Um fenômeno que visita muitas guerras é a crença que
serão breves. Daí, o relativo entusiasmo que as acompanha, embalado pela
convicção generalizada de que não vão durar muito.
Na primeira grande guerra, para as
tropas de soldados alemães que marchavam para o matadouro desse conflito – que
ao invés de táticas de movimento, se caracterizaria pelas trincheiras – os
jubilosos assistentes jogavam flores, na certeza de que a tropa logo voltaria vitoriosa.
Essa certeza se exprimia na frase – daheim wenn der Laube fällt[1] - e com o apoio da
propaganda governamental transmitia essa virtual certeza, que mascarava a
perspectiva sempre possível de um embate longo e sangrento.
As potências europeias por força da
política das alianças e dos compromissos secretos se submeteram a mecanismos
infernais, que as arrastaram a mergulhar em um túnel sem fim, do qual ao cabo
de quatro anos milhões não sairiam, e outros voltariam estropiados, para a
realidade do desemprego e da miséria.
Por outro lado, o Tratado de
Versailles, em que a miopia e a ganância dos vencedores prevaleceu – daí a
frase ditado de Versailles - criou as
condições ideais para que no adubo do ressentimento e das pesadas sanções
surgissem os demagogos e extremistas que tratariam de logo pôr em movimento a
maquina infernal que, com o desaparecimento da antiga prosperidade, a chamada belle époque virasse miragem. Com a
inflação dos anos vinte e a depressão dos trinta, a Europa e o mundo se armavam para que o virtual armistício do
Tratado de Versailles – e os demais que disporiam sobre conflitos localizados –
de modo que a sociedade internacional pré-1914, com o seu alto intercâmbio, a
longa paz, e um mundo mais aberto, sem passaportes quedasse como quadro
nostálgico de um passado tornado inatingível pelos rancores dos vencidos e os
temores dos triunfantes.
Entende-se, por conseguinte, que os
dois calhamaços de Oswald Spengler ‘Der Untergang des Abendlandes’[2] se
tornassem best-seller internacional.
A obra de Spengler refletia o pessimismo que se sucedeu a uma tragédia antes
impensável, no mundo de cortes, rígidas etiquetas e velhas dinastias. Foi terrorista
sérvio, Gavrilo Princip, imbuído do ódio ao Império Austríaco que
cuidaria em Sarajevo, ajudado pela incompetência dos serviços do Império Dual,
de matar o herdeiro da Coroa Austríaca, e de sua esposa morganática, e fazer
com que desaparecesse para sempre aquele peculiar mundo de compreensão e boas
maneiras.
Com o hábil e competente Pyotr A.
Stolypin assassinado em 1911 na Rússia dos Tzares, os Ministros de Nicolau II
dariam com resolução um passo para o abismo, assegurando que a Grande Guerra
parisse gente como um pintor medíocre, de nome Adolf Hitler, e padre georgiano,
Joseph Djugashivili[3]. Juntos, os dois matariam,
em estimativa conservadora, quando à frente de férreas ditaduras, cerca de 50
milhões de homens e mulheres.
Spengler introduziria o que muitos
consideraram novo tipo de história, com leis que determinam o florescimento e a
queda de civilizações. Teve alguma influência sobre o grande historiador Arnold
Toynbee, que publicou a obra mestra, Um Estudo de História, em doze volumes, sendo um de mapas. Terminado
o exame abrangente das civilizações e culturas, incluíra um tomo de ‘Reconsiderações’, o que lhe mostrou o
espírito aberto e a capacidade de admitir eventuais erros.
Depois de colher muitos aplausos e
fruir da posição de primus inter pares, com o pós-modernismo e a safra de
novos historiadores, a sua cotação terá caído. Houve até o caso de historiador
menor, que, ganhando prêmio sob o nome de A.J.Toynbee, julgou por bem aceitá-lo e fazer-lhe a
respeito alguns juízos derrogatórios, apontando supostas lacunas na obra de
Toynbee... Creio que se vivo fora, com a respectiva fleugma, o grande historiador
acharia natural esta peculiar atitude, que refletiria as contínuas mudanças nas
sociedades e nas culturas.
Para a situação presente da
superpotência, em que vai repontando o seu desafiante futuro, que é a República
Popular da China, os efeitos do colossal erro, partilhado por George W. Bush, por aceder alacremente
ao propósito de seus auxiliares, e, em especial, de seu Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, acarretaram brutal
perda para a economia americana.
Os erros garrafais no planejamento,
a Blitzkrieg que se transformou em
enorme poço de areia movediça tão logo formalmente terminada, e a falta de
qualquer programação para o pós-guerra contribuíram pesadamente para
transformar o ‘triunfo’ prematuramente celebrado no porta-aviões Abraham
Lincoln, em tragédia americana com um misto de farsa oriental.
No figurino de Rumsfeld a rapidez
tinha menos características da Blitzkrieg
de que em realidade tratamento deficiente e com enormes lacunas do imediato
pós-guerra. Na pressa de declarar vitória e de dar a empresa por encerrada, na
frase adaptada de Tancredo Neves,
faltou consultar a outra parte.
O atabalhoado simulacro de
planejamento de Rumsfeld logo se faria sentir pelas suas gritantes falhas. Não
se cuidou da ocupação militar, nem de medidas para assegurar a propriedade e os
haveres do governo de Saddam, assim como as próprias antiguidades dos museus.
Foi ainda nessa primeira fase de
anarquia e de falta de segurança, em que o representante das Nações Unidas, Sérgio
Vieira de Mello, viria a falecer na Zona Verde – supostamente área
protegida – por hemorragia interna causada por bomba, a dezenove de agosto de
2003, em longa agonia (por achar-se preso nos destroços da explosão foi
impossível retirá-lo do local de sua morte).
O roubo generalizado dos bens
públicos – inclusive as peças das civilizações antigas guardadas por diversas
instituições do Estado – passaram a ser objeto de pilhagem generalizada.
A insegurança – que se tornou o
traço distintivo do pós-guerra – retirou da população qualquer atitude de
benevolência com os novos Senhores da guerra, eis que a suposta coalizão de
Bush havia afastado e derrubado o regime de Saddam para colocar no seu lugar a
falta de autoridade, o saque e a pilhagem indiscriminados.
O inepto planejamento de Rumsfeld –
que seria agravado com a geral desmobilização do exército e da guarda
republicana de Saddam – do dia para a noite jogou na clandestinidade boa
parcela dos militares. Na prática, a rebelião tinha à sua disposição gente
treinada para o mister, que se colocara na rua, sem lhe dar qualquer opção de saída
honrosa, mais inteligente e adequada para as duas partes.
Não tardou muito para que
começassem a repontar vítimas ilustres do garrafal erro de Rumsfeld. O
brasileiro e funcionário internacional Sergio Vieira de Mello seria a vítima
proeminente dessa enorme desordem, que o terrorismo, em seus vários matizes,
soube infelizmente utilizar com maior eficácia do que a administração da
ocupação, que seria montada às pressas.
Dessarte, a expedição militar
planejada por Don Rumsfeld logo se transformaria em um atualizado inferno de
Dante para as forças de ocupação, montadas de afogadilho, pela simples razão de
que o Secretário da Defesa se esquecera de programa para o pós-conflito. Assim, o que ele via como economia transformou-se em sumidouro
de verbas em dólares, com as perdas causadas pelos i.e.d.s (que são engenhos explosivos montados pelos insurgentes), danos
esses incrementados pela falta de blindagem adequada dos veículos militares
(eis que, para Rumsfeld tudo seria muito rápido, o que dispensaria na mor parte
dos casos fortes blindagens em veículos militares...). Dados os desastrosos
resultados desse planejamento de alta incompetência, e a clara origem dos
vultosos erros com as conhecidas trágicas consequências para os militares
americanos, surpreende deveras que Don
Rumsfeld só tenha sido demitido da Secretaria de Defesa em 2006. Foram
essas falhas gritantes no planejamento e equipamento das tropas que aumentaram
o número de baixas fatais, e a consequente exoneração do Secretário da Defesa.
A eleição intermediária de 2006 determinaria o controle democrata de Senado e
Câmara, como resultado da péssima gestão do Presidente.
Selaria o juízo da população (e da
história) de George W. Bush pelo encaminhamento irresponsável de uma guerra nada
oportuna e por demais equivocada (seja nas próprias razões, eis que Saddam nada
tinha a ver com a al-Qaida, seja na calamitosa preparação do exército americano
para a dita missão) e a fortiori,
pelo enorme gasto nos haveres da Superpotência, com graves e gritantes
consequências na situação econômica e financeira estadunidense.
Além de suas vítimas políticas, o
Partido Republicano pagou um preço alto pelo enorme e gravoso erro de George Walker Bush. As consequências
políticas da guerra do Iraque, o uso indiscriminado da tortura pelas forças
americanas, seja pela CIA, seja nas prisões (Abu Graib é exemplo) contribuíu para a desmoralização ética e moral
do governo, soando cada vez mais patéticas as negações da tortura de parte de
George Bush e de seus altos funcionários.
Mas a mais pesada maldição de
Saddam Hussein – descoberto hirsuto e imundo metido em esquálido poço de fundo
de quintal - foi o de ser celeremente condenado à morte pelo governo iraquiano,
a ponto de fazer parecer moderados os tribunais de Fouquier Tinville, na época
do Terror, da Revolução Francesa.
Não há qualquer dúvida sobre o
nível moral e ético do ex-presidente do Iraque. Tampouco há discussão sobre a
amplitude de seus crimes. No entanto, nada disso impediu os governos dos
Estados Unidos da América de manterem com o ditador sunita do Iraque relações
até de cordialidade e de cooperação, inclusive militar.
Ao invés de ser julgado à
oriental, seria mais positivo entregá-lo ao Tribunal Penal Internacional, para
que fosse objeto de um juízo équo e imparcial– como foi concedido a Slobodan
Milosevic. As características do tribunal iraquiano tem muito mais a ver com juízo
xiita de uma personalidade sunita, do que com qualquer sombra de eventual
imagem de uma justiça vendada e atenta aos direitos das partes. Afinal de
contas, os Estados Unidos se recusam a participar do Tribunal Penal
Internacional por idiossincrasias políticas. É conhecido no particular o aporte
dado à constituição do TPI por David Scheffer, enviado especial da
Administração Clinton às negociações diplomáticas para a constituição dos
Tribunais para os crimes de guerra.
( a
continuar )
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