Falam
que essa dupla seja atributo das classes
pobres, que deparam com vistas
enviesadas as qualidades e as vestes dos ricos. Entre as patranhas dos
favorecidos, não há maior injustiça.
Pois este gênio da Sétima Arte - cujo nome, em geral pronunciado com sorriso
de carinho e aprovação - é seu eterno cartão de apresentação: eis o imortal Carlitos da infância de tantos, o Charlot dos franceses e o Charlie Chaplin da terra que adentrou e, de alguma forma, contribuíu
para que lá fulgisse com seu valor incontrastável.
Pois vejam só. Essa terra, que em princípios do século passado o acolhera,
como a tantos outros imigrantes, o terá feito com alguma inconfessa má-vontade.
Aquele
que logo se confundiria com a Sétima arte, lá chegava nos albores do cinema
mudo.
Coube a ele, com a sua roupa inconfundível, difundir aquela mensagem por
vezes ainda vulgar, espalhada nos curtas cômicos povoados de personagens
populares que só as modernas
reconstituições nos trazem de volta, no seu formato ainda trôpego, em que
reponta o primeiro Carlitos, às voltas com os fanfarrões, os bêbedos e os valentões
da vizinhança, cuja popularesca presença só sobrevive nos filmecos sincopados desse
eterno vagabundo vestido nas sovadas roupas da lanterna mágica que a engatinhante
Sétima arte já nos prometia, com as lúridas, eternas cores dos tecidos vulgares.
As obras primas deste primeiro gênio da Sétima Arte incluem o Circo,
onde os personagens e o estilo inconfundível pedem licença ao povão imenso, que
se vai reproduzindo nas salas mal-iluminadas que trazem a memória de tantos
anônimos, que dele restam devedores dos primeiros risos e das primeiras
mensagens da igualdade de seu incontável público, cujos traços faciais podem
mudar, ao sabor do gênio desse primeiro cineasta, que se escondem na penumbra
das salas anônimas, aonde as fantasias e as primeiras identificações se vão
conformando.
O Circo, como todo precursor, sói ser caixa de surpresas, em
que os temas e o estilo inconfundível já se vai amoldando aos gulosos
interesses dos patrões insaciáveis, nos velhos truques dos mais fracos - que
Carlitos encarna - e nas singelas estórias do amor que se diferencia para
continuar o mesmo, a um tempo encantador, com os suas eternas armadilhas, que
nem sempre cáem a gosto de quem faz por merecê-las.
Mal sabia Carlitos - este
gênio da Humanidade - que o prêmio máximo do cinema - logo a ele que se
confunde com a Sétima Arte - lhe seria sempre negado tanto no sorriso escarninho de quem arrancara
da cegueira como em Luzes da Cidade - como nesse primeiro longa que é o Circo, onde os eternos temas da rejeição
capitalista e da terminal injustiça se dão metaforicamente as mãos.
E tal reação da raiva capitalista de quem ousara prefigurar o vagabundo
a liderar as massas de desocupados da Depressão
com o seu farrapo vermelho, também aqui é discernível, pois envolta nas
gargalhadas do público ignaro já reponta o personagem desse eterno tipo do
vagabundo que marcha, com as sovadas roupas do luto, com a sua tragicômica aparência e o horizonte por meta - para um futuro que
tem de confundir-se com a consagração.
E será pensando nisso
que a generosa América sempre negaria ao maior cineasta de todos os tempos a
consagração que se imanta na festa do Oscar. Nunca entenderei porque o imortal
Charlie Chaplin não rejeitou o falso prêmio - em geral reservado ao second best das categorias - que lhe foi
dado por "conjunto de obra", e ao qual assistiu em algum assento
apartado do grande recinto, pois aos patrocinadores da festa não agradava dispensar àquele que é o simbolo
da Sétima Arte o seu mais alto troféu de glória e realização.
Na modéstia do
eterno Carlitos, Charlie Chaplin iria mostrar que é muito maior do que a festa, pois
o preconceito de classe será para sempre incapaz de jogar nas águas do Letes, aquele que é o simbolo do Cinema
e da sua universal linguagem. A Direita
pode arreganhar-se com essa falsa desfeita.
A humildade do imortal Carlitos
se sobrepõe a essa festa da Direita, que vestida com os ouropéis da vulgaridade,
jamais terá a coragem de desfazer-se da própria ínsita mediocridade, e assumir
com estranha, mas surpreendente desenvoltura, a homenagem que esse gênio da
Humanidade sempre fez por merecer.
E se, da parte da
raivosa Direita, a inveja transcenda gerações, o legado do eterno vagabundo, à Humanidade pertence. O Belo se veste com roupas
diversas, mas a sua linguagem é universal, e não será um grupelho de
mediocridades que há de prevalecer. E não se esqueçam que nos filmes de
Carlitos e respectivo legado, ganham os deserdados da sorte, com quem se
identifica - e aí está o perigo! - o silente e anônimo Povão...
(
Fonte: A Sétima Arte e o imortal legado de Charlie Chaplin )
Um comentário:
Muito bom ensaio, Pai. Sua admiração por Carlitos reflete bem valores hoje em dia infelizmente escassos no mundo.
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