Não poderia ser diferente para a Casa de
Rio Branco a deletéria gestão de Dilma Rousseff. Ruim na economia, como o seu
recurso in extremis a Joaquim Levy o
demonstra, também em política externa a presidenta calcou a própria
mediocridade, com inusitados, talvez freudianos, maus tratos ao velho
Itamaraty.
A instituição que, para fortuna do
Brasil, Alexandre de Gusmão lançou os fundamentos, e o Barão
do Rio Branco valeu-se da faina de seus antecessores no Império para afirmar
e exibir ao mundo uma longa fronteira inconteste, que resulta do estudo aturado
dos precedentes e da leitura de velhos maços na implementação de diplomacia de
estado.
Enquanto os nossos vizinhos se debatiam na chamada diplomacia de partido,
Rio Branco valeu-se daquela de chancelaria, em que o império de funcionários de
escol como Duarte da Ponte Ribeiro,
que ensejaria ao nosso Patrono enfrentar com consagrador êxito a hora da
verdade dos laudos arbitrais, com que o filho do Visconde do Rio Branco daria o seu máximo contributo ao traçado das
lindes do Brasil República.
Alhures me tenho ocupado do erro de Lula da Silva, ao submeter ao eleitorado
brasileiro a sua suposta chefa de gabinete. Enjeitou gente mais capacitada no
seu PT, e o fez porque pensava – ledo engano! – apresentar-se de novo já em
2014. Não contou, seja por húbris,
seja por falta de conhecimento, com a força inercial de presidente em
exercício.
Essa falta de traquejo da candidata de
algibeira – seu primeiro poste – se refletiria em muitos setores, porque as árvores
só podem dar frutos que provenham da respectiva seiva. Não causa estranhável
espanto, por conseguinte, que não haja sido diferente no Itamaraty.
Se já havia em nosso ministério, por
obra de Lula da Silva, um núcleo a ele subordinado, na presidência de Dilma tal
presença se inchou, passando na prática a ter a responsabilidade pela América
Latina e, em particular, a chamada área bolivariana. O PT trazia para a Casa do
Barão a sua antítese, i.e., a
diplomacia de partido, que tão bons resultados dera para os nossos vizinhos, no
Império e na República...
Não se vá comparar esse arremedo
caboclo com o Assessor de Segurança Nacional da Casa Branca. Os seus
responsáveis estão subordinados diretamente ao Presidente, e como funcionários
do Executivo independem do referendo do Senado. Mas na diplomacia, a
precedência ao Secretário de Estado, e só em ocasiões únicas, como quando Henry Kissinger foi assessor do
Presidente Richard Nixon, encarregado do Departamento de Estado, o Secretário William Rogers, aquele pela mediocridade
deste teve maior relevo e influência, tanto que acabaria por assumir o
Departamento.
Mas voltemos a Pindorama. Já é fato
praticamente assumido e inconteste, de que cabe a palma à Dilma Rousseff em
termos de nefasta influência sobre o Ministério das Relações Exteriores. Não
sei se a competência e a exação dos diplomatas terão indisposto a Presidenta
com a Casa de Rio Branco. Nem mesmo o regime militar ousou desprestigiar e não
valer-se de nosso ministério. Como carreira de estado, ao setor castrense não
parecia inteligente não ouvir e atender às ponderações do Itamaraty em matéria
de sua competência.
Talvez a dílmica má vontade se deva a
idiossincrasias pessoais, eis que na cena internacional, os máximos
representantes dos Estados valem pela sua capacidade e o dom de, entre iguais,
sobressair. Lula, com todos os seus defeitos, circulou com desenvoltura e
inegável sucesso nesse reduzido círculo, em que uns, pela própria capacidade e
dom de gentes, contam mais do que muitos outros. Realmente, é acabrunhante a
maneira com que Dilma Rousseff tem singularizado – no mau sentido – o velho
Itamaraty, cortando-lhe as verbas e quase o tratando como se fora uma daquelas secretarias
pro forma, que para nossa vergonha
incham o gabinete e tornam patéticas as suas reuniões plenárias.
Agora o Palácio do Planalto colhe no
Senado os maus frutos que plantou. Creio que o veto legislativo a Guilherme
Patriota fulmina um bom profissional. Ele é irmão de Antonio Patriota, que foi
defenestrado pela Presidenta porque a longa inação do Palácio do Planalto
quanto ao asilado na embaixada de La Paz já ultrapassara todos os limites, por
um caudatarismo com o poder local que surpreenderia a quem entendesse, mesmo que
só um pouco, dos precedentes. Tampouco é admissível o tratamento reservado a jovem
colega que agiu com ética e coragem, na prática cortando um nó que já perdurava
muito além do respeito que é devido à chancelaria brasileira.
A existência de uma dualidade, por
primeira vez na história republicana, no Ministério das Relações Exteriores, é
o fator determinante da atuação do Senado Federal. Guilherme Patriota é
castigado por votação que creio inédita nos anais republicanos – no que
concerne a diplomata de carreira – e que se deveria a seu patrono, Marco
Aurélio Garcia, que, com Dilma, nas relações interamericanas, ganhou ulterior
realce. Não é mistério que esse intelectual petista seja o alvo precípuo da
votação senatorial. Pessoalmente, nada tenho contra o Professor Marco Aurélio,
mas quanto à sua ingerência no Itamaraty, non
possumus.
Se a minha memória não me engana,
só houve em nossa petite histoire dois
episódios com certa analogia à votação
da Câmara Alta rejeitando a nomeação do Embaixador Patriota para Representante
do Brasil no Conselho da Organização dos Estados Americanos.
Os meus colegas compreenderão que
não lhes decline os nomes. Durante o governo militar, a indicação feita, creio,
pelo General Ernesto Geisel, então Presidente do Brasil, para embaixador de um
veterano diplomata só foi aprovada por um
voto de diferença. A fronda contra o Itamaraty se devia, em realidade, a questão
pessoal de um senador contra o colega nosso. A liderança do governo na época
teve mais competência do que a atual para evitar a rejeição, que, dadas as
características do poder de então, produziria decerto uma crise de Estado.
Por outro lado, nos albores da
Nova República, a indicação para embaixada de diplomata, então lotado em posto
excêntrico, se provaria inaceitável, pela notoriedade do funcionário na sua
atuação no que tange aos brasileiros asilados na América Latina. Formou-se então consenso que levou a
deixar-se a questão cair, por politicamente irrealizável a nomeação.
( Fontes: Folha de S. Paulo;
artigo de Clovis Rossi ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário