O chamado ‘Estado do Exército
Islâmico na Síria’ (ISIS)[1], e em especial a
sua ‘capital’ são mencionados de
forma assaz perfunctória pela mídia, a ponto de que a desinformação seja a
principal característica dessa entidade. Nesse contexto, a divulgação
concernente ao ISIS se assinala por três grandes traços: (a) as decapitações dos reféns; (b) os bombardeios de seus núcleos pelas potências ocidentais,
notadamente os EUA; (c) o seu avanço
pelos espaços abertos pela guerra na Síria e no Iraque.
Partindo
do pressuposto de que é melhor conhecer do adversário, sobretudo por força de
seus traços realçados pelo noticiário,
como o seu caráter obnóxio, tão contrário às características do estado
moderno, semelha revestir interesse a descrição de certos aspectos relacionados
com a sua ‘capital’.
A maior parte dos dados foram colhidos em
artigo, publicado por ‘The New York Review of Books’, em seu número 2,
de 5 de fevereiro do ano corrente. A autora, Sarah Birke, é
correspondente para o Oriente Médio do ‘Economist’,
e consoante o resumo fornecido pela NYRB,
viveu na Síria por três anos. Presume-se, por conseguinte, que os dados por ela
obtidos são consequência dessa cercania.
Dadas as
características do movimento, é de intuir-se que as fontes primárias de suas
informações tenham de ser resguardadas.
Há muito
mistério acerca deste suposto califado. Os seus traços reacionários não poderiam
enfatizar mais o desígnio da reexumação do califa, enquanto chefe religioso e
político. A sua filiação é do ramo sunita radical. Por não admitir a composição
com o “erro”, a transigência não é substantivo
que o caracterize. Tampouco ela é aconselhável como norma existencial para os
seus habitantes, voluntários ou não.
Como se
sabe, o islamismo é a mais nova das
três religiões monoteístas (judaísmo e
cristianismo são as outras duas), e talvez por tal característica seja a
mais intolerante. Obviamente, esse traço é mesmo nesse credo bastante variável.
O Islã já teve fases de maior liberdade, com o sufismo e seus diversos santos. Contudo, o antagonismo presente
leva a que os crentes do Suna (tronco) vejam na Xia
(o novo ramo saído de um dos sucessores de Maomé) mais do que adversários,
inimigos. Nesse contexto, a seita Alauíta
(uma composição de várias crenças) é considerada pelos sunitas radicais
(e são estes os dirigentes do ISIS) como outro inimigo, no mesmo nível dos
demais credos, islamitas ou não.
A
tolerância – ou a compreensão do Outro – é um dos traços das religiões mais
antigas como o Hinduismo e o Budismo. Não sói, no entanto, ser característica
do mundo islâmico, embora o paroxismo presente nem sempre haja prevalecido.
Talvez o caráter mais intolerante do islamismo surja no Egito, com o sunismo
politizado da Fraternidade Muçulmana,
fundada pelo mestre-escola egípcio Hassan al-Banna, em 1928. Essa
postura radical – com a suposta volta às
raízes – está igualmente na seita Wahabita,
da Arábia Saudita, no movimento terrorista da al-Qaida e nos talibãs do
Afeganistão.
Dentre
as proibições das seitas islamitas mais radicais – e a sunita é uma delas – a figuração
do humano é expressamente desaconselhada.
Nesse contexto, entende-se melhor – embora tal não seja sinônimo de
aceitação – que os muçulmanos não vejam com bons olhos desenhos a respeito do
Profeta Maomé, e, a fortiori,
qualquer caricatura do fundador de sua religião.
Mas
voltemos aos dados disponíveis sobre a localização atual de sua ‘capital’, que
é a cidade síria de Raqqa, situada no norte da Síria. A sua população atual estaria entre 250 mil e
500 mil habitantes.
Pela
sua localização e facilidades de conexão com outras áreas de atividade do ISIS
(o leste sírio e o Iraque, nele incluído o Curdistão), embora Damasco nominalmente
se oponha ao Estado Islâmico, a presente situação de Bashar al-Assad pode levá-lo
a considerar que quem não é seu inimigo declarado, possa ser tolerado,
atendidas determinadas circunstâncias.
O
Estado Islâmico tem como chefe – ou Califa – Abu Bakr al-Baghdadi, que é obviamente sunita. Presume-se que
resida em Raqqa, mas não se deve exagerar nesse verbo. Esta cidade é um dos alvos principais de
bombardeio ocidental. Na distribuição de tarefas, os Estados Unidos são responsáveis
por 97%
das ações (de que igualmente participam a Arábia Saudita e os
Emirados Árabes Unidos). Da coalizão contra o ISIS participam também o Reino
Unido, a França e a Austrália, mas as intervenções desses últimos três países
se restringem ao território do Iraque.
Pelo que se possa saber do Estado de
características medievais, a população,
além de apreciar a versão radical do Islã, apoia a própria liderança, e gosta
de assistir aos únicos espetáculos
organizados pelo ISIS. Como se sabe,
tal ‘diversão’ – que o ISIS faz realizar em colina nos arredores da cidade – é
a decapitação. Os vídeos passados aos serviços da imprensa ocidental mostram um
grupo de infelizes que, por motivos diversos, caíu em mãos desse exército
radical. Por serem infiéis, terão a cabeça decepada. Dessas vítimas, há nacionais
americanos e de outros países europeus e próximos ao Ocidente, como o Japão.
A
decapitação é a forma tradicional de ‘justiciar’ o infiel, ou aquele que por circunstâncias fora de seu controle caía
nas mãos desta malta. O ISIS busca justificar a prática abominável como
represália aos bombardeios americanos dos núcleos do movimento no Iraque e na
Síria. Dados os traços medievais do Exército Islâmico – o califado, a
intolerância como norma de conduta do poder, a aplicação da Sharia – não há de causar espécie que as
execuções, além de entendidas como meio político, sejam vistas em nível de
espetáculo para o povão.
Não há outras diversões presumíveis neste estado radical. Segundo consta, a
população deve cuidar-se dos bombardeios, embora não haja detalhes sobre o
eventual procedimento. É lógico que as ações aéreas visem à liderança do ISIS,
e daí a preocupação dos chefes e subchefes em circular continuamente.
Embora tal informação deva ser tomada com reserva, não existiria
corrupção na área sob controle do ISIS. Esse traço positivo da liderança – dada
a prevalência dessa usança em toda a região (e dizem que ela existiria mesmo em
outros países...) – não deixa de ser mencionado de forma positiva pela
população da ‘capital’ do Califado.
Quanto a outras formas modernas de comunicação, são de difícil utilização,
mas podem ser acessíveis à população desde que deseje pagar por elas, dadas os
inúmeros entraves existentes, que seriam mais de ordem prática do que política.
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