quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Perguntam e Francisco responde


                           

          Antes da eleição de Papa Francisco, os pontífices não davam entrevistas para a imprensa e muito menos assentiam a conferências de imprensa.

           Francisco traria um novo estilo para a Igreja, com maior abertura com os fiéis. Abandonou a utilização de 'papa-móveis' blindados. Como mostrou em uma de suas primeiras visitas ao exterior, na vinda ao Rio de Janeiro, pôs em polvorosa o pessoal da segurança, que acabou se acostumando com o seu modelo mais aberto e mais entregue aos desígnios do Senhor.

            Mutatis mutandis, na simplicidade e no carisma, o modelo pontifício de que mais se aproxima é o de S. João XXIII.  Papa Roncalli mostrou logo ao que vinha ao escolher o nome do apóstolo João como a sua apelação pontifícia. Se não me engano, desde a Idade Média, o nome do apóstolo das gentes não era assumido por um sucessor de Pedro.

             Quebrando tabus, o Papa Francisco acedeu às entrevistas, quando retorna de suas viagens pastorais. Na sua volta do México, Francisco sugeriu que Donald Trump 'não é cristão' pela dureza de suas promessas de campanha em deportar mais imigrantes e forçar o México a pagar por uma muralha ao longo da fronteira. E acrescentou: "Uma pessoa que pensa somente em construir muralhas, qualquer que seja a sua localização, e não em construir pontes, não é cristão".

              O Santo Padre também enfrentou a pergunta se a Igreja deve conceder uma exceção às suas proibições de aborto e de controle de natalidade, nas regiões em que o vírus zika está causando emergência na saúde pública, inclusive em grande parte da América Latina católica.

              Ao responder a pergunta, Sua Santidade distinguiu entre aborto - o qual não é admissível em qualquer caso - e o controle da natalidade. Neste último caso, ele pareceu mais disposto a fazer uma exceção, e citou a decisão de Papa Paulo VI nos anos sessenta de conceder permissão especial a freiras no Congo Belga a usar contraceptivos, por causa do perigo de estupro na região.

              Como se sabe, ao promulgar a encíclica Humanae Vitae, Papa Montini resolvera proibir toda forma de controle anticonceptivo, contrariando a maioria da Comissão que convocara para assessorá-lo. O único método admitido pela Santa Sé até hoje de prevenir a concepção  é aquele dito natural.

             Pouco antes de tomar o avião no retorno à Roma e à Santa Sé,  Papa Francisco oficiou missa multitudinária na fronteiriça Ciudad Juárez. Primeiro caminhou até a margem do Rio Grande - enquanto os guardas americanos observavam do outro lado - para depositar flores em novo monumento dedicado àqueles que morreram tentando atravessar a fronteira. Em seguida, Francisco celebrou a missa perante duzentos mil fiéis que ouviram o Santo Padre pedir compaixão para todos aqueles imigrantes que fogem do caos, da pobreza e da guerra.

               Diante das instantes perguntas sobre Donald Trump, o Sumo Pontífice timbrou em esclarecer a questão, de modo a evitar mal-entendidos. Perguntado se tentaria influenciar os católicos no seu voto na eleição presidencial estadunidense, Francisco disse "que ele não se envolveria nessa questão", mas repetiu a sua crítica de Mr. Trump, com uma reserva: "Declaro apenas que este homem não é cristão se ele disse coisas deste jaez.  Devemos ver se ele disse tais coisas desta maneira, e nisso eu dou o benefício da dúvida."

                Com grande presteza, Trump respondeu em comício de campanha em Kiawah Island, na Carolina do Sul. Discutindo sobre o Estado Islâmico, afirmou o candidato: "o seu objetivo primário é chegar ao Vaticano". Pouco antes, em suas observações Trump aduziu: "Eu gosto do Papa".

                 "Se e quando o Vaticano for atacado", "o papa só desejaria e rezaria que Donald Trump tivesse sido eleito presidente."

                  Questionado sobre os comentários de Trump de que ele  'é uma pessoa muito política', Papa Francisco riu: "Graças a Deus que ele disse  que eu sou político, porque Aristóteles definiu a pessoa humana como 'animal politicus". "Assim, pelo menos eu sou uma pessoa humana. Se por acaso eu sou um peão, bem, talvez, eu não sei. Deixo isso para seu julgamento e o do povo."

                    Sua Santidade assinalou que no mês próximo deverá ser divulgado  documento papal sobre a família. Um dos tópicos em discussão é se católicos divorciados e casados no civil podem receber a santa comunhão.  O papa evitou dar uma resposta conclusiva. Pressionado, disse que 'todas as portas estão abertas', mas que a Igreja não pode simplesmente dizer que "daqui em diante, eles podem participar da comunhão".

                   Por fim, vieram à tona as recém-descobertas cartas que revelam relação muito próxima entre o Papa João Paulo II e Anna-Teresa Tymieniecka, filósofa e autora que colaborou com Papa Wojtyla.  Nesse contexto, Francisco ponderou que amizade estreita entre um homem e uma mulher "não é um pecado, é amizade. Uma relação romântica com uma mulher que não é sua esposa - isto é um pecado. Entende?" Disse, por fim, que os papas são homens, mas eles carecem  de conselhos e amizade de mulheres. Tais relações não devem suscitar suspeitas.  E acrescentou: "O papa, também, tem um coração que pode manter saudável e santa amizade com uma mulher."    

 

( Fonte: The New York Times. Com algumas  modificações, o texto é da edição na web do jornal estadunidense  )     

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