domingo, 24 de maio de 2015

Colcha de Retalhos C 19

                                      

Ausência de Joaquim Levy
 

       Joaquim Levy está realmente gripado, mas esta não foi a razão da cadeira vazia por ocasião do anúncio do corte no orçamento, que foi referido pelo blog de ontem (Exigências fortes para Governo fraco).

       Como é seu feitio, tendo mais respeito à própria biografia do que a contingências de partido, o Ministro Levy quis marcar posição sobre suas divergências em relação ao tom do Ajuste e do cenário fiscal, que considera bem mais sombrio do que aquele apresentado pelo Governo Dilma II.

        Não é só no Planalto que uma eventual saída do chefe da equipe econômica, sobretudo no atual cenário, seria vista como desastrosa. Sem querer pôr panos quentes, Levy gostaria que os parâmetros do contingenciamento fossem mais duros, bem como a mensagem geral sobre a situação econômica.

         Nesse contexto, Levy já mencionara em reuniões internas que a estimativa da receita para 2015, de R$ 1,158 trilhão está superestimada, mas prevaleceu o vezo oficialóide de adotar números mais inchados, para pintar com cores otimistas situação que nada tem de brilhante. Parece que ao Planalto interessa mais números no estilo Guido Mantega... Mesmo com a inevitável ulterior lesão à credibilidade.

         Não há dúvida de que a fraqueza do Governo Dilma acaba com as defesas do Governo, e a consequente crescente arrogância da antiga base aliada (inclusive nas fileiras do PT). Poucos no Congresso, assim como de Virginia Woolf,  têm medo de contrariá-la. A demagogia tem campo livre em um claudicante Palácio do Planalto.  Note-se, por exemplo, a recente “bondade” da Câmara em termos das regras do notório fator previdenciário. Com as mudanças no mecanismo, votadas tanto pela aliança demagógica de PT-PTB e a incrível cambalhota do PSDB (que na gestão FHC criara o tal fator), a previsão dos expertos na área é que com tal descarada demagogia em menos de uma década o regime da previdência ficará insustentável.

         Nesse aspecto, seria mais do que interessante, e sim cogente e oportuno que os senhores deputados fossem informados, quando da tal votação, de o que ocorreu recentemente com os serviços previdenciários de países da União Europeia (como v.g. Portugal), em que a irresponsabilidade econômico-financeira deixou a Previdência de mais de um país em situação de insolvência, vale dizer sem poder atender ao que os preclaros representantes do Povo tinham disposto.

          Por último, parece que o estreito círculo do Governo Dilma não está mais levando tão a sério a aquiescência do Ministro Joaquim Levy.  Como assinala a seção econômico-financeira da Folha,  o Ministro da Fazenda pedira que a MP que aumenta de 15% para 20% a taxação dos bancos via CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) fosse editada não de imediato. Levy queria mais tempo para dialogar  com o setor financeiro e evitar uma taxação surpresa.

         Mas – terá sido o velho populismo ? -  a Presidenta e o Ministro Aloizio Mercadante foram contra. Nada de favores a banqueiros. Dessarte, a MP foi publicada no “Diário Oficial” da sexta feira, dia mesmo do anúncio do corte...

         Na minguante dílmica corte, o favorito continua sendo Aloizio Mercadante. Não  que tenha tido muito sucesso ultimamente. Lembram-se da confusão armada pela eleição – surpresa para o Planalto! – de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ?   

          Pois Mercandante continuou a embalar sua Raínha com douradas novas da eleição de Arlindo Chinaglia (PT), que, em relação a nomes anteriores, era um nome que prometia. O problema se cingia em que a situação mudara e o favorito Mercadante terá mantido a esperança da sua Chefe, a despeito da realidade... E deu no que deu. Aquele foi o primeiro sinal negativo de uma comovente série que então se encetava.

          E agora, esse patético núcleo duro de um Palácio sempre mais assediado, acha que é hora de contrariar Joaquim Levy?  Pensam, acaso, que vão ficar bem na foto se ele sair batendo a porta?

 
  Indiciamento pelo Grand Jury



 
        No sistema penal americano, em juízo de competência de tribunal de júri, após o indiciamento pelo promotor, a decisão para o julgamento precisa ser confirmada pelo grand júri.

        Nas mortes de afro-americanos provocadas por políciais americanos neste ano, esta é a primeira em que o pré-indiciamento pelo promotor foi corroborado pelo grand jury. Nesta última quinta-feira, 21 de maio, segundo informou a promotora Marilyn J. Mosby,  o grand jury aprovou acusações similares àquelas feitas por ela.

        A acusação mais grave recai sobre o motorista da van – o oficial de polícia Caesar R. Goodson Jr.-, inculpado de homicídio em segundo grau, de má-fé,  com  agravante de caráter doloso (depraved heart murder).

         O afro-americano Freddie Gray morrera a dezenove de abril, em decorrência dos maus tratos recebidos quando foi algemado no piso da caminhonete, logo após a detenção a que não opôs resistência. Apesar de seus pedidos de ajuda, o motorista da van, - o qual verificou, por mais de uma vez, a sua condição - nada fez para sanar o grave incômodo e agudo mal-estar que a posição em que fora colocado no chão do veículo lhe estava causando. Por causa dessa iterada crueldade, o prisioneiro quando chegou ao destino estava in articulo mortis. Os serviços do hospital para o qual foi transferido conseguiram reanimá-lo, mas as lesões provocadas pelo comportamento da polícia e em particular do motorista Goodson Jr., foram irreparáveis, o que foi comprovado pelo óbito de Freddie Gray.

 

O  Fenômeno Trem-Bala ou da Incapacidade de Realização

 

           Nem mais parece que um Presidente logrou construir uma capital no decurso do próprio mandato, assim como conseguiu que os elos rodoviários com Brasília fossem terminados no prazo, como ocorreu com a Rio-Brasil e a Belem-Brasília. Os sacrifícios foram enormes para implantar a determinação constitucional da Carta de 1946.         

            Dom Bosco teve a visão profética que prefigura o grande centro das decisões nacionais em local hoje marcado por um pequeno santuário. Dali, o visitante poderá descortinar a realidade urbana de hoje, com alguns dos edifícios e monumentos que marcam a grande empresa de JK.

             Não mais os brasileiros continuariam a arranhar as costas como caranguejos, na frase célebre de Frei Vicente do Salvador. A importância de demandar os sertões e abrir o continente brasílico já era sentida em 1627. Como nos escreve Jaime Cortesão, o grande historiador português, que foi por nós asilado, durante período da ditadura Salazar,  já nos fala dos padres-matemáticos, a par das entradas e bandeiras que desbravaram a terra ignota dos sertãos. O próprio Pedro Teixeira, em expedição famosa, saída do Maranhão, assustou as autoridades quitenhas, ao atravessar a bacia amazônica.

             A coragem e o empreendimento desse pioneiro provocaria, no lusco-fusco da União luso-brasileira,  a cólera do Conselho de Índias, pois lhes desagradava deveras o destemor do explorador Pedro Teixeira, chegando aos sonolentos domínios de Castela, às vésperas do término da União peninsular. Se Portugal se tornou herança de Felipe II, ao cabo da calamidade de Alcácer-Quebir, e a morte do jovem Dom Sebastião, sessenta anos depois o Duque de Bragança,  em 1° de dezembro de 1640 proclama a independência do Reino, e assume o nome de D. João IV.

             Pelas notícias, no entanto, da mídia, essa capacidade de realização, que tanto assinalou os luso-brasileiros vem fazendo muito falta nesse século XXI. A tal ponto, que se tornou recurso bastante corriqueiro da mídia apresentar, em diversa ordem de grandeza, geringonças abandonadas, todas elas visando a objetivos meritórios para as populações concernentes.

              Não é só do famoso trem-bala, que os arautos governistas tanto anunciaram. Dessa magna obra, que por ora está no papel e na delirante imaginação de políticos,  nada há de concreto. Sem embargo, de ferrovias e de um novo curso para o rio São Francisco – tão criticado por quem mais conhece essa grande artéria fluvial – estão a céu aberto com as obras inacabadas (posto que há muito anunciadas).

             O espírito de JK – que partilhava a coragem e a capacidade de tantas entradas e bandeiras – parece que recolheu-se às Alterosas, porque não é mais visto por aí.

              Só permanecem os restos da incompetência, ou da cobiça, ou daquela velha malemolência que marcava a figura do caboclo, que parecia satisfeito com os apertos e inconvenientes da própria centenária miséria a que fora confinado...

 

( Fontes: Jaime Cortesão; The New York Times;  Folha de S. Paulo )  

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