
antanho, ela ainda guarda frases de que será fácil entoar a cadência:
Jardim florido de amor e saudade,
Terra que a todos seduz,
Que Deus te cubra de felicidade,
Ninho de Sonho e de Luz.
No entanto, até que ponto esta marcha
de trinta e cinco pode continuar a evocar-nos a cidade em que vivemos, assim
como entoá-la ao cabo dos bailes carnavalescos, como era usança?
Feita no tempo em que a mui leal e heroica Cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro era o principal
centro do Brasil, o seu louvor da Capital Federal, com o epíteto – Cidade
Maravilhosa – que até hoje, perdida a categoria de Capital Federal,
levada para a poeirenta Brasília em 1960, o Rio de Janeiro, quiçá pela sua
beleza natural, continuou a ser chamado de Cidade Maravilhosa.
Até que ponto tal epíteto, esse
cognome, não é aderência do passado, velho laurel de que a bela cidade reluta
em abandonar?
É o que me perguntei hoje, ao ler no site de O Globo da morte do cardiólogo ciclista, Jaime Gold, de 55 anos,
que, esfaqueado perto da curva do Calombo, na noite de ontem, foi encontrado
desacordado na ciclovia da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Levado de ambulância para o
hospital Miguel Couto, e operado de urgência, ele não resistiu aos ferimentos.
É o caso de perguntar, em que mundo
e em que cidade nos encontramos?
Pode-se ainda falar de “cidade
maravilhosa” no Rio e sem dúvida em outras capitais do Brasil de hoje? Com
todas as estórias sobre a cordialidade de nossa gente, nem os jornais, nem a internet, nos falam de pessoas que
possamos imaginar continuem a andar pelas praças, ruas e avenidas citadinas na
atmosfera alegre e sem cuidados da marchinha de André Filho.
Depois de um dia de estudo e
trabalho, para o médico pareceu fosse hora de pedalar a sua bicicleta no
cenário da Lagoa Rodrigo de Freitas. Ali um prefeito providenciou ciclovia para que se pudesse circular sem
perigo no recortado e belo percurso do
entorno da Lagoa.
Mas agora os grandes espaços –
seja no aterro do Flamengo, seja na Lagoa, seja em todas as ciclovias que a
municipalidade criou para a gente carioca – viraram ermos, terreno propício
para ataque a civis indefesos, na maioria pelos chamados di menores.
São jovens crescidos, em geral
armados de facões e estiletes, que vagam com o cair do crepúsculo e da noite,
por esses grandes espaços, que acreditam promissores, para a rapina de que
vivem.
Como todos os predadores, são
espécie covarde, que não se arrisca em lugares que não sejam ermos, ou que pelo
atropelo – e é esse o formato no centro citadino – torna possível furar (como dizem) os infelizes, seja
por faltar-lhes qualquer defesa, seja por confundir-se no bulício e atropelo
das quase multidões.
Para eles, a temporada de caça
está sempre aberta. Nos largos espaços e nos pitorescos recantos da Cidade
Maravilhosa, não há polícia à vista, nem patrulhamento que honre esse
nome.
Se algo de funesto acontece, como na
morte do professor ciclista na Lagoa – pois ele não resistiu às facadas desses
jovens sem responsabilidade penal – aí então se ouvirão na mídia, e lerão na
imprensa, que a PM lamenta o ocorrido, e
que está tomando as devidas providências.
Não sei que providências são
essas, mas me recordo sempre da frase de vizinho que a propósito de segurança,
disse com o conhecimento de causa do carioca:
“No Rio de Janeiro, quem cuida da segurança é Deus.”
( Fontes: Rede
Globo; Site de O Globo )
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