sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Suplício de cada Dia


                              

       Os ônibus cariocas trazem durante a semana homens e mulheres para o mercado da Zona Sul. Eles vêm em geral da Zona Norte e das cidades dormitório onde descansa à noite a gente trabalhadora. É  longo percurso, que a caprichosa ocupação humana torna ainda mais comprido, a despeito dos túneis, dos viadutos e das pontes.

        Num arroubo de esperança, o Rio de Janeiro logrou ganhar a vez para sediar as Olimpíadas. Ao contrário de hoje, em Olímpia, na Grécia antiga, onde sempre se realizavam os jogos do mundo helênico, nem as provas atléticas, nem a sua localização mudava. Aos ganhadores, as coroas de louro que lhes prometiam a austera fama naquele espaço da Antiguidade.

        Trazidas para a modernidade, as Olimpíadas se repetem também em quadriênios, mas os seus locais mudam sempre, e hoje viraram eventos mundiais, e que nada têm a ver portanto com a simplicidade daquela perdida civilização.

         O Brasil pensava despertar para a alegria, a riqueza e o conforto da aldeia global. Assim como temos ótimos marqueteiros, temos gente muito boa no ramo da publicidade, cujo mérito reside em apresentar, da melhor maneira possível, a respectiva realidade, de modo a convencer os delegados olímpicos que se deve ser o pouso da vez da mítica tocha olímpica.

         Em passado ainda não longínquo, a gente e os governantes brasileiros realizaram milagres, como mudar a capital da costa para o interior, e levantar uma cidade e a respectiva rede de apoio em menos de cinco anos.

          Não sei se confiados nessa já antiga proeza, e servidos da respectiva simpatia e capacidade de convencer o público-alvo, voltou a funcionar o jeito brasileiro e conseguimos conquistar o direito de trazer para cá a tocha olímpica, e por conseguinte elevar a Cidade Maravilhosa para as alturas do desafio olímpico, realizando por vez primeira as Olimpíadas na América do Sul.   

         O diabo é que hoje não parece mais estar disponível o material humano em termos de liderança, planejamento e implementação, dos compromissos assumidos, seja com a própria cidadania, seja com os demais países que acreditaram tanto na sua veracidade, quanto na capacidade dos líderes respectivos cumprirem com a palavra assumida.  Fala-se aqui de caráter, capacidade, engenho e vontade.

           Aproxima-se a hora da onça beber água, e o caso seria de perguntar como estamos nós, que fomos tão bons em termos de promessas e de capacidade de persuasão, quando se logrou ouvir a autoridade olímpica retirar o cartão com o nome Rio de Janeiro, cercado pelo júbilo dos delegados brasileiros. Agora, pensaram comovidos alguns, será a vez de o mundo de Elizabeth Arden curvar-se perante o Brasil.

             Mas basta andar pela Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro para que nos demos conta de que há ainda coisas por fazer e outras que não mais poderão ser feitas.

              Com brusca negativa, se pensou afastar qualquer ilusão sobre o saneamento da Baía de Guanabara. Prometeu-se mas não se cumpriu. É isso aí !

              Também sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, que será o local de provas de remo, a autoridade descartou a possibilidade de recuperação. Pelas dimensões desse cenário, custa crer que tal não se possa ainda realizar. Prometer desse modo e depois afirmar-se sobranceiro que está fora de cogitação, é um procedimento de cujo caráter ético não vale sequer a pena discutir.  

               A autoridade também prometera que haveria metrô  para o parque olímpico. De uns tempos para cá, o Prefeito mudou de linguagem, e principiou a discorrer sobre linhas de ônibus para os locais olímpicos. Os chamados corredores de coletivos, que decerto se há de procurar enfeitar com designações supostamente mais condizentes com o evento olímpico.

                Mas qual será o tipo dos ônibus a serem utilizados para o transporte do multitudinário público? Suponho que não seja o daquele utilizado diuturnamente pelos trabalhadores cariocas, homens e mulheres, que continuam a arrostar um transporte de massa inadequado e sumamente desconfortável. A viagem dessa boa gente é um sacrifício imposto pela negligência, misturada com a displicência da autoridade, tanto estadual, quanto municipal, eis que ela permite que os proprietários dos ônibus, verdadeiras caixas velhas desconfortáveis ao extremo, que impõem saunas diárias à população que deles necessita, continuem a ser empregados, com a insolência de quem deve reputar-se com as costas quentes, para impingir esse tipo de transporte que não fica muito a dever às carroças de antigamente.

                   Vamos aproveitar, por conseguinte, a oportunidade para introduzir de vez os ônibus climatizados, e não mais essas caixas trepidantes, verdadeiras saunas ambulantes, que os donos de ônibus, esquecidos das passeatas de junho de 2013, continuam querendo impor ao público que deles necessita para trabalhar e para voltar para casa.  Mas esses longos trajetos que a ocupação urbana e a conformação do território tornam inevitáveis que sejam ao menos realizados com o conforto mínimo de cidade que se quer olímpica.   

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